Cozinhando Discografias: Mundo Livre S/A

/ Por: Cleber Facchi 16/06/2014

Por: Cleber Facchi

Mundo Livre S/A

A seção Cozinhando Discografias consiste basicamente em falar de todos os álbuns de um artista, ignorando a ordem cronológica dos lançamentos. E qual o critério usado então? A resposta é simples, mas o método não: a qualidade. Dentro desse parâmetro temos uma série de fatores determinantes envolvidos, que vão da recepção crítica do disco no mercado fonográfico, além, claro, dentro da própria trajetória do grupo e seus anteriores projetos. Vale ressaltar que além da equipe do Miojo Indie, outros blogs parceiros foram convidados para suas específicas opiniões sobre cada um dos trabalhos, tornando o resultado da lista muito mais democrático e pontual.

Inicialmente guiada pelos conceitos do Punk Rock, porém, mais tarde responsável por grande parte da expansão do movimento MangueBeat nos anos 1990, a pernambucana Mundo Livre S/A é parte substancial das transformações que orientaram a musica nacional nas últimas duas décadas. Ao lado de Chico Science e Nação Zumbi, o grupo aos comandos de Fred Zero Quatro fez da versátil discografia a morada de algumas das faixas e títulos mais relevantes da música brasileira – alternativa ou não. Dos experimentos de Carnaval Na Obra (1998), passando pelo caráter político de O Outro Mundo de Manuela Rosário (2004) ao toque “pop” de Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa (2011), cada um dos trabalhos da banda foi organizado do pior para o melhor registro de estúdio em mais um Cozinhando Discografias.

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Mundo Livre S/A

#06. Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa
(2011, Coqueiro Verde)

O bom humor impera na composição de Novas Lendas da Etnia Toshi Babaa. Primeiro registro de inéditas da banda depois de um intervalo de sete anos, o sucessor de O Outro Mundo de Manuela Rosário atua em um efeito de oposição aos versos temáticos lançados no álbum de 2004. Marcado pelo descompromisso, o disco abraça de forma evidente o teor satírico das canções, passeando por entre temas econômicos, sociais e políticos sem necessariamente perder a verve cômica, aperfeiçoada desde o ambiente proposto em Por Pouco (2000). Cruzando o orgânico e o tecnológico em um mesmo cenário criativo, Fred Zero Quatro revela faixas como O Velho James Browse Já Dizia, A Fumaça Do Pajé Miti Subitxxiii e Ela É Indie, canção que resgatam a essência da banda, porém, em uma estética leve, muito mais íntima do Pop do que da MPB. Naturalmente herdeiros da sonoridade lançada por Jorge Ben, o disco se acomoda em uma nuvem de sons que mesmo guiados pelo suingue, não ocultam o teor cômico-futurístico do grupo.

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Guentando

#05. Guentando a Ôia
(1995, Abril Music)

Apenas dois anos se passaram desde a estreia com Samba Esquema Noise (1994), mas os rumos da Mundo Livre S/A em Guentando a Ôia, segundo álbum de estúdio da banda, são completamente distintos em relação ao bem recebido debut. Nada pacato, o disco sustenta logo na inicial Free World uma agressividade inexistente no ambiente acolhedor entregue inicialmente por Fred Zero Quatro. Orientado pelas guitarras, o trabalho, mesmo cru, de forma algum inviabiliza o suingue, formalizando um curioso contraste em relação aos versos políticos da obra. Enquanto o ritmo força a dança, os versos expostos pelo vocalista alcançam um novo resultado. Há desde reflexões sobre a degradação do meio ambiente, em Destruindo a Camada de Ozônio, até faixas que atacam o controle da mídia, principalmente a TV Globo, como sustenta Militando na Contra-Informação. Sobra ainda espaço para a regravação de Computadores Fazem Arte, originalmente apresentada na estreia da Nação Zumbi, mas que encontra a formatação perfeita dentro das experiências instrumentais que guiam este álbum. Crueza e versos políticos sem perder o remelexo: sim, a Mundo Livre S/A havia passado com folga na prova do segundo disco.

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#04. O Outro Mundo de Manuela Rosário
(2004, Candeeiro)

De todos os trabalhos lançados pela Mundo Livre S/A, O Outro Mundo de Manuela Rosário, de 2004, talvez seja o mais isolado conceitualmente. Político do primeiro ao último verso, o álbum é um passo além em relação ao que Por Pouco trouxe de forma comercial dois anos antes, encontrando na personagem fictícia que garante título ao disco, a mexicana Manuela Rosário, um princípio de crescimento poético. Por toda a obra, guerras, problemas sociais e econômicos guiam a voz de Zero Quatro, que vai de George Bush a Chico Mendes em um mesmo universo de referências e críticas. Ainda que o ritmo dado ao disco seja o mesmo dos primeiros álbuns, o detalhamento passa a ser outro, muito mais sóbrio e menos dançante, algo explícito em E a vida se fez de louca. Parte desse livre experimento por parte da banda vem da natural aproximação com a cena independente. Depois de quatro discos distribuídos por uma grande gravadora, ao alcançar o quinto álbum o grupo reforçou parceria com o selo local Candeeiro, bem como a distribuição pela Trama. Não por acaso, a ausência de prováveis “hits” orienta a proposta do grupo, que encontra no próprio afastamento uma criativa transformação.

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#03. Carnaval na Obra
(1998, Abril Music)

Carnaval na Obra é um registro de pequenas adaptações para a Mundo Livre S/A. Lançado logo depois da saída de Otto – que havia ingressado em uma bem sucedida carreira solo -, o terceiro álbum em estúdio do grupo Pernambucano é uma extensão dos dois primeiros álbuns dentro de um novo alinhamento melódico e complexo. Com produção dividida entre Carlos Eduardo Miranda, Edu K, Mario Caldato e Eduardo BiD, o disco coleciona bem sucedidos arranjos orientados pelo samba, porém, temperados por doses consideráveis da eletrônica leve da banda. Dividido entre instantes de puro experimento (A Expressão Exata), além de faixas guiadas pelo apelo popular (Bolo de Ameixa), o álbum é uma ruptura em relação ao rock testado com Guentando a Ôia, da mesma forma em que expande de forma excêntrica conceitos lançados em Samba Esquema Noise, de 1994. Trata-se de uma obra lírica e musicalmente versátil, antecipando referências comerciais que seriam testadas de forma convincentes em Por Pouco (2000), mas que não excluem o hermetismo autoral de canções como Quarta Parede e O Ariano e O Africano, esta última, acompanhada de perto pela voz robótica de Jorge Du Peixe.

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Mundo Livre S/A

#02. Por Pouco
(2000, Abril Music)

Depois de assumir o completo experimento e a mudança de direção em Carnaval na Obra, terceiro álbum de estúdio da banda, com o lançamento de Por Pouco, no começo de 2000, a Mundo Livre S/A encontrou a oportunidade para se aproximar do grande público. Carregado por faixas acessíveis e versos simples, evidente em canções como O Mistério do Samba, Mexe Mexe e Melô das Musas, o quarto álbum da banda pernambuncana é uma versão simplificada dos conceitos lançados em 1994, com a chegada do debut Samba Esquema Noise. Do manuseio suingado dos arranjos ao conjunto de versos que preenchem sem dificuldades o ouvido do público, cada segundo da obra tende ao descompromisso, efeito explícito nas letras essencialmente caricatas que se acomodam pelo trabalho. Safado (Lourinha Americana), dançante (Treme-Treme) e político (Batedores) em uma divisão exata, Por Pouco é uma perfeita síntese de toda a atuação da banda, algo explícito na cooperativa Minha Galera, um encontro da banda com membros do Nação Zumbi, Comadre Fulozinha e Mestre Ambrósio.

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#01. Samba Esquema Noise
(1994, Banguela)

Ainda que Samba Esquema Noise seja apresentado como o primeiro álbum da Mundo Livre S/A, em 1994 o grupo pernambucano já esbanjava longa experiência em estúdio e uma década de performances transformadoras para a cena pernambucana. Lançado pelo selo Banguela Records – de Carlos Eduardo Miranda e Charles Gavin, produtores da obra – e distribuído pela Warner Music, o registro foi projetado em sequência ao sucesso do álbum de estreia do Raimundos, entregue poucos meses antes. Todavia, os alto custos de gravações – mais de 40 mil dólares – e centenas de horas em estúdio não foram sustentados pelas vendas do registro – extremamente baixas -, fazendo com que o selo tirasse o disco de catálogo pouco tempo depois. Se por um lado o trabalho acabou “ignorado” pelo grande público, em se tratando da imprensa e parte específica do público, Samba Esquema Noise se transformou em um marco para a cena musical dos anos 1990.

Além de ser um dos pilares do movimento MangueBeat – junto de Da Lama ao Caos (1994), estreia de Chico Science e Nação Zumbi -, o debut da banda de Fred Zero Quatro é uma verdadeira colagem de referências da música brasileira. Do Punk Rock que acompanhou a banda em começo de carreira (Homero, o Junkie), passando pela herança do Samba Rock de Jorge Ben (explícita no título do disco), cada instante da obra interpreta diferentes variações dos ritmos nacionais e estrangeiros sem perder a própria identidade. Como um imenso bloco de ideias comprimidas, o álbum ainda se abre para a chegada de nomes como Nasi (Ira!), integrantes do Titãs e Nação Zumbi, além da atriz Mallu Mader (em Musa da Ilha Grande). Um verdadeiro livro de regras para a Mundo Livre S/A e a base para uma sequência de outros projetos guiados pela mesma temática.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.