Resenha: “Oceano”, Nego E.

/ Por: Cleber Facchi 28/11/2016

Artista: Nego E.
Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B
Acesse: https://www.facebook.com/negoe.sp/

 

O oceano desbravado no segundo álbum de estúdio de Nego E. é imenso, turbulento e propositadamente instável. Navegando em uma embarcação resistente, segura, projetada a partir do uso preciso das rimas, o princípio de um constante embate contra ondas de preconceito, criminalidade, racismo e perseguição policial. Uma extensão madura do mesmo conceito caótico e urbano explorado pelo rapper há dois anos, durante a produção do primeiro álbum de inéditas, o ótimo Autorretrato (2014).

Anunciado durante o lançamento de Lua Negra, primeiro single do disco, Oceano (2016, Independente) joga com as rimas e referências dentro de uma atmosfera essencialmente densa, sombria. “Cadê a lei do ventre livre quando uma preta é estuprada? / A noite vi minha mãe com insônia / Por não saber se eu ia cair numa cena forjada”, questiona o rapper, preparando o terreno para ápice dramático da canção – “Eu não consigo respirar, ainda pareço suspeito? / Para de atirar, eu parecia suspeito?” –, uma delicada ponte para o movimento Vidas Negras Importam.

Matéria-prima do registro, o preconceito racial serve de base para grande parte das canções dissolvidas pela obra. Da abertura do disco, em Homem ao Mar, passando por músicas como Insônias e Melhor de Mim, não são poucos os momentos em que as rimas de Nego E. escancaram a opressão sofrida pela comunidade negra e outros grupos marginalizados. Um bom exemplo disso está em D M P a D Q P C, parceria com Rincon Sapiência que utiliza de uma cena do Big Brother Brasil – “Meu amor, tá aqui ó, sou preta, quer afrontar?” – como ponto de partida para a construção dos versos.

Em um constante diálogo com o presente, Oceano revela ao público uma série de faixas que detalham diferentes aspectos da nossa sociedade. Segunda canção do disco, Senhor Ninguém nasce como uma crítica atenta ao consumismo e suas novas formas de escravidão – “Marionetes com correntes ou cordas / Velhos engenhos, novos senhores”. Em, Valsalva, uma reflexão sobre os relacionamentos e identidades forjadas dentro das redes sociais – “Punho cerrado aqui não é só pelo close do Snapchat”.

Da mesma forma que o antecessor, Autorretato, o novo álbum de Nego E. prende a atenção do público pelos detalhes. Trabalhada como um instrumento, a sirene da polícia cresce nos momentos de maior angústia em Lua Negra. Nos instantes finais da declamada Âncora, um fragmento da música Sentimento, de Mahmundi – “O amor é um mar difícil / Tão fácil de se ver e admirar”. Durante toda a formação do disco, vozes negras, sempre em coro, aproximam o trabalho do R&B/Soul dos anos 1990. Pinceladas acústicas, pianos em Cais, batidas e samples que servem de alicerce para a construção do disco.

Acompanhado durante toda a produção do trabalho, Nego E. acaba fazendo de Oceano uma obra colaborativa. São nomes como a cantora Drik Barbosa, Hanifah, D-Cazz, Nando Viana, Sadiki e Jé Santiago. Na produção do disco, a constante interferência de GROU e The Munir, principais responsáveis pelas batidas e bases que sustentam o registro. Vozes, instrumentistas e produtores que ampliam o imenso domínio criativo navegado pelo rapper no decorrer da obra.

 

Oceano (2016, Independente)

Nota: 8.5
Para quem gosta de: Rashid, Rincon Sapiência e Amiri
Ouça: Lua Negra, D M P a D Q P C e Homem ao Mar

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.