Em agosto deste ano, quando apresentou a primeira coletânea de sucessos sob a alcunha de Father John Misty, Greatish Hits: I Followed My Dreams and My Dreams Said to Crawl (2024), Josh Tillman surpreendeu o público ao revelar a inédita I Guess Time Just Makes Fools of Us All. Embora extensa, com pouco mais de oito minutos de duração, a composição parecia fascinar pelo dinamismo em relação aos últimos trabalhos do norte-americano, como uma fuga do som contemplativo de Chloë and the Next 20th Century (2022).

Satisfatório perceber esse mesmo direcionamento durante toda a execução de Mahashmashana (2024, Sub Pop). Sexto e mais recente trabalho de estúdio de Father John Misty, o registro, cujo nome significa “grande campo de cremação”, em sânscrito, traz de volta as velhas inquietações do músico norte-americano, porém, utilizando de outra perspectiva. São composições que partem de observações sobre o cenário ao redor, mas que estabelecem no lirismo transcendental um precioso componente de transformação para o disco.

Posicionada logo nos minutos iniciais do trabalho, a autointitulada canção de abertura funciona como uma boa representação desse resultado. Enquanto arranjos exuberantes ganham forma em uma medida própria de tempo, Tillman alterna entre o real e o metafísico para discutir questões como religião, consumo, vida e morte de forma tão provocativa quanto resplandecente. É como uma interpretação iluminada daquilo que o próprio compositor havia testado em registros como Pure Comedy (2017) e God’s Favorite Customer (2018).

Mesmo a base instrumental orquestrada pelo artista partilha do mesmo direcionamento mágico. Exemplo disso é o que acontece na extensa Screamland. São pouco mais de seis minutos em que arranjos de cordas, ambientações cósmicas e guitarras carregadas de efeito se projetam de forma a alavancar os versos que funcionam como um chamado. “Fique jovem / Fique entorpecido / Continue sonhando”, canta Tillman em um exercício tão emocionado quanto aquele explícito nas composições de I Love You, Honeybear (2015).

Embora parta de uma abordagem contemplativa durante toda a execução do material, a grande beleza de Mahashmashana está na capacidade de Tillman em criar pequenos respiros ao longo do trabalho. É o caso de She Cleans Up, música em que parte de uma observação sobre Maria Madalena para discutir questões como violência doméstica, abusos e a interpretação da sociedade sobre o papel das mulheres. São versos provocativos, porém espalhados em uma despojada base de guitarras que logo convida o ouvinte a dançar.

Vem justamente dessa capacidade de Tillman em equilibrar momentos de maior sobriedade com toques de bom humor a grande força criativa do trabalho. É como uma extensão natural de tudo aquilo que o músico tem explorado desde o lançamento de Fear Fun (2012), primeiro álbum de estúdio como Father John Misty, porém, utilizando de uma abordagem ainda mais complexa e musicalmente desafiadora. Composições que, mesmo acenando para os antigos registros do artista, parecem conduzir o ouvinte para um novo cenário.

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