Kurt Vile
Indie/Singer-Songwriter/Psychedelic
http://kurtvile.com/
Por: Cleber Facchi
Kurt Vile parece ter encontrado um ponto de equilíbrio dentro das composições e dos sons que vem desenvolvendo há exatamente uma década. Ancorado em músicas cada vez mais confortáveis, o compositor vem desde 2008, com Constant Hitmaker, solucionando em guitarras simples e vocais pacatos emoções tocadas pelo romântico e pelo doloroso sem jamais abandonar a psicodelia. Um delineamento particular que o músico tratou de aprimorar com cuidado há apenas dois anos, durante a construção de Smoke Ring For My Halo (2011), e finaliza agora com aquela que parece ser, em todos os sentidos, sua maior obra: Wakin on a Pretty Daze (2013, Matador).
Quase um contraponto a tudo o que o artista encontrou na ambientação sublime do álbum passado, com o novo disco Vile se entrega aos experimentos e à necessidade de posicionar a própria música em um espaço conceitualmente mais amplo. Enquanto o último disco parecia acomodar o cantor (e o ouvinte) em um cenário tocado pelo hermetismo delicado das canções – efeito manifesto logo nas confissões românticas e caseiras de Baby’s Arms -, ao alcançar o quinto disco solo Kurt busca pela substituição dos temas e pelo aprimoramento de diversas marcas antes comportadas. Seja por meio de pequenas viagens lisérgicas tratadas na instrumentação ou no uso de letras que rompem com a proposta intimista do trabalho passado, a cada passo dado no recente disco, o músico se depara com a transformação.
O que antes era tímido e quase silencioso em alguns aspectos, hoje estimula o crescimento de faixas marcadas pela grandiosidade – seja voltada aos sons ou aos versos. Posicionada de forma coerente na abertura do trabalho, Wakin On A Pretty Day traz na imensidão de nove minutos diversos aspectos que solidificam a estrutura do novo álbum em toda a extensão. Brincando com as viagens nada compactas do rock psicodélico da década de 1970, a faixa anuncia a saída de Vile do ambiente limitador do disco passado para um campo totalmente estruturado. Se até bem pouco tempo o norte-americano parecia íntimo de uma produção voltada ao Bedroom Pop, hoje ele mostra que é possível ir além, deixando que o novo disco cresça, sem jamais alcançar o descontrole.
Espécie de livro de recortes cotidianos, Smoke Ring For My Halo encontrava na limitação de faixas mais rápidas pequenos poemas musicados. Canções que mais pareciam dançar na extensão de quatro paredes que sustentam um quarto cinza – universo bem representado na capa do disco. Ainda nesse mesmo cenário, Vile abre as portas para que as músicas se derramem em versos extensos e quase descritivos dos mesmos acontecimentos cotidianos, com a diferença de que agora eles olham o mundo, e não apenas os sentimentos enjaulados de antes. É como se o músico deixasse o ambiente comportado para caminhar pelo “mundo real”, o que em alguns instantes explica as imensas passagens instrumentais que pintam os possíveis pontos de silêncio da obra. Músicas enormes como Goldtone, Too Hard e Was All Talk (todas na faixa dos oito minutos) capazes de manifestar instrumentalmente as reformulações que banham o novo disco.
Pela forma como os arranjos se acomodam, não é difícil encontrar certa aproximação em tudo aquilo que Neil Young produziu em começo de carreira, deixando para os instantes mais comportados uma forte relação com a obra de Nick Drake. Seja na maneira como as melodias são estruturadas em Girl Called Alex ou na forma como Too Hard derrama os versos, cada instante do trabalho se manifesta como uma versão reformulada do clássico Pink Moon, substituindo o bucolismo pacato de Drake pelos engenhos urbanos e extensos de Vile. Já nas faixas mais rápidas do álbum, o músico deixa fluir o que há de mais comercial e coerente na música atual, principalmente o folk de Snowflakes Are Dancing ou rock leve de Never Run Away, a canção mais “pop” do disco.
Mesmo em meio a extensas passagens instrumentais e toda uma sucessão de elementos que tingidos pelo imenso, Kurt Vile jamais se perde no caminho. São passeios cotidianos por faixas que discutem amor, saudade ou meras futilidades diárias, como se o músico apenas observasse o tempo passar e fosse capaz de descrever cada mínimo aspecto sobre ele. Talvez por isso Too Hard seja a composição que melhor representa o disco. Trabalhada em uma medida própria de tempo, a faixa despeja acordes com uma morosidade agradável, preparando o terreno para que versos como “Take your time, so they say, and that’s probably the best way” sirvam como um respiro para observar as coisas simples ao redor em meio ao desgaste da correria diária. Uma obra que exige tempo, mas que garante algo ao final.
Wakin on a Pretty Daze (2013, Matador)
Nota: 8.5
Para quem gosta de: Woods, Real Estate e Mac DeMarco
Ouça: Too Hard e Wakin On A Pretty Day
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.