Disco: “To Be Kind”, Swans

/ Por: Cleber Facchi 14/05/2014

Swans
Experimental/Post-Punk/Alternative
https://www.facebook.com/SwansOfficial

Por: Cleber Facchi

O tempo sempre se comportou de maneira inexata para Michael Gira e o universo desenvolvido de forma particular para o Swans. Ainda que o músico californiano tenha sustentado durante toda a década de 1980 uma seleção de obras marcadas pela complexidade dos arranjos, caso de Children Of God (1987) e Filth (1983), foi somente ao alcançar a maturidade que o artista centrado em Nova York apresentou ao público seus melhores e mais coesos projetos. Contrariando grande parte dos músicos veteranos, naturalmente entregues ao cansaço, aos 56 anos de vida Gira regressou ao mesmo posicionamento jovial que ostentava há três décadas, fazendo do orquestral My Father Will Guide Me up a Rope to the Sky (2010) a passagem para um ambiente criativo renovado dentro da carreira da banda.

Chave para a reestruturação do Swans – em hiato desde o álbum Soundtracks for the Blind, de 1996 -, o registro lançado há quatro anos serviu como base para o ambiente épico/assustador de The Seer (2012), a obra-prima torta assinada por Gira, mas que encontra uma inteligente continuação no interior de To Be Kind (2014, Young God/Mute), o 13º álbum de estúdio do grupo. Como uma espécie de perturbação na ordem do compositor, o álbum de 121 minutos reforça mais uma vez o completo descontrole de Gira, interessado em brincar com a própria essência, porém, motivado de forma natural a descobrir um novo mundo de pequenas (ou mesmo épicas) possibilidades.

Interpretação anárquica do orquestral soturno lançado há dois anos, o novo álbum do Swans é uma obra feita para testar limites – da banda, ou do próprio público. Desviando de possíveis momentos acolhedores ou faixas que possam se relacionar com o ouvinte médio, todos os minutos do álbum atentam para o experimento, como se a confusão fosse o único estado de ordem para o trabalho. Faixas de 30 minutos encaradas como blocos imensos de ruídos, readequações do pós-punk, cacofonia, sujeira, versos que parecem invocar uma besta demoníaca: cada passo dado pelo disco arrasta o ouvinte para o interior de um labirinto sem saídas. De certa forma, nada que Gira já não tenha experimentado em obras como White Light from the Mouth of Infinity (1991), entretanto, nada aqui parece íntimo de uma possível fórmula ou provável aproximação.

Parte desse caráter “abstrato” do disco parece fluir do cenário em que foi construído: durante as turnês da banda. Ainda que o álbum tenha sido captado no Sonic Ranch, em Tornillo, Texas, a arquitetura que define o álbum foi concebida em pequenos intervalos e fugas dos shows, o que explica o caráter “ao vivo” e a crueza emergencial de Bring the Sun / Toussaint l’Ouverture, Oxygen e grande parte das canções presentes no álbum. Menos detalhista quando próximo de faixas como Lunacy e A Piece of the Sky, do disco passado, To Be Kind usa das imposições brutas como a solução do álbum, fragmentando a lógica de Gira em um terreno ao mesmo louco e fértil.

A julgar pela firmeza das guitarras em A Little God in My Hands, o primeiro “single” do álbum, To Be Kind talvez seja o trabalho que mais se aproxima dos primeiros anos do músico. São faixas de íntima relação com a música de vanguarda (Just a Little Boy), diálogos paralelos com o rock industrial (She Loves Us!), bem como faixas que interpretam o folk gótico dos dois últimos discos em uma linguagem transformada (Nathalie Neal). Quem buscar por uma fórmula específica ou mínimo ponto de equilíbrio vai cair. Do momento em que Screen Shot abre o disco, apenas a inexatidão permanece em rotação. Gritos, o barulho de objetos sendo cortados, arranjos jazzísticos, melodias sublimes, explosões e silêncio: a única ordem de Gira é que não exista ordem.

O mais curioso dentro de todo esse universo caótico, talvez seja perceber o quanto Gira atrai o ouvinte cada vez mais para dentro dele. A urgência dos vocais impostos como um mantra na faixa de abertura – “Aqui/ agora/ aqui/ agora/ aqui/ agora” – reflete todo o impulso do álbum, que nada mais é do que uma representação dos pesadelos ou da própria mente perturbada do compositor. Não existe chão, tampouco teto, tornando o disco um flutuar constante de formas, versos e sons, como um furacão desgovernado que arremessa tudo em todas as direções, mas ainda assim mantém firme o fluxo de sua espiral. Michael Gira criou um mundo próprio em The Seer, aqui ele o destruiu de vez.

 

To Be Kind (2014, Young God/Mute)

Nota: 9.0
Para quem gosta de: Godspeed You! Black Emperor, Pharmakon e Michael Gira
Ouça: A Little God in My Hands, Bring the Sun / Toussaint l’Ouverture e Oxygen

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.