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Crítica

Caetano Veloso

: "Meu Coco"

Ano: 2021

Selo: Uns Produções / Sony Music

Gênero: MPB, Rock, Samba

Para quem gosta de: Gal Costa e Gilberto Gil

Ouça: Anjos Tronchos e Não Vou Deixar

8.5
8.5

Caetano Veloso: “Meu Coco”

Ano: 2021

Selo: Uns Produções / Sony Music

Gênero: MPB, Rock, Samba

Para quem gosta de: Gal Costa e Gilberto Gil

Ouça: Anjos Tronchos e Não Vou Deixar

/ Por: Cleber Facchi 28/10/2021

O rastro imagético deixado na espelhada imagem de capa de Meu Coco (2021, Uns Produções / Sony Music), uma fotografia da cabeça de Caetano Veloso registrada por Fernando Young, também responsável pelo material de divulgação da obra, diz muito sobre a trilha seguida pelo cantor e compositor baiano no primeiro trabalho de inéditas em nove anos. Afinal, o que se passa na cabeça de Caetano? Partindo de um fluxo constante de pensamentos, memórias, sentimentos e indagações, o músico nascido em Santo Amaro, na Bahia, costura passado e presente em uma trama poética/historiográfica que diz muito sobre si mesmo, mas que a todo momento aporta em debates sociopolíticos que ultrapassam os limites do próprio cercado.

Não por acaso, Caetano fez de Anjos Tronchos a primeira composição do disco a ser revelada ao público. Entre citações a Carlos Drummond de Andrade, Billie Eilish, Trumps e Bolsonaros, o artista baiano mergulha no ambiente tóxico das redes sociais, algoritmos e manipulações políticas de forma sempre provocativa, crítica. “Agora a minha história é um denso algoritmo / Que vende venda a vendedores reais / Neurônios meus ganharam novo outro ritmo / E mais, e mais, e mais, e mais, e mais“, detalha em meio a versos suculentos, densos e referenciais, proposta que evoca o lirismo verborrágico explícito em obras como Circuladô (1991), Livro (1997) e outros registros produzidos pelo compositor na década de 1990.

Claro que isso não interfere na produção de faixas deliciosamente acessíveis, ainda que marcadas pelo mesmo caráter contestador. E isso fica bastante evidente no material entregue em Não Vou Deixar. Enquanto batidas eletrônicas e sintetizadores proporcionam um caráter futurístico aos temas tropicais impressos na composição, versos regidos pelo furioso senso de enfrentamento tensionam de maneira contrastante a experiência do ouvinte. “Não vou deixar, não vou, não vou deixar você / Esculachar com a nossa história / É muito amor, é muita luta, é muito gozo / É muita dor e muita glória“, dispara. A própria música de abertura, norte poético do registro, utiliza de conceitos bastante similares, mesmo partindo de uma abordagem completamente distinta. “Nação grande demais para que alguém engula“, avisa.

Entretanto, para além do forte aspecto provocativo, Meu Coco, assim como o material entregue no disco anterior, Abraçaço (2012), transita por entre momentos de maior leveza. Exemplo disso acontece na ritualística GilGal. De essência reducionista, como se saída do repertório apresentado em Ofertório (2018), a faixa que se completa pela percussão de Moreno Veloso e vozes atmosféricas de Dora Morelenbaum nasce como uma celebração à música brasileira. “Vem de Pixinguinha a Jorge Ben / Pousa em Djavans“, canta. O mesmo direcionamento, porém, de forma menos polida e festiva, acaba se refletindo minutos à frente, em Sem Samba Não Dá, canção que referencia nomes como Djonga, Duda Beat e Marília Mendonça.

Dentro desse espaço aberto às possibilidades e intenso cruzamento de informações que vai das orquestrações de Jaques Morelenbaum, em Ciclâmen do Líbano, à atmosfera interiorana de Enzo Gabriel, música que se completa pelo acordeom de Mestrinho, Caetano aproveita para resgatar uma série de composições originalmente gravadas por outros artistas. É o caso da derradeira Noite de Cristal, canção apresentada por Maria Bethânia no álbum Maria (1988), mas que cresce substancialmente nas mãos do artista. Nada que se compare ao material entregue em Pardo. Composta especialmente para Céu e lançada em APKÁ! (2019), a faixa cresce em uma medida própria de tempo, cercando e hipnotizando o ouvinte.

Vem justamente dessa contrastante sobreposição de elementos, diálogos com diferentes colaboradores e ritmos o principal componente criativo de Meu Coco. É como um mergulho na cabeça de Caetano, produtor do disco junto de Lucas Nunes, integrante da banda Dônica. São ideias e atravessamentos que mudam de direção a todo instante, tingindo com incerteza a experiência do ouvinte. Claro que isso não exime o compositor de alguns tropeços óbvios, como no fado Você-Você, parceria com Carminho em que volta a emular o sotaque português de forma totalmente desnecessária e cafona. Mesmo a base instrumental do álbum pouco avança em relação aos antigos trabalhos do cantor. Oscilações evidentes, mas que em nenhum momento diminuem a grandeza e entrega do artista durante toda a execução da obra.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.