Disco: “Roupa Linda, Figura Fantasmagórica”, Séculos Apaixonados

/ Por: Cleber Facchi 26/11/2014

Séculos Apaixonados
Indie/Lo-Fi/Experimental
https://soundcloud.com/seculos-apaixonados

Por: Cleber Facchi

Banda Séculos Apaixonados, a banda mais romântica do Rio“. Os versos que cortam o interior da faixa Um Totem do Amor Impossível são a base para o trabalho da carioca Séculos Apaixonados. Narrados por uma voz empostada, como um fragmento extraído de alguma rádio romântica da década de 1980, a cômica apresentação funciona como passagem para o refúgio caricato explorado pelo quinteto ao longo de todo o primeiro álbum de estúdio, o empoeirado Roupa Linda, Figura Fantasmagórica (2014, Balaclava).

Solos de saxofone facilmente encontrados nos primeiros discos do Kid Abelha, vocais indecifráveis e um estranho clima sensual que curiosamente prende o ouvinte. Ainda que seja impossível mergulhar e absorver cada fragmento lírico exaltado por Gabriel Guerra (ex-Dorgas; voz e guitarra), toda a estrutura montada pelos parceiros Lucas de Paiva (Pessoas que eu conheço; teclado e saxofone), Felipe Vellozo (ex-Mahmundi; baixo), Arthur Braganti (Letuce; Teclado e Voz) e João Pessanha (Baleia; bateria) encanta sem dificuldades. Como o estranho hábito de reviver o sofrimento de qualquer cantor romântico em busca da própria libertação sentimental, a estreia do coletivo é uma obra tomada por confissões tão particulares, quanto próprias do ouvinte.

Rima brega em Punhos Da Perseverança (“Abra os braços / feche os portões / esculacho aceito / mas conversa não“), Peixe Peixão e sua tragicômica carta de amor(“…eu ainda sou o suplente de seu afeto“), o desespero instalado em Só no Masoquismo (“Eu sou um trem atrás de você”). Quando disse buscar inspiração em Waldick Soriano e outros nomes do romantismo brega, Gabriel Guerra não poderia ter sido mais honesto. Todavia, longe adaptar estes mesmos conceitos do “gênero”, como Pélico em Que Isso Fique Entre Nós (2011) e outros românticos recentes, todos os esforços da banda estão em sugar e copiar referências, transportando com acerto o ouvinte para alguma transmissão de rádio perdida há três décadas.

Mesmo que a semelhança com o último trabalho do Dorgas também seja inevitável, considerar as oito canções do álbum como um (novo) experimento isolado de Gabriel Guerra seria um erro. Pela forma como Ralenti as batidas do coração entrega os sintetizadores e todo o acervo da temas nostálgicos espalhados pela obra, muito do que direciona o movimento disco parece fruto dos ensaios de Lucas de Paiva com o Mahmundi. De fato, grande parte do registro sobrevive das mesmas ambientações empoeiradas da década de 1980 antes testadas em Efeito das Cores, de 2012. Contudo, enquanto ao lado de Marcela Vale o músico buscava refúgio no pop caricato da época, em RLFF é o clima soturno que invade teclados e até mesmo o saxofone melancólico incorporados a cada nova faixa.  

Nascido de retalhos – recentes ou talvez esquecidos -, Roupa Linda… parece crescer em cima de pequenas adaptações do universo autoral de seus integrantes. Do Dream Pop eletrônico do Opala – trabalho de Lucas de Paiva com a cantora Maria Luiza Jobim -, passando pela bateria abafada de Quebra Azul (2013), da conterrânea Baleia – também casa do baterista João Pessanha -, todos os limites da obra são tomados pela familiaridade. Até a eletrônica do coletivo 40% Foda/Maneiríssimo parece desconstruída ao fundo de canções como Resistir é Inútil, completa pelo som honesto do romantismo brasileiro ou mesmo pela obra de Ariel Pink, John Maus e outros notáveis da “música brega” estrangeira.

Talvez pessimista, a julgar pela frequente adaptação e natural diálogo de cada integrantes com outros projetos da cena carioca, não seria uma surpresa se a Séculos Apaixonados anunciasse o encerramento das próprias atividades em um futuro próximo. Não importa. Conto fechado, Roupa Linda, Figura Fantasmagórica amarra todos os temas, conceitos e fragmentos românticos dentro de um mesmo ambiente. Dos sintetizadores dramáticos que abrem Cinturiões ao suspiro final de Campeonato De Recordações, cada peça da obra acrescenta um trecho fundamental ao curto acervo do grupo, tão íntimo de um livreto romântico vendido à beira da estrada como de uma novela dos anos 1980 reprisada nas tardes do Vale a Pena Ver de Novo.

 

Roupa Linda, Figura Fantasmagórica (2014, Balaclava)

Nota: 8.8
Para quem gosta de: Dorgas, Mahmundi e Ariel Pink
Ouça: Punhos da Perseverança, Um Totem do Amor Impossível e Peixe Paixão

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.