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Crítica

Rosalía

: "Motomami"

Ano: 2022

Selo: Columbia

Gênero: Pop, R&B, Reggaeton

Para quem gosta de: FKA Twigs e Bad Bunny

Ouça: Hentai, Saoko e CUUUUuuuuuute

9.0
9.0

Rosalía: “Motomami”

Ano: 2022

Selo: Columbia

Gênero: Pop, R&B, Reggaeton

Para quem gosta de: FKA Twigs e Bad Bunny

Ouça: Hentai, Saoko e CUUUUuuuuuute

/ Por: Cleber Facchi 22/03/2022

Passado o lançamento de El Mal Querer (2018), Rosalía simplesmente não descansou. Aproveitando da atenção recebida pelo público e imprensa, a cantora e compositora espanhola mergulhou em uma sequência de colaborações com diferentes nomes da música pop. Da parceria com J Balvin, em Con Altura, passando pelo encontro com Travis Scott, Arca, Ozuna, James Blake, Bad Bunny, Tokischa e Billie Eilish, sobram momentos em que a artista parecia testar os próprios limites em estúdio. Isso sem mencionar a frente de outras composições assumidas de forma independente, caso de Fucking Money Man, A Palé, Aute Cuture, Juro Que e demais registros sempre marcados pelo evidente refinamento estético e entrega.

Sobrevive justamente nessa insana combinação de ideias, encontros e colaborações com diferentes artistas o estímulo para o terceiro trabalho de estúdio da cantora, Motomami (2022, Columbia). Nascido de um período de forte instabilidade emocional e bloqueio criativo que resultou na mudança para o apartamento de Frank Ocean, em Nova Iorque, onde finalizou parte das canções, o sucessor de El Mal Querer encanta pela capacidade de Rosalía em perverter a homogeneidade proposta no disco anterior. São composições marcadas pela fragmentação dos elementos e uso da aceleração como importante componente criativo.

E isso fica bastante evidente na introdutória Saoko. Em um intervalo de apenas dois minutos, Rosalía parte de uma base cíclica, referencia Wisin e Daddy Yankee, cai no jazz e estabelece no uso picotado das vozes uma permanente sensação de urgência que orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução do material. É como se a artista botasse em prática os versos de Con Altura (“Vivo rápido e não tenho cura“), direcionamento que se reflete em outros momentos ao longo da obra, como em Chicken Teriyaki, música que funciona como um passeio delirante pela cidade de Nova Iorque, e no ritmo frenético de Bizcochito.

Entretanto, Motomami não é uma obra de um único percurso. Como indicado logo nos minutos iniciais do trabalho, sobrevive no uso contrastante dos elementos o estímulo para parte expressiva do registro. A exemplo do que o próprio Frank Ocean desenvolveu em Blonde (2016), Rosalía e seus parceiros de produção, Michael Uzowuru, Noah Goldstein e El Guincho, se concentram na montagem de um repertório marcado pelo uso de costuras rítmicas, quebras e sobreposições que tornam a experiência de ouvir o material sempre imprevisível. Salve exceções, como a já conhecida La Fama, bem-sucedido encontro com The Weeknd, cada composição que abastece o disco começa e termina de um jeito completamente distinto.

Exemplo disso acontece em CUUUUuuuuuute. Inaugurada em meio a fragmentos de vozes e melodias submersas, a faixa mergulha em uma turbulenta combinação de ideias que vai de uma bateria de escola de samba ao experimentalismo eletrônico que evoca Arca, estrutura que se completa pelo uso potente dos vocais, lembrando os momentos de maior entrega expressos em El Mal Querer. Essa mesma vulnerabilidade acaba se refletindo em outras composições ao longo do registro. É o caso de Hentai, faixa que concentra o que há de mais sensível e provocativo na obra de Rosalía. “Tão, tão, tão bom / Eu quero comer você agora / Quero te fazer de hentai“, confessa em meio a pianos e batidas sempre inexatas.

Concebido a partir da imprevisível combinação de ideias que vai de um vídeo publicado no TikTok, na abertura de CUUUUuuuuuute, à mensagem enviada pela própria avó, no fechamento de G3 N15, Motomami funciona como um passeio pela mente inquieta de Rosalía. Diferente de El Mal Querer, onde tudo parecia perfeitamente alinhado, o grande acerto e real beleza do presente álbum sobrevive na imperfeição dos elementos. São fragmentos de vozes, batidas inexatas e atravessamentos que tingem com incerteza a experiência do ouvinte, proposta que tende ao excesso, principalmente na segunda metade do disco, mas que acaba alcançando um ponto de equilíbrio. Composições que preservam traços da identidade criativa da cantora, porém, partindo de uma abordagem totalmente reformulada, torta e ainda mais interessante.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.