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Crítica

Julia Mestre

: "Arrepiada"

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Pop Rock, MPB

Para quem gosta de: Céu e Dora Morelembaum

Ouça: Arrepiada, Meu Paraíso e De Toda Mãe

7.6
7.6

Julia Mestre: “Arrepiada”

Ano: 2023

Selo: Independente

Gênero: Pop Rock, MPB

Para quem gosta de: Céu e Dora Morelembaum

Ouça: Arrepiada, Meu Paraíso e De Toda Mãe

/ Por: Cleber Facchi 19/04/2023

Para além dos trabalhos como integrante do Bala Desejo, com quem lançou no último ano o introdutório Sim Sim Sim (2022), Julia Mestre acumula uma sequência de boas composições, parcerias em obras de artistas como Tori e BK, além de um primeiro disco em carreira solo, Geminis (2019). Mesmo com esse vasto repertório em mãos, difícil ouvir as canções de Arrepiada (2023, Independente), segundo e mais recente álbum de inéditas da cantora, e não pensar no registro como um recomeço. Da construção dos versos ao refinamento dado aos arranjos, cada elemento parece transportar Mestre para um novo cenário.

Parte desse resultado vem do desejo da artista em romper com o ambiente frio dos estúdios e registrar tudo em um espaço acolhedor, nesse caso, o quarto do músico Lux Ferreira, produtor do álbum junto de Tomás Tróia. Uma vez instalada nesse espaço caseiro, Mestre e seus parceiros garantem ao público um registro que parece crescer para além do cenário compactado a que foi concebido. E isso fica bastante evidente logo nos minutos iniciais, na faixa-título do disco, uma combinação de referências estéticas, melodias e vozes que vozes que vai do presente cenário à obra de veteranas como Rita Lee e Marina Lima.

Vem justamente desse colorido cruzamento de informações o estímulo para parte expressiva do álbum. Canções que flutuam em direção ao pop empoeirado dos anos 1970 e 1980, como uma inesgotável fonte de inspiração. Já conhecida do público, Meu Paraíso, entregue ainda no último ano, funciona como uma boa representação desse resultado. Do timbre das guitarras, passando pelo tratamento dado aos vocais, cada mínimo fragmento da composição seduz sem grandes dificuldades, formando imagens iluminadas pelo brilho neon e pequenos atravessamentos de informações que ampliam o campo de atuação da artista.

Entretanto, a beleza de Arrepiada não está apenas no olhar curioso de Mestre sobre a música produzida há quatro ou mais décadas, mas na capacidade da artista em transitar por entre estilos de forma sempre detalhista. Do inusitado flerte com o forró, na melancólica Forró da Solidão, música que se completa pela sanfona de Marcelo Jeneci, passando pela relação com o reggae, em Clama Floresta, faixa originalmente apresentada como parte do repertório de Sim Sim Sim, sobram momentos em que a artista se permite brincar com as possibilidades, proposta que orienta a experiência do ouvinte do princípio ao fim da obra.

Claro que esse esforço em combinar diferentes gêneros ao longo do trabalho resulta em canções menos expressivas ou que parecem deslocadas do restante da obra. É o caso da já conhecida Deusa Inebriante, música de inegável refinamento instrumental e poético, mas que pouco dialoga com os temas incorporados no decorrer do registro. A própria faixa de encerramento, Sonhos & Ilusões, completa pela participação da cantora e compositora portuguesa Maro, soa muito mais como um exercício de transição para uma nova fase na carreira de Mestre do que necessariamente parte substancial do repertório entregue em Arrepiada.

Independente das escolhas e da direção explorada pela artista ao longo da obra, fica bastante evidente em Arrepiada a capacidade de Mestre em estabelecer a própria identidade criativa mesmo imersa em um registro marcado pela pluralidade de elementos. Na contramão de outros exemplares recentes da música brasileira, consumidos pelo lirismo escapistas e velhas canções de amor, a artista fluminense se permite avançar criativamente, transitando em meio a reflexões que vão da potência feminina, em De Toda Mãe, às angústias vividas durante o período pandêmico, marca de Forró da Solidão. Uma combinação de estilos que vai de um canto a outro de forma sempre imprevisível, mas que sabe exatamente aonde quer chegar.

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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.