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Crítica

Don L

: "Roteiro Para Aïnouz, Vol. 2"

Ano: 2021

Selo: Caro Vapor Vidas

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Nego Gallo e Rodrigo Ogi

Ouça: Vila Rica e Volta da Vitória

9.3
9.3

Don L: “Roteiro Para Aïnouz, Vol. 2”

Ano: 2021

Selo: Caro Vapor Vidas

Gênero: Hip-Hop, Rap, R&B

Para quem gosta de: Nego Gallo e Rodrigo Ogi

Ouça: Vila Rica e Volta da Vitória

/ Por: Cleber Facchi 01/12/2021

Ficção e realidade se confundem no Brasil imaginário de Roteiro Para Aïnouz, Vol. 2 (2021, Caro Vapor Vidas). Segundo e mais recente capítulo da trilogia reversa proposta por Don L no registro entregue há quatro anos, o trabalho de essência autobiográfica parte de experiências pessoais vividas pelo rapper original de Fortaleza, no Ceará, porém, se permite ir além do próprio cercado. São canções incendiárias e decoloniais que funcionam como um contraponto esperançoso ao atual cenário político do país. Rimas, batidas e fragmentos de vozes que desafiam o conservadorismo, a ignorância e a falsa moralidade cristã.

“​Saquear engenhos no caminho ​/ Matar os soldados do rei gringo ​/ E nunca poupar um sertanista / É disso que eu chamo cobrar o quinto“, dispara na introdutória Vila Rica, música que costura passado e presente do país e aponta a trilha revolucionária percorrida pelo artista na primeira porção do trabalho. Pouco mais de quatro minutos em que batidas apoteóticas ganham forma em meio a camadas de sintetizadores, ruídos e vozes em coro, estrutura que se completa pela participação do conterrâneo Mateus Fazeno Rock, mas que dialoga de forma bastante particular com o universo criativo da também grandiosa Ultralight Beam, bem-sucedida colaboração entre Kanye West e Chance The Rapper no álbum The Life of Pablo (2016).

É justamente dentro desse ambiente colaborativo, sempre aberto ao criativo diálogo com diferente nomes da música brasileira, que o trabalho ganha forma e cresce. De trechos do discurso proferido pelo Pastor Júnior Trovão, passando pela produção minuciosa de NAVE Beatz (Emicida, Karol Conká), cada composição espalhada ao longo do disco encanta pelo permanente atravessamento de informações, vozes e inserções pontuais que expandem o campo de atuação do rapper cearense. Instantes em que Don L segue de onde parou no registro anterior, porém, de forma ainda mais acessível e musicalmente grandiosa.

E isso fica bastante evidente na sequência composta por Primavera e Pela Boca. Enquanto os versos se dividem com naturalidade entre o lirismo esperançoso (​”A nossa terra fértil foi vencendo o concreto / ​O nosso reflorestamento erguendo-se em fé“) e o enfrentamento imaginativo que serve de sustento ao disco (“Seus soldados mortos pelos nossos ​/ Quero ver cê falar com o gogó na forca agora“), arranjos detalhistas e batidas cuidadosamente encaixadas garantem maior profundidade ao material. Um precioso e sempre intenso cruzamento de informações que se completa pelas vozes de Giovani Cidreira, Rael e Fabríccio.

Nada que diminua o impacto de canções regidas em essência pela rima de Don L. É o caso de Volta da Vitória. Costurada por citações à faixa Us Mano e As Mina, do rapper Xis, a composição potencializa a poesia narrativa que corre ao fundo do trabalho. “​Nós movemos continentes como placas tectônicas / ​Desfilando em conversíveis na Paulista / ​Com as armas para o ar / ​Eu sabia que viria o dia“, detalha. Esse mesmo esmero no processo de construção dos versos acaba se refletindo na música seguinte, Favela Venceu, registro que se completa pela breve participação do mineiro Djonga e trechos de Rap das Armas.

Tamanho cruzamento de ideias faz de Roteiro Para Aïnouz, Vol. 2 um registro que encanta em uma audição superficial, mas que parece maior e mais interessante quando observado em detalhes. Mesmo consumido por pequenos excessos, principalmente na segunda metade do disco, quando músicas como Bingo repetem temas e conceitos incorporados nos minutos iniciais da obra, evidente é o esmero e atento processo de composição durante toda a execução do trabalho. São canções montadas a partir da sedimentação de informações, referências e diálogos com diferentes colaboradores, vide o encontro com Tasha & Tracie, em Auri Sacra Fame. Um minucioso exercício criativo que não apenas amplia o que foi apresentado no álbum anterior, como aumenta a expectativa para o material que ainda está por vir.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.