Especial: Lá e de volta outra vez

/ Por: Cleber Facchi 08/09/2011


Por: Cleber Facchi

Oficialmente a década de 1990 chegou ao fim quando o último segundo de 31 de dezembro de 1999 se extinguiu. Cada grito de ano novo ou garrafa de champanhe que estourava em alguma praia qualquer lentamente afastavam a pequena coleção de fatos e referências culturais, políticas ou econômicas que delimitaram tal período. Musicalmente há quem possa dizer que os anos 90 tiveram fim assim que a bala disparada por Kurt Cobain levou com ela a alma do eterno líder do Nirvana, uma afirmação coerente em meio ao gradativo declínio que o rock alternativo sofreu a partir daquele momento. Há também quem seja capaz de afirmar que a mesma década ainda não se extinguiu, algo bem representado pela vertente de novas bandas, cada vez mais inspiradas pelos sons exaltados há mais de 20 anos.

“Não foi uma coisa planejada, ninguém na banda parecia interessado em montar um ‘revival’ dos anos 90” afirma Daniel Blumberg, guitarrista e vocalista do grupo britânico Yuck, uma das bandas apontadas pela imprensa internacional como responsável por esse retorno aos sons dos anos 90. “Todo mundo na banda já passou por uma fase em que ouvia Dinosaur Jr, Sonic Youth ou todas esses outros grupos da época, mas isso nunca foi uma ideia dentro do Yuck, ninguém nunca falou ‘vamos montar uma banda assim’”. Embora busque se esquivar, tentando de alguma forma trazer originalidade aos sons ostentados por sua banda, as guitarras de Blumberg não conseguem esconder os fatos: cada mínimo acorde elaborado dentro da autointitulada estreia da banda remete à obras-primas do período, como os álbuns iniciais do Dinosaur Jr e Sonic Youth, ou mesmo em menor escala Slanted And Enchanted do Pavement, criando um inegável elo com o período em questão.

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“Dizem que a música é algo cíclico. Assim com aconteceu com todos os grupos da década passada, que se inspiravam pela sonoridade dos anos 80, agora é a vez da década de 90 ser a grande fonte de inspiração”, opina o líder do The Pains Of Being Pure At Heart, Kip Berman. Embora ainda honre o que foi construído por seus “ancestrais” em solo americano naquela mesma época, o músico e os demais integrantes de sua banda parecem bem mais atraídos pelas reverberações sujas vindas de território britânico, dissecando de forma pop aquilo que Kevin Shields e seu My Bloody Valentine desenvolveram em sua instável carreira.

O mais interessante dentro de toda essa retomada do rock alternativo “noventista” está na nostalgia não vivenciada de seus representantes. Tanto Blumberg quanto Berman estão na casa dos 20 anos, algo que se repete entre todos os demais artistas interessados em tal sonoridade, indivíduos que eram apenas crianças quando suas grandes fontes de inspiração lançaram ao público suas melhores obras. Não é difícil encontrar gente como Dylan Baldi – frontman do Cloud Nothings, grupo que acabou de lançar seu primeiro álbum de estúdio -, que diferente de alguns amigos da mesma idade parece bem mais interessado em ouvir o que era tocado há 20 ou 30 anos, do que aquilo que é “fabricado” hoje em dia. “São realmente poucas as bandas atuais que me despertam algum tipo de interesse. A maioria dos grupos que ouço são desconhecidos dos meus amigos ou lembrados apenas pelo nome”, revela o garoto de 19 anos que mantém Pavement e outros artistas da geração X como suas maiores influências.

Embora caminhe por uma via levemente distante, o Brasil já entrega alguns representantes dentro dessa retomada pelos sons dos anos 90. Selos como Transfusão Noise Records e Sinewave parecem ser a casa de alguns importantes nomes dentro do cenário nacional, como Loomer, Top Surprise ou carioca Lê Almeida, músico que acaba de lançar seu primeiro trabalho de estúdio – Mono Maçã – empacotado dentro de uma embalagem Lo-Fi, suja e jovial, lembrando um Guided By Voices em seus melhores momentos. Junto da retomada pelos mesmos sons da época, formatos praticamente extintos tem voltado com força total, como é o caso das bandas mineira Top Surprise e Duplodeck, que tiveram seus EPs lançados em fitas cassete.

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Não apenas o rock parece ser a morada desse “novo tipo de sonoridade”. Há mais de três anos que uma pequena revisão do que era construído na música eletrônica durante a década de 1990 passou a se manifestar de forma frequente nas pistas do mundo todo. Gente como o produtor britânico Zomby, que em 2008 lançou o nostálgico e anfetaminado Where Were U In ’92?, álbum que se adornava de batidas sincopadas e sirenes em uma grande ode aos sons da década. O mesmo vale para um pequeno batalhão de músicos contemporâneos, sejam eles donos de projetos mais comerciais como o Friendly Fires do álbum Pala, ou o ainda obscuro Travis Egedy e seu Pictureplane, que em seu recente disco (Thee Physical) cercou-se de referências da época, inclusive com o que havia de pior no mesmo período.

Assim como aconteceu na chegada dos anos 2000, além do surgimento de bandas como The Strokes, Interpol, Franz Ferdinand e todas os bons grupos que vieram para resgatar as sonoridades dos anos 80, tudo que havia de pior na mesma década veio à tona, inundando os ouvidos com uma carga nada moderada de composições clichês e ritmos redundantes há tempos esquecidos. Será que logo, para além de grupos inspirados pelo rock alternativo e a música eletrônica dos anos 90 teremos de saborear uma retomada do axé music, uma nova alvorada das duplas sertanejas e toda uma desnecessária avalanche de redundantes grupos da música pop que assolaram o país durante o mesmo período? Em breve teremos a resposta.

 

 

Cinco discos para reviver os anos 90


The Pains Of Being Pure At Heart 
Belong (2011) – [resenha]

 

Yuck
Yuck (2011) – [resenha]

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Zomby
Where Were U In ’92? (2008)

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Lê Almeida
Mono Maçã (2011) – [resenha]

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Cloud Nothings
Cloud Nothings (2011) – [resenha]

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Texto originalmente publicado na terceira edição da Freak! Mag

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.