Por: Cleber Facchi
O que poderia se transformar em apenas mais uma dupla se esforçando na criação de composições eletrônicas repetitivas, nas mãos do casal britânico Alison Goldfrapp e Will Gregory acabou se convertendo em um ótimo explorar de sons e sensações delicadas. Formado em meados de 1999 o Goldfrapp é um trabalho que tem como foco a música eletrônica em suas transições mais suaves, embora haja espaço para que diversos elementos de distintas áreas musicais possam se manifestar. Sintetizadores, batidas minuciosas e um vocal que se divide em momentos de seriedade e desenvoltura angelical.
Quando Alison foi apresentada à Will em 1999, a então garota já havia passado por um número relevante de bandas e projetos musicais, quase todos mantendo uma proximidade latente com a música eletrônica e mais especificamente o Trip-Hop. Na ocasião o produtor convidou bela britânica para que emprestasse seus vocais para o desenvolvimento de uma trilha sonora que vinha sendo desenvolvida naquele momento. A compatibilidade dos dois fluiu de maneira tão natural, que ambos se sentiram compelidos a seguirem em uma parceria. Nascia ali o Goldfrapp. Naquele mesmo ano o par se mudaria para uma cabana em uma região rural da Inglaterra, onde teria início o primeiro disco da banda.
Apesar de gravado em um local obscuro e rústico (em entrevistas Alison já afirmou ter ficado paranóica com a quantidade de ratos e insetos presentes no lugar) o trabalho de estreia da dupla é de uma beleza incomparável. Bebendo do Trip-Hop e da música ambiente o casal entregou em setembro de 2000 Felt Mountain, um achado de elementos eletrônicos, mas dotados de um espírito orgânico e humano. A dupla também foi atrás de outros ritmos além dos quais já estavam habituados a desenvolver. É possível encontrar desde referências a musica pop dos anos 60, passando pela bossa nova, até esbarrar com as canções de cabaré.
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A boa repercussão da crítica não foi por menos, cada uma das nove faixas que dão origem ao disco vêm permeadas por uma qualidade excepcional e são pontuadas por elementos discretos que vão se revelando a cada nova audição. Sejam os instrumentos de sopro e a temática meio circense em Oompa Radar ou as batidas pop melodramáticas em Human, a verdade é que a produção do casal funcionou com perfeição. O mais interessante em Felt Mountain está no fato dele ser um disco que transita por um universo de excentricidades controladas, mas que ainda assim soa pop e comercialmente acessível. Mesmo o baixo número nas vendagens do álbum não foi empecilho para que a dupla desse sequência ao projeto e embarcasse para uma série de apresentações pelo mundo.
Passados três anos e agora donos de um público fiel, a dupla chegou com Black Cherry, o segundo trabalho da carreira do Goldfrapp. Quem esperava por uma continuação dos sons comportados do debute se enganou feio. Ao invés de se concentrarem em ritmos moderados e que beiravam a música ambiental, o casal foi atrás de ritmos dos anos 70 para conseguir inspiração. Tanto a música Dance como o Glam Rock vêm categoricamente representados dentro desse álbum. Se antes o duo te conduzia para dentro de um cenário quase bucólico, com o novo trabalho o casal leva ouvinte para meio das pistas de dança.
Faixas como Train chegam carregadas de sintetizadores e batidas enérgicas, uma completa oposição do que se via no álbum de estreia. A melancólica Alison se transforma em uma diva pop da música chillout, inclusive transformando suas apresentações ao vivo e espetáculos quase teatrais, com direito a fantasias de animais e dançarinos devidamente caracterizados. Embora existam momentos em que a dupla remeta aos sons que fizeram deles conhecidos é através das faixas mais pulsantes que o casal se apoia. Na própria faixa que dá nome ao disco o som chega de maneira delicada e reflexiva, para logo ter sua intensidade ampliada e se encobrir de batidas.
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Ainda mais interessados pela eletrônica e pela música dance o Goldfrapp trouxe em agosto de 2005 Supernature, um trabalho bem mais intenso e que bebe vertiginosamente da música pop dos anos 90. Talhado por sons que vão do Electroclash passando por elementos que remetem ao New Order, o terceiro trabalho da dupla é sem dúvidas seu disco mais acessível e talvez por isso menos interessante. Mesmo com os dois primeiros discos seguindo por caminhos devera opostos havia uma maior naturalidade nas composições. Com o novo álbum fica mais do que visível a necessidade da dupla em se apoiar na música pop.
Basta ouvir Oh La La (ou assistir ao clipe) para perceber a forma como o casal estrutura as canções desse disco. O absorver de influências da música eletrônica dos anos 80, que mais tarde tomaria os discos da banda tem início aqui. Em Number 1, por exemplo, Will Gregory despeja uma chuva de sintetizadores e batidas fáceis no melhor estilo synthpop. É certo que o álbum não é de um todo ruim, porém ele não agrega o mesmo espírito dos trabalhos anteriores e acaba se perdendo em meio a composições seguramente descartáveis.
Para suprir os erros de Supernature, em 2008 a dupla fez um suave retorno ao primeiro trabalho da carreira com um disco que se movimenta através de faixas melancólicas e que inclusive se agregam de elementos acústicos. Quarto álbum da carreira do duo Seventh Tree entrega uma Alison Goldfrapp comportada, cercada de programações eletrônicas cuidadosas, violoncelos e demais instrumentos acústicos. Se em Felt Mountain a dupla busca por uma sonoridade ambiental eletrônica e nos dois discos seguintes um passeio pela dance musica, com o quarto disco o Goldfrapp se envolve brilhantemente com a folktronica.
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A voz de Alison chega mergulhada em um mar de distorções e elementos esvoaçados, que de certo modo aproximam o trabalho do dream pop, embora sempre dotados de graça e delicadeza. Talvez Happiness seja a faixa que mais se aproxima dos sons iniciais da dupla. Contudo é através de faixas mais orgânicas, aos moldes de A&E que a dupla consegue seus melhores momentos. Apesar de o disco ser recheado por uma instrumentação acústica, o casal em nenhum momento abandona suas raízes no trip-hop e na música eletrônica reducionista. Um exemplo é Cologne Cerrone Houdini, que traz o melhor dos dois lados desse disco. Porém, toda a calmaria e a instrumentação comportada não durariam para sempre, como mostra Head First (2010), quinto disco da carreira da dupla.
Se em Supernature o casal já edificava uma ponte com a música pop da década de 1980, com esse quinto disco o Goldfrapp abraça de vez os sintetizadores e entrega seu lado mais chiclete. De Rocket na abertura do disco, passando por Alive e I Wanna Life até findar com Voicething tudo remete aos anos 80. Batidas de bateria com eco, teclados quase irritantes e ritmo dançante vão cobrindo cada mínimo espaço dentro do álbum. Até nos clipes o casal chega repleto de neon, gelo seco e roupas fluorescentes. Tanto crítica como público acabaram se dividindo com esse álbum. De um lado os que compactuaram com a sonoridade pop dançante da dupla, do outro os que reduzem o álbum como uma mera cópia. Head First pode não ser o melhor disco do Goldfrapp, mas conta com boas faixas que funcionam tranquilamente para as pistas.
Uma coisa é certa, pelo menos o casal sempre trouxe algo de diferente a cada novo disco. Seja por meio do trip-hop climático do álbum de estreia, do lado acústico em seu quarto disco, ou dos projetos dançantes que acompanham os trabalhos restantes, o fato é que a dupla Will Gregory e Alison Goldfrapp não quer saber de repetições, mas sim de sempre presentear o público com algo inédito, nem que esse ineditismo venha de maneira quase chupada de décadas anteriores.
Felt Mountain (2000)
Black Cherry (2003)
Supernature (2005)
Seventh Tree (2008)
Head First (2010)
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.