Os 50 Melhores Discos Nacionais de 2015 [10-01]

/ Por: Cleber Facchi 11/12/2015

[10-01]

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#10. Jaloo
#1 (2015, StereoMono)

Como escapar de um álbum cuja faixa de abertura já nasce como um convite? Impossível. “Ah! Vem pra cá / Balançar / Se acabar / Sente o som / Tudo é bom”, entrega o cantor e produtor paraense Jaloo na inaugural Vem. Escolhida para apresentar o primeiro registro de inéditas do artista original da cidade de Castanhal, região metropolitana de Belém, a faixa adornada por sintetizadores e vozes crescentes, mais do que um eficiente cartão de visita, indica a direção festiva, lisérgica e sempre colorida que orienta cada uma das 12 composições do debut #1 (2015, MonoStereo). Björk, tumblr, anime, GIFs e tecnobrega. Nascido da reciclagem de temas e referências que cercam o cotidiano do artista, a obra que conta com direção artística de Carlos Eduardo Miranda (Raimundos, Nevilton) cresce como um assertivo jogo de exageros. Da imagem plastificada que estampa a capa do disco – similar ao trabalho de Jesse Kanda ao lado de artistas como FKA Twigs e Arca -, passando pelo encaixe cíclico dos versos, sempre pegajosos, Jaloo finaliza um disco que resume as últimas três décadas da música pop sem necessariamente perder a própria identidade. []

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#09. Siba
De Baile Solto (2015, YB)

De Baile Solto, como o título revela, é uma obra livre, versátil e festiva. Instantes de euforia (Quem e Ninguém), leveza (Mel Tamarindo) e provocação (Gavião) que conduzem o movimento sempre instável, incerto, de Siba. Um artista ainda íntimo da sonoridade explorada desde o meio dos anos 1990 com os parceiros da Mestre Ambrósio, porém, cada vez mais interessado na busca por novos caminhos. Amplo e ao mesmo restrito, o álbum vai do experimento ao uso de arranjos dançantes e descomplicados em poucos minutos. Como explícito no próprio texto de apresentação do trabalho, parte da inspiração para o presente álbum está na utilização de elementos extraídos diretamente da música congolesa – marca ressaltada em cada acorde metálico impulsionado pelas guitarras. Difícil não lembrar de coletivos como Konono No. 1 durante a execução de músicas como Três Carmelitas ou Quem e Ninguém. Ainda assim, parte fundamental da estrutura que sustenta o novo álbum de Siba está ancorada na música regional de Pernambuco, elemento que funciona como ponte de equilíbrio para a extensa tapeçaria musical do disco, como para os versos, rimas e pequenos encaixes líricos que dançam por todo o trabalho. []

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#08. Emicida
Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa… (2015)

Nunca antes Emicida pareceu tão esperançoso e ainda sóbrio quanto nas canções de Sobre Crianças, Quadris, Pesadelos e Lições de Casa… (2015). Segundo trabalho em estúdio do paulistano, o registro de melodias descomplicadas e rimas “fáceis” é, como indicado pelo próprio rapper, um verdadeiro “Cavalo de Tróia”. Uma obra de sonoridade acessível, convidativa aos mais variados públicos, porém, ainda forte, agressiva, dona do mesmo discurso conciso que define a obra do artista desde a estreia com a mixtape Pra Quem Já Mordeu Um Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe… (2009). De forte apelo emocional, vide a abertura com a melancólica Mãe – “Uma vida de mal me quer, não vi fé / Profundo ver o peso do mundo nas costa de uma mulher” -, o presente disco, assim como o antecessor O Glorioso Retorno de Quem Nunca Esteve Aqui (2013), nasce como um trabalho em que Emicida ultrapassa os limites da periferia de São Paulo para dialogar com os mais variados grupos de marginalizados. Mulheres, homossexuais, trabalhadores, dependentes químicos e, principalmente, os negros. []

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#07. Supercordas
Terceira Terra (2015, Balaclava Records)

Lentamente o cenário colorido e bucólico apresentado pelo Supercordas em Seres Verdes Ao Redor começa a desmoronar. No lugar de “samambaias, animais rastejantes e anfíbios marcianos”, como aponta o subtítulo do disco entregue em 2006, um cenário dominado por prédios, grandes corporações e máquinas tomam conta do futuro – ou presente seria o presente? – distópico reforçado pela banda carioca no terceiro álbum de inéditas: Terceira Terra (2015, Balaclava Records). Conciso e dinâmico em relação ao som experimental testado no antecessor A Mágica Deriva Dos Elefantes, de 2012, Terceira Terra é o álbum em que o discurso político de Pedro Bonifrate, vocalista e principal compositor do grupo, ganha destaque. Logo na abertura do disco, Fundação Roberto Marinho Blues & Co., uma análise crítica das últimas cinco décadas da Rede Globo de televisão, manipulação de conteúdo e estreito diálogo da emissora com os militares durante o período da ditadura – “E a nossa prensa faz da pólis, família / Da vida, televisão / Da história, alquimia / Do golpe, revolução“. []

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#06. Karina Buhr
Selvática (2015, YB)

Agressiva. Não é necessário ir além da imagem que estampa a capa de Selvática (2015, YB Music) para perceber a força do terceiro álbum de inéditas de Karina Buhr. Com o peito desnudo e um punhal em mãos, a cantora e compositora baiana surge como uma espécie de guerreira, pronta para o combate. Um indicativo eficiente da coletânea de sons raivosos, intimistas, políticos e temas feministas que se estendem do primeiro ao último ato do registro, uma colisão de fórmulas que passeia pelos dois últimos trabalhos da cantora e ainda espanta pela inovação. Extensão raivosa do mesmo acervo de versos e ruídos detalhado no registro anterior, Longe de Onde (2011), em Selvática, Buhr e o time de instrumentistas formado por Edgard Scandurra (Ira!), Fernando Catatau (Cidadão Instigado), Guilherme Mendonça (Guizado) e Manoel Cordeiro se concentra apenas em bagunçar a interpretação do ouvinte, arremessando em diferentes direções a cada nova faixa do disco. Instantes de serenidade rompidos pelo caos. Vozes e gritos contrastados. Carícias e socos que explodem no movimento brusco das guitarras e versos. []

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#05. Boogarins
Manual (2015, StereoMono)

Leve. Dois anos após o jogo de cores e exageros lisérgicos que marcam o inaugural As Plantas que Curam (2013), estreia do grupo goiano Boogarins, Dinho Almeida, Benke Ferraz e os parceiros Raphael Vaz e Ynaiã Benthroldo mergulham de cabeça no plano onírico para encorpar as canções do recém-lançado Manual. Uma coleção de vozes delicadas e arranjos tingidos pela nostalgia da música psicodélica, mas que encontram no descompromisso sorridente da banda um poderoso traço de identidade. Em um nítido distanciamento da herança deixada por veteranos (Os Mutantes) e novatos (Tame Impala) do rock psicodélico, cada faixa do presente disco reforça a capacidade do grupo brasileiro em brincar com a própria essência musical. Instantes, quebras e colagens descomplicadas em que o grupo passeia pelo minimalismo da bossa nova (Cuerdo), autoriza a explosão das guitarras (Avalanche) ou simplesmente colide fórmulas (Mario de Andrade / Selvagem) sempre em busca de um som não linear. Como anunciado no subtítulo da obra – “Guia Livre de Dissolução dos Sonhos” -, Manual está longe de ser um registro orientado pela certeza. Entre vozes e arranjos enevoados, por vezes preguiçosos como as derradeiras San Lorenzo e Auchma indicam, faixa após faixa, o grupo se concentra na produção de um trabalho de composição leve, íntimo das experiências e alucinações hipnagógicas. Em um constante estado de letargia, todos os elementos parecem agrupados com extrema delicadeza, atraindo o ouvinte para dentro de um labirinto de bases e texturas que parecem flutuar. []

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#04. Ava Rocha
Ava Patrya Yndia Yracema (2015, Independente)

“Iniciante” é uma palavra que não se aplica ao trabalho de Ava Rocha. Filha do cineasta Glauber Rocha (1939 – 1981), a artista que já se relacionou com diferentes campos da artes, como o teatro, cinema e, em 2011, apresentou o primeiro álbum com a banda Ava, Diurno, encontra no primeiro trabalho em carreira solo um espaço em branco, entregue ao experimento e criação. Uma obra tecida com simplicidade e referências talvez óbvias – como Gal Costa e Cássia Eller -, entretanto, lentamente joga com a interpretação do ouvinte, provocado pelos momentos de caos e acolhido nos instantes de explícita melancolia. “Queria um disco pop, inventivo, quente, político, sensual, um disco que reunisse uma série de elementos com uma linha inventiva, que a gente pudesse pirar”, disse a cantora em entrevista ao G1. Curioso encontrar em cada faixa de Ava Patrya Yndia Yracema (2015, Independente) uma pequena porção de cada um dos temas apresentados pela cantora, também responsável pelos versos que sustentam a presente obra. Sem necessariamente perder o controle, ou tropeçar, o registro que conta com a participação de Pedro Sá, Domenico Lancelotti e os quatro integrantes da banda carioca Do Amor é uma obra que delira, explode e encolhe a todo o instante. []

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#03. Rodrigo Ogi
RÁ! (2015, Independente)

Imensa, a selva de pedra desbravada por Rodrigo Ogi há quatro anos parece longe de chegar ao fim. Com o lançamento de RÁ! (2015, Independente), segundo álbum em carreira solo do rapper paulistano – também integrante do coletivo Contra Fluxo -, morte, violência, sexo, abusos policiais e todos os excessos da vida noturna de São Paulo servem de estímulo para cada rima disparada pelo artista, prova de que o cenário periférico apresentado em 2011, com Crônicas da Cidade Cinza, lentamente parece se expandir. Inaugurado pela visita de Ogi ao consultório de um analista, cada novo diálogo (ou confissão) do rapper funciona como uma espécie de capítulo, indicando ao ouvinte a sequência de versos, personagens, cenas e acontecimentos que fragmentam/sustentam a obra. Diferente do álbum apresentado em 2011, um passeio pela periferia paulistana, com o presente disco, Ogi e um time composto por Thiago França, Juçara Marçal, Rael, Mao e Carlos Café se concentram em temas específicos, detalhando um pequeno universo de canções. []

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#02. Elza Soares
A Mulher do Fim do Mundo (2015, Circus/Natura Musical)

Incansável. Aos 78 anos, dona de 34 álbuns de estúdio, Elza Soares faz valer o verso central da faixa que garante título ao primeiro registro de inéditas em mais de 60 anos de carreira. “Me deixem cantar até o fim”, despeja a artista na música composta por Romulo Fróes e Alice Coutinho. Em A Mulher do Fim do Mundo , o samba sujo de São Paulo se encontra com a essência carioca, sempre quente, da veterana, resultando em um passeio que atravessa diferentes décadas, cenários e personagens de maneira explosiva, caótica. Cercada por Kiko Dinucci, Thiago França, Romulo Fróes, Marcelo Cabral, Celso Sim, Guilherme Kastrup e boa parte dos integrantes do Bixiga 70, Elza reaparece transformada, íntima da presente safra de artistas paulistanos. Em um lento desenrolar dos versos que tem início em Coração do Mar, poema de Oswald de Andrade musicado pelo velho parceiro José Miguel Wisnik, cresce o cenário marcado pela destruição, conflitos, choro, sexo e libertação.  Em um atento exercício de renovação – talvez maior do que Caetano Veloso em (2006) ou Gal Costa no eletrônico Recanto (2011) -, Soares flerta com a linguagem das ruas em Firmeza – “Pena que corre é mil grau… É a life meu, irmão” -, e ainda detalha o sexo de maneira quase explícita, agressiva, em Pra Fuder – “Unhas cravadas induzem latejo / Roupas jogadas no chão / Pernas abertas te prendo num beijo”. Do vocal torto ao uso de temas instrumentais que se quebram durante toda a obra, cada elementos se encaixa com naturalidade, garantindo passagem até o lamento triste que marca a derradeira Comigo – “Levo minha mãe comigo / De um modo que não sei dizer”. []

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#01. Mahmed
Sobre a Vida em Comunidade (2015, Balaclava Records)

Maturidade”, “crescimento” e “grandeza”. Palavras de significado forte, expressivas quando voltamos os ouvidos para o acervo sóbrio lançado pela potiguar Mahmed em Domínio das Águas e dos Céus EP (2013), porém, pequenas, quase insignificantes frente à grandeza de Sobre a Vida em Comunidade. Em um assombroso traço de evolução, ao finalizar o primeiro álbum de estúdio, o quarteto do Rio Grande do Norte não apenas alcança um novo estágio dentro da própria sonoridade, como ainda prende o ouvinte em um labirinto de formas mutáveis; um álbum sedutor e provocativo a cada fragmento instrumental. Montado em uma estrutura não-linear, pontuada por arranjos e texturas propositadamente instáveis, logo nos primeiros segundos dentro disco, a pergunta: estou sonhando?

Como uma noite longa de sono embriagado, costurada por diferentes sonhos, passagens rápidas por pesadelos e até a tontura leve típica de exageros alcoólicos, SAVEC brinca com as interpretações do ouvinte. É difícil saber onde começa e acaba o álbum. Ondas leves de distorção arremessam, acolhem e mudam a direção das composições a todo o momento. Um constante cruzamento entre o onírico, o experimental e até o nonsense que corta em pedaços rótulos imediatos como “Jazz”, “Dream Pop” ou o inevitável “Post-Rock”. Todavia, mesmo a completa ausência de direção (ou previsibilidade) em nenhum momento distorce a sutileza e coerência da banda. Da abertura letárgica em AaaaAAAaAaAaA ao som levemente acelerado que pontua o disco emMedo e Delírio, a coerência parece impregnada em cada nota lançada pela banda. Talvez seja um erro caracterizar SAVEC como uma obra de “limites bem definidos”, entretanto, mesmo nesse passeio pelo “mundo dos sonhos”, um linha imaginária, fina, parece direcionar o trabalho da banda – hoje composta por Walter Nazário, Dimetrius Ferreira, Leandro Menezes e Ian Medeiros. Curvas, quebras e mudanças (quase) bruscas de direção são nítidas em cada nova faixa, ainda assim, o controle é permanente. []

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.