Cozinhando Discografias: Whitney Houston

/ Por: Cleber Facchi 10/01/2023

Whitney Houston é uma mulher de realizações impressionantes. Em vida, a cantora de Newark, Nova Jersey, conquistou mais de 500 vitórias em diferentes premiações de enorme relevância, como Oscar, Grammy, Emmy e Billboard Music Awards. Em se tratando de arrecadação, são mais de 200 milhões de cópias de discos vendidos pelo mundo todo. A artista ainda detém feitos notáveis, afinal, foi a primeira mulher a alcançar o topo da Billboard Hot 100 e ainda hoje é responsável pela trilha sonora mais vendida de todos os tempos. Existe até uma página na Wikipedia responsável por catalogar todos os recordes e números de Houston. Entretanto, para além dessa imensa fonte de dados, prevalece no repertório construído em um intervalo de mais de três décadas de carreira uma obra marcada pela força dos sentimentos. São canções afundadas em tormentos sentimentais, momentos de maior melancolia e libertação, base para o delicado repertório agora organizado do pior para o melhor lançamento em mais uma edição do especial Cozinhando Discografias.


#09. One Wish: The Holiday Album
(2003, Arista)

One Wish: The Holiday Album (2003) é exatamente o que você poderia esperar de um disco natalino de Whitney Houston: vozes sempre impecáveis, arranjos cuidadosamente trabalhados em estúdio e canções orientadas à música gospel. Vem justamente dessa forte previsibilidade na escolha do repertório e produção do material o grande defeito da obra. Do momento em que tem início, em The First Noël, passando pela terrível releitura de The Little Drummer Boy, ao lado da filha Bobbi Kristina Brown, tudo soa como uma adaptação pasteurizada do tipo de som que Houston vinha produzindo na época. Nem o resgate de Joy to the World e Who Would Imagine a King, originalmente apresentadas como parte da trilha sonora do filme Um Anjo em Minha Vida (1996), parece contribuir para o desenvolvimento do trabalho. Sem dúvidas, um registro para deixar de fora na hora de montar a sua seleção para a ceia de Natal.


#08. The Preacher’s Wife
(1996, Arista / BMG Entertainment)

Whitney Houston sempre encarou suas obras com muita emoção, porém, poucas vezes antes isso pareceu tão genuíno e explícito quanto na trilha sonora do filme The Preacher’s Wife (1996) – no Brasil, Um Anjo em Minha Vida. Terceira empreitada da artista no cinema – as anteriores foram em O Guarda-Costas (1992) e Falando de Amor (1995) –, o registro nasce como a concretização de um sonho antigo da cantora: o de gravar um disco de música gospel. Entre canções como I Believe in You and Me, My Heart Is Calling e Step By Step, todas trabalhadas como singles, o álbum mais uma vez chama a atenção pela potência vocal e entrega de Houston durante toda a execução do material. Mesmo nas composições em que surge acompanhada por membros do coral Georgia Mass, a artista nunca deixa de chamar a atenção. Tamanha sensibilidade e envolvimento no processo de criação do trabalho naturalmente teve seu retorno. The Preacher’s Wife não apenas reforçou a versatilidade de Houston em estúdio, como conseguiu indicações em diferentes premiações e acabou se transformando no álbum de música gospel mais vendido de todos os tempos.


#07. Just Whitney
(2002, Arista)

Com a boa repercussão em torno de My Love Is Your Love (1998) e mais de dez milhões de cópias vendidas da coletânea Whitney: The Greatest Hits (2000), vinda logo em sequência, Whitney Houston não teve dificuldades em renovar o contrato com a antiga gravadora, a Artista, pelo exorbitante valor de 100 milhões de dólares. Incomodada pelas críticas que vinha recebendo na época e da forte exposição na mídia por conta de problemas com a depressão e abusos com drogas, a cantora fez de Whatchulookinat a primeira canção de trabalho do quinto álbum de estúdio da carreira, Just Whitney (2002). A faixa, produzida em parceria com o marido, Bobby Brown, acabou fracassando, porém, o material entregue ao longo da obra está longe de decepcionar. Enquanto músicas como One of Those Days, com samples de The Isley Brothers, segue a trilha do trabalho anterior, outras, como Try It on My Own e You Light Up My Life, resgatam a atmosfera romântica dos primeiros registros da artista. Um misto de passado e presente que talvez fosse incapaz de replicar o sucesso dos discos anteriores, porém, mais uma vez serviu para reforçar a potência da obra de Whitney.


#06. I Look to You
(2009, Arista)

Passado o turbulento período de divórcio de Bobby Brown, diferentes internações e recaídas por conta do vício em drogas, Whitney Houston entrava em estúdio para as gravações do último trabalho de estúdio da carreira, I Look to You (2009). Recebido com grande expectativa pelo público e fortemente estimulado pelo mentor Clive Davis, o registro concentra o que há de mais característico no som produzido pela cantora. São baladas românticas, diálogos com a música pop da época e encontros com nomes importantes do período, caso de Alicia Keys, co-autora de Million Dollar Bill, e Akon, com quem divide Like I Never Left. Entretanto, é quando surge solitária, como em I Didn’t Know My Own Strength, que Houston diz exatamente a que veio. Instantes em que a cantora se revela por completo, estreita relações e utiliza da própria voz para dialogar com o que há de mais doloroso nas experiências e conflitos emocionais compartilhados por qualquer ouvinte.


#05. I’m Your Baby Tonight
(1990, Arista)

Mesmo com boas composições, caso de We Didn’t Know, parceria com Stevie Wonder, e mais de 12 milhões de cópias vendidas, I’m Your Baby Tonight (1990) talvez seja a última coisa que passa pela cabeça de qualquer ouvinte quando falamos sobre a obra de Whitney Houston. E o motivo para isso é bastante simples: qualquer trabalho produzido antes e depois do terceiro álbum de estúdio da artista norte-americana é superior a ele. Mais do que isso, o registro que apresentou canções como All the Man That I Need, I Belong To You e a própria faixa-título foi lançado em um período de transição para a indústria. Enquanto novatas como Mariah Carey, que debutou no mesmo ano, trouxeram frescor ao gênero, contemporâneas, como Janet Jackson, continuavam a testar os próprios limites em estúdio, proposta que naturalmente fez de I’m Your Baby Tonight uma obra menos interessante, talvez desgastada pelo tempo, mas nunca um fracasso. Prova disso veio com a bem sucedida turnê de divulgação do trabalho, que contou com quase 100 shows lotados ao redor do mundo, e a icônica apresentação do hino nacional no Super Bowl de 1991, performance que seria lançada como single e venderia sozinha mais de um milhão de cópias. Whitney ainda tinha muito a oferecer.


#04. The Bodyguard
(1992, Arista)

Entre franquias bilionárias de super-heróis, adaptações literárias para jovens adultos e animações existenciais produzidas por grandes estúdios, um fator permanece inalterado: o sucesso em torno da trilha sonora de O Guarda-Costas (1992). Mais de três décadas depois de lançado, o registro é ainda hoje o responsável pelo maior número de vendas na categoria. São mais de 45 milhões de cópias. E isso não se deu por acaso. Estreia de Whitney Houston no cinema, o filme dirigido por Mick Jackson e coestrelado por Kevin Costner contou com a interferência direta da artista durante a produção do material. De fato, toda a primeira metade do disco foi dedicado à cantora. No repertório, composições originalmente consagradas por outras artistas, como I Will Always Love You, de Dolly Parton, e I’m Every Woman, revelada por Chaka Khan, mas que ganharam novo tratamento e foram “roubadas” por Houston. Surgem ainda acertos como I Have Nothing, faixa indicada ao Oscar na categoria de Melhor Canção Original, e toda a segunda metade do álbum, assumida por outros artistas, mas que funciona como um importante retrato da música produzida na época. Recebido de forma positiva pelo público, o trabalho ainda resultaria em uma das turnês de maior sucesso da cantora, The Bodyguard World Tour, responsável pela vinda de Houston pela primeira vez ao Brasil.


#03. My Love Is Your Love
(1998, Artista)

No final da década de 1990, ninguém esperava que Whitney Houston voltasse a surpreender com outro trabalho de estúdio. Sem um novo registro de inéditas desde I’m Your Baby Tonight (1990) e fortemente interessada pela relação com o cinema, vide o papel de fada-madrinha no musical Cinderella (1997), da Disney, a cantora parecia cada vez mais viver do próprio passado. Entretanto, cercada de novos colaboradores, como Lauryn Hill e Faith Evans, a artista voltou aos holofotes com o poderoso My Love Is Your Love (1998). Gravado em um intervalo de apenas seis semanas, o trabalho destaca a potência criativa e capacidade de adaptação da cantora, agora inclinada ao R&B e ao estilo de produção da época. Mesmo que canções como a já conhecida When You Believe, aguardada parceria com Mariah Carey na trilha sonora de O Príncipe do Egito (1998), pareçam hoje deslocadas, prevalece o caráter provocativo e minucioso processo de criação que resultou em uma série de boas composições. Da sequência formada por Heartbreak Hotel e My Love Is Your Love, passando por If I Told You That, sucesso na Europa, tudo parece feito para capturar a atenção do público. Nada que se compare à introdutória It’s Not Right but It’s Okay, música que transporta o ouvinte para dentro do disco e ainda seria redescoberta anos mais tarde por conta do excelente remix da dupla Barry Harris e Chris Cox. Para muitos, o renascimento da cantora. Para outros, o princípio do fim.


#02. Whitney
(1987, Arista)

O público queria mais e Whitney Houston não tardou a produzir um novo trabalho de estúdio. Novamente acompanhada por Narada Michael Walden, Kashif Saleem e Michael Masser, com quem havia colaborado no bem sucedido álbum de estreia, a cantora decidiu investir em uma sonoridade ainda mais voltada ao pop, dialogando com outros nomes de peso da época, como Michael Jackson e George Michael, porém, preservando a própria identidade criativa e potência dos vocais. O resultado desse processo está na entrega de Whitney (1987), registro que debutou no topo das paradas dos Estados Unidos e Reino Unido, vendeu mais de dez milhões de cópias logo nas primeiras semanas de lançamento e revelou alguns dos maiores sucessos da artista. Inaugurada pela poderosíssima I Wanna Dance with Somebody (Who Loves Me), uma das melhores e mais icônicas composições da década de 1980, o trabalho ainda conta com preciosidades como So Emotional, Didn’t We Almost Have It All, Love Will Save the Day e demais canções que caíram nas graças do grande público, mas que seriam fortemente abraçadas pela comunidade LGBTQIA+. Para quem achava que o primeiro disco era apenas sorte de principiante, Houston categoricamente provava o contrário.


#01. Whitney Houston
(1985, Arista)

Quando pensamos no tipo de som produzido por jovens garotas negras dos Estados Unidos – e outras tantas meninas brancas emulando a mesma estética –, tudo aponta para o primeiro álbum de Whitney Houston. De baladas românticas como You Give Good Love, Greatest Love of All e Saving All My Love for You, passando pela entrega de músicas deliciosamente dançantes, caso de Thinking About You e How Will I Know, sobram momentos em que a jovem de 21 anos esbanja talento dentro de estúdio. E não poderia ser diferente. Depois de ser descoberta pelo empresário e produtor musical Clive Davis em clubes noturnos da cidade de Nova Iorque, Houston sabia que aquela seria sua única oportunidade. Não por acaso, a artista levou quase dois anos até finalizar o material que contou com nomes como Kashif Saleem, Michael Masser, Narada Michael Walden e um entusiasmado Jermaine Jackson, com quem a cantora divide as boas Take Good Care of My Heart e Nobody Loves Me Like You Do. Mesmo Hold Me, já conhecida parceria com Teddy Pendergrass, ganhou novo significado no fechamento do disco. Com todos esses ingredientes em mãos, Houston não apenas foi oficialmente apresentada ao público, como vendeu mais de 25 milhões de cópias do trabalho e se tornou a primeira mulher a alcançar o topo da Billboard Hot 100. Uma obra de feitos impressionantes, mas que marcava apenas o início de uma das carreiras mais bem sucedidas da história da música.


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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.