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Crítica

Marina Sena

: "De Primeira"

Ano: 2021

Selo: Alá / Quadrilha

Gênero: Pop

Para quem gosta de: Duda Beat e Jean Tasty

Ouça: Voltei Pra Mim e Temporal

8.2
8.2

Marina Sena: “De Primeira”

Ano: 2021

Selo: Alá / Quadrilha

Gênero: Pop

Para quem gosta de: Duda Beat e Jean Tasty

Ouça: Voltei Pra Mim e Temporal

/ Por: Cleber Facchi 26/08/2021

De Primeira (2021, Alá / Quadrilha) é um desses discos que você ouve da música de abertura à canção de encerramento com um sorriso no rosto. Estreia em carreira solo da cantora e compositora mineira Marina Sena, o registro produzido em parceria com Iuri Rio Branco (Flora Matos, Davi Sabbag), nasce como o produto final de um intenso processo de amadurecimento artístico, busca por novas possibilidades e construção da própria identidade. São composições que preservam a essência colorida e pluralidade de ritmos incorporada durante a atuação como integrante do Rosa Neon, mas que a todo momento estabelecem pequenos diálogos conceituais com outras obras em que esteve envolvida, como a psicodélica A Outra Banda da Lua, encontros com a dupla Hot & Oreia, ou mesmo no ainda recente Amanhã (2021), de Jean Tassy, concebido em parceria com o mesmo produtor.

Entregue ao público em pequenas doses, De Primeira vai muito além do que as já conhecidas Me Toca e Voltei Pra Mim, dois momentos de enorme acerto do trabalho, pareciam indicar. Trata-se de uma síntese deliciosa de tudo aquilo que define o pop brasileiro ao longo da última década. São ecos de pagode baiano, batidas extraídas do funk, fragmentos de samba e uma dose extra de romantismo que vai do R&B ao brega. Um bem-resolvido catálogo de ideias que poderia facilmente se perder nas mãos de uma artista iniciante, mas que parece trabalhado de forma inteligente na produção de Rio Branco e voz potente da cantora que ocupa com naturalidade todas as brechas do registro.

Perfeita representação desse resultado acontece na sequência composta por Voltei Pra Mim, Temporal e Tamborim, no miolo do disco. São pouco menos de dez minutos em que Sena celebra a própria libertação (“Amor, eu te deixei / Pra ir atrás do que eu sonhei“), confessa sentimentos (“Me entrego / Ou deixo a ferida / Aberta / Eu não posso deixar mais“) e desejos (“Tô querendo / Você sabe / Não me trata assim“) em uma radiante sobreposição de ritmos que vai do pop ao dub. É como se a cantora resgatasse tudo aquilo que foi apresentado no primeiro álbum do Rosa Neon, de onde vieram faixas como Ombrim e Brilho de Leão, porém, de forma ainda mais intensa e conceitualmente diversa.

E isso fica bastante evidente durante toda a execução do material. Perceba como cada composição oculta e revela uma variedade de elementos, curvas e quebras rítmicas que tornam a experiência de ouvir o trabalho sempre imprevisível. Exemplo disso acontece em Pelejei, logo na abertura do disco. Do encaixe das batidas ao uso fragmentado dos arranjos, passando pelo tratamento dado aos vocais, sempre flexíveis e versáteis, tudo parece pensado para jogar com a interpretação do ouvinte. Mesmo a montagem das letras parece destoar de outros exemplares recentes da pop nacional, substituindo a habitual combinação de verso, pré-refrão e refrão por um misto de canto e rima que utiliza de diferentes abordagens, pontes e métricas pouco usuais, direcionamento explícito em Por Supuesto.

Interessante notar que mesmo quando desacelera, Sena mantém firme a mesma pluralidade de ideias e conceitos que abastecem o disco. É o caso de Santo, composição em que incorpora elementos da MPB tradicional, evoca nomes como Maria Rita e Marisa Monte, porém, sustenta no encaixe das batidas um precioso componente de transformação. A própria Amiúde, apresentada minutos antes, parece seguir uma trilha parcialmente distinta em relação ao restante do trabalho, proposta que vai do reducionismo dos arranjos aos sentimentos expressos durante a construção dos versos. “Eu vou te levar pra casa / Vou te apresentar as coisas / Tempo bom é o que nos resta / Amiúde“, canta.

Mesmo marcado pela criativa colagem de ritmos, De Primeira peca pelo forte aspecto monotemático que orienta a composição das letras. Do momento em que tem início, em Me Toca, passando por Voltei Pra Mim, Temporal e Amiúde, tudo gira em torno da descoberta de um novo amor, entrega e inevitável ruptura, o que proporciona uma sensação de desgaste próximo ao encerramento da obra. Entretanto, a beleza do disco está justamente na habilidade da cantora e do parceiro de produção em como disfarçar esses pequenos desajustes. Canções que falam sobre sentimentos universais e temas há muito explorados por diferentes artistas, mas que ganham novo tratamento na colorida sobreposição de ideias, estéticas e referências sutilmente incorporadas ao longo do trabalho.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.