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Crítica

Laura Mvula

: "Pink Noise"

Ano: 2021

Selo: Atlantic

Gênero: Pop, R&B, Soul

Para quem gosta de: Janelle Monáe e Emily King

Ouça: Church Girl e Safe Passage

8.0
8.0

Laura Mvula: “Pink Noise”

Ano: 2021

Selo: Atlantic

Gênero: Pop, R&B, Soul

Para quem gosta de: Janelle Monáe e Emily King

Ouça: Church Girl e Safe Passage

/ Por: Cleber Facchi 14/07/2021

Quantos trabalhos recentes você ouviu que foram diretamente influenciados pelo pop dos anos 1980? Somente no último ano, nomes como The Weeknd, Jessie Ware e Dua Lipa fizeram desse curioso olhar para o passado a base para uma seleção de músicas adornadas pelo uso de sintetizadores e melodias nostálgicas. Canções que, mesmo sem grandes pontos de transformação, reforçaram o impacto e relevância artística do período, há mais de duas décadas sendo revisitado por diferentes nomes da indústria. E é partindo justamente desse resgate conceitual e estético que a cantora e compositora britânica Laura Mvula rompe com o hiato vivido desde The Dreaming Room (2016) para dar vida ao terceiro e mais recente álbum de estúdio da carreira, Pink Noise (2021, Atlantic.)

Inspirado de forma confessa pela música produzida há quatro décadas, o registro de essência nostálgica passeia em meio a incontáveis camadas de sintetizadores, batidas que parecem saídas de algum disco de Phill Collins e estruturas deliciosamente dançantes que ora apontam para a obra de Michael Jackson, ora fazem lembrar da boa fase de Diana Ross. “Esse é o disco que eu sempre quis fazer. Cada canto é aquecido com tons de pôr-do-sol dos anos 80. Eu nasci em 1986. Saí do útero usando ombreiras. Eu absorvi o dinamismo da estética dos anos 80 desde meus primeiros momentos neste planeta. A luta pela identidade parece ser um dos ritos de passagem do artista consagrado“, comentou Mvula no texto de apresentação do trabalho, detalhando o fascínio pelo período.

E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos do trabalho, em Safe Passage. Enquanto os versos refletem a completa vulnerabilidade da artista inglesa – “Eu vou te dar toda a minha alma / Para seu prazer / Eu vou te dar tudo que eu possuo / Para uma boa medida” –, batidas ecoadas, sintetizadores e estruturas funkeadas se revelam ao público em pequenas doses, sem pressa. É como se Mvula revelasse ao público parte dos conceitos e temas instrumentais que serão explorados até a música de encerramento do disco, Before the Dawn. Instantes em que a cantora joga com a fragmentação dos elementos, encaixando componentes rítmicos e melódicos em meio a versos marcados pela força dos sentimentos, como um regresso ao introdutório Sing to the Moon (2013).

A principal diferença em relação a outros trabalhos do gênero, também influenciados pelo mesmo período, está na forma como Mvula potencializa o uso da própria voz. Mais do que um elemento de conexão com o ouvinte, os vocais se desdobram de forma a revelar incontáveis texturas e camadas pouco usuais, como um instrumento meticulosamente dominado pela artista. O resultado desse processo está na montagem de faixas que tanto refletem o lado mais acessível do disco, caso de Got Me, como aproximam o ouvinte de um repertório pouco usual, torto. Exemplo disso acontece em Remedy, canção que se completa pela vozes do conterrâneo Oli Rockberger, proposta que invariavelmente faz lembrar de Prince e outros nomes dotadas de uma linguagem bastante similar.

Mesmo as referências escolhidas por Mvula ao longo do disco parecem aportar em territórios pouco usuais. E isso fica bastante evidente na sonoridade minuciosa de Magical. Quinta faixa do álbum, a canção aponta para o pop dos anos 1980, porém, encontra na produção japonesa do período a principal fonte de inspiração. Do uso destacado dos metais ao tratamento dado aos sintetizadores, evidente é o esforço da cantora em resgatar a essência de veteranos como Tatsuro Yamashita, Eiichi Ohtaki e demais compositores responsáveis por consolidar a estética do city pop. E esse esmero se reflete durante toda a execução do disco, como em What Matters, bem-sucedido encontro com Simon Neil e um verdadeiro catálogo de pequenos detalhes e coloridas sobreposições estéticas.

Parte desse resultado vem justamente da escolha de Mvula em assumir a gravação dos instrumentos incorporados ao longo da obra e assinar a produção do disco junto de Dann Hume (Tkay Maidza, The Chainsmokers). Dessa forma, o que tinha tudo para ser apenas mais um trabalho inspirado pelo pop empoeirado dos anos 1980 acaba se transformando em um exercício autoral. É como se a artista não apenas fosse capaz de confessar alguma de suas principais referências criativas, como utiliza dessa relação de forma a consolidar um registro de essência particular. Canções que invariavelmente evocam sensações, temas e conceitos há muito consolidados por diferentes compositores, mas que em nenhum momento ocultam a imagem forte e completo domínio da artista inglesa.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.