Disco: “Plowing Into the Field of Love”, Iceage

/ Por: Cleber Facchi 13/10/2014

Iceage
Post-Punk/Punk/Alternative Rock
http://iceagecopenhagen.eu/

Por: Cleber Facchi

Por mais referencial que seja o trabalho do Iceage, encarar o som incorporado por Elias Bender Rønnenfelt e demais parceiros de banda como uma “homenagem” aos anos 1980 seria um erro. Ainda que em New Brigade (2011) e You’re Nothing (2013) a banda flerte com o mesmo Pós-Punk de Public Joy Division, Image Ltd. e o rock sujo de Sonic Youth, a composição autoral dos versos, arranjos e até apresentações ao vivo caóticas trouxeram ao coletivo dinamarquês um frescor atual, por vezes particular. Todavia, com a chegada de Plowing Into the Field of Love (2014, Matador), difícil não observar o trabalho do grupo como uma interpretação quase caricatural do som desenvolvido há três décadas.

The Fall, Mekons, X, Meat Puppets e The Pogues. Cada curva do terceiro álbum de estúdio da banda de Copenhague é como um recorte específico de diferentes cenas ou gêneros em ascendência ao longo da década de 1980. Minutos em que Rønnenfelt incorpora o mesmo espírito anárquico do veterano Mark E. Smith (How Many), guitarras invadem a atmosfera temática de Rum Sodomy & the Lash (Forever) e lirismo romântico das faixas parecem ressuscitar o mesmo drama de Nick Cave. Uma obra ainda presente, porém totalmente inclinada ao passado.

Por falar em Cave, difícil não perceber a influência do cantor australiano em toda a concepção lírica do disco. Da voz dramática do vocalista em The Lord’s Favorite, ao exercício cênico de boa parte das canções, toda a estrutura do álbum ecoa como um interpretação de obras clássicas do veterano, caso de From Her to Eternity (1984) e The Firstborn Is Dead (1985), ambas em parceria com o The Bad Seeds. A diferença e natural “ponte” para o presente está na posição de Rønnenfelt quanto personagem central da obra. Como o próprio afirmou em entrevista: “É tudo sobre mim. Há muita coisa acontecendo na minha vida e eu fiz escolhas sobre quais assuntos dramatizar e como dramatizá-los“.

É este mesmo aspecto confessional que transforma PITFOL no registro mais atrativo e “fácil” do Iceage. Diferente da lírica torta lançado nos dois primeiros trabalhos da banda, o novo álbum segue de forma linear, como se o vocalista mergulhasse em um explícito drama sentimental – conceituo evidente logo no título da obra. Mais importante do que isso é ressaltar a estrutura que define os versos de Rønnenfelt, agora mergulhado em composições detalhistas, como uma fuga do material cru explorado até o último ano. Da inaugural On My Fingers (“Eu sempre menti para você, você não percebeu?“) ao desespero ilustrado em How Many (“Preso a um corpo que não age sobre o pensamento“), os versos resumem algo maior do que uma simples obra de pós-relacionamento, mas a interpretação musical de um indivíduo perturbado pelo amor. 

A constante ruptura dos elementos não define apenas o vasto acervo lírico da obra, mas também os arranjos que orientam toda a formação instrumental do trabalho. Ainda que exista uma padronização nos conceitos de cada faixa – variações entre o Pós-Punk inglês e o Rock “americano” da década de 1980 -, a incerteza prevalece como a única garantia do ouvinte ao longo do álbum. Das guitarras de Johan Surrballe Wieth à bateria de Dan Kjær Nielsen, parece difícil encontrar um único ponto de referência para o ouvinte, o que não exclui o aspecto “acessível” da obra. Como um mosaico de peças cinzas, diferentes variações rítmicas são exploradas com naturalidade, proposta evidente na esquizofrenia de Stay, Let It Vanish e grande parte do eixo central da obra.

Registro mais completo do grupo até aqui, Plowing Into the Field of Love pode até convencer pelo reforço ao uso de elementos já explorados em New Brigade e You’re Nothing, entretanto, é no acervo de referências inéditas que a banda seduz em essência o ouvinte. Arranjos acústicos, temas existencialistas em oposição aos iniciais conceitos niilistas, além de uma maior valorização das melodias. O mesmo acervo sombrio-nostálgico dos dois primeiros álbuns, porém, sob um ponto de vista totalmente novo, tão interno e honesto, que parece nosso.

 

Plowing Into the Field of Love (2014, Matador)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Cult Of Youth, White Lung e Male Bonding
Ouça: How Many, Forever e Agains The Moon

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.