Disco: “Sea When Absent”, A Sunny Day In Glasgow

/ Por: Cleber Facchi 26/06/2014

A Sunny Day In Glasgow
Shoegaze/Dream Pop/Experimental
http://asunnydayinglasgow.com/

Por: Cleber Facchi

Por mais assertivo que tenha sido o regresso de Kevin Shields com M B V (2013) – o primeiro álbum do My Bloody Valentine após um hiato de 22 anos -, muito do que acompanha o veterano do Shoegaze / Dream Pop se acomoda em uma série de redundâncias naturais, típicas do gênero. Blocos colossais de ruídos, distorções tratadas de forma sobreposta e todo um catálogo de efeitos a serem dissolvidos com o passar da obra. Transformação do ponto de vista da música “comercial”, mas uma evidente continuação dentro da própria carreira de Shields – ainda mais se observarmos o detalhamento que acompanha a formação de Loveless (1991), a obra-prima do compositor.

Shields não é o único. Se você observar atentamente, muito do que orienta a formação ruidosa e os arranjos do gênero – salvo exceções -, cedo ou tarde se reconfigura em um trabalho marcado pela reciclagem de fórmulas. Do Deerhunter em Monomania (2013) – uma versão mais acelerada e crua de Microcastle (2008) -, ao Wild Nothing em Nocturne (2012) – uma nítida continuação de Gemini (2010) -, veteranos e novatos acabam aos poucos atraídos pelo conforto. Curioso encontrar em Sea When Absent (2014, Lefse), novo álbum do A Sunny Day in Glasgow, uma obra que se distancia completamente desse princípio.

Quarto registro em estúdio do grupo norte-americano, o sucessor do confortável Autumn, Again (2010) é uma obra de plena ruptura – para o grupo, ou para o gênero que ele representa. Brincando de forma aleatória com os blocos de ruídos agrupados por outros artistas nas últimas duas décadas, o presente álbum usa da constante transformação estética como um ponto de crescimento. Se Bye Bye, Big Ocean (The End), na abertura do disco, revela um som marcado pela continuação de antigos exageros e efeitos, até alcançar Golden Waves, no encerramento do disco, tanto o trabalho como a própria banda já se modificaram tanto, que classificar Sea When Absent como um simples discos de “Shoegaze” ou “Dream Pop” seria um erro.

Em um sentido contrário ao esforços de grande parte dos artistas de mesmo estilo, com o novo disco a banda não apenas tenta parecer acessível ao público médio, como incorpora livremente instantes mais “comerciais” lírica e musicalmente. Basta perceber as vocalizações típicas do R&B/Soul em Golden Waves ou os versos doces em Crushin’ para esbarrar no teor “pop” da obra. Mesmo ao limar a “complexidade” do trabalho, Sea When Absent não oculta as pequenas doses experimentais do registro. Um mergulho na psicodelia de The Things They Do to Me ou uma passagem pelas guitarras de Oh, I’m a Wrecker (What to Say to Crazy People) revelam que a arquitetura básica de qualquer trabalho do estilo se faz presente e ativa, apenas curiosa. Jeff Zeigler (The War on Drugs, Kurt Vile), produtor do disco, parece ter encontrado uma nova forma de organizar todas essas impressões.

Talvez a mudança mais significativa entre o novo disco do ASDIG e qualquer outro registro próximo seja a grandeza dos detalhes. De forma instável e concisa, cada música do álbum se acomoda em um terreno variado de tendências, gêneros, novos andamentos e pequenas adequações. Precisa de um exemplo? Ouça atentamente In Love with Useless (The Timeless Geometry in the Tradition of Passing), segunda faixa do disco, e perceba quantas músicas diferentes parecem encaixadas no interior da canção. Perceba como a eletrônica ecoa curiosa em MTLOV (Minor Keys) ou como todos os clichês do Dream Pop são invertidos em The Body, It Bends (ペルセポネが帰ってきた!). Oficialmente, Sea When Absent é um disco de 11 faixas, mas basta a canção de abertura para perceber que o grupo reserva um catálogo imenso no interior do trabalho.

Registro mais seguro e abrangente do sexteto – hoje formado por Ben Daniels, Josh Meakim, Annie Fredrickson, Jen Goma, Ryan Newmyer e Adam Herndon -, Sea When Absent consegue ir além de expandir a essência lançada em Scribble Mural Comic Journal (2007). Parece um verdadeiro recomeço para o grupo. Reflexo de uma maior comunicação entre os integrantes ou efeito da mão firme de Jeff Zeigler, não importa, cada passo dado pela banda ao longo do registro atenta para a desconstrução, solucionando um trabalho imenso tão logo na primeira audição, como na última.

 

Sea When Absent (2014, Lefse)

Nota: 8.8
Para quem gosta de: My Bloody Valentine, Asobi Seksu e Deerhunter
Ouça:  In Love with Useless, Crushin’ e Golden Waves

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.