Fundado em 1989, no apartamento do cantor e compositor Chris Lombardi, em Nova York, a Matador Records rapidamente se transformou em um dos selos mais expressivos da cena independente. Responsável por apresentar alguns dos nomes de maior relevância para o rock alternativo da década de 1990, como Liz Phair, Superchunk e Pavement, a gravadora completa três décadas de criação com um extenso repertório de obras produzidas por nomes como Belle and Sebastian, Modest Mouse, The Fall e Boards of Canada. Aproveitando o aniversário da gravadora, organizamos uma seleção com dez trabalhos essenciais que sintetizam diferentes fases e músicos que passaram pelo selo. Nos comentários, conta pra gente: qual é o seu disco favorito da Matador Records?
Superchunk
No Pocky For Kitty (1991, Matador)
Poucos trabalhos sintetizam com tamanha naturalidade a crueza explícita no início dos anos 1990 quanto No Pocky For Kitty. Segundo álbum de estúdio do Superchunk, o registro de 12 faixas e pouco mais de 30 minutos não apenas avança criativamente em relação ao disco homônimo que o antecede, como reflete a imagem de uma banda ainda mais intensa. Do momento em que tem início, no pop punk de Skip Steps 1 & 3, passando pela construção de músicas como Seed Toss, Punch Me Harder e Tie a Rope to the Back of the Bus, perceba como Mac McCaughan e seus parceiros de banda pouco economizam na construção das guitarras, batidas rápidas e vozes berradas, garantindo um evidente frescor ao material entregue pelo grupo. Parte dessa crueza vem da forte interferência do produtor Steve Albini (Pixies, Nirvana), um dos principais responsáveis por extrair o que há de melhor (e mais intenso) no som produzido pela banda.
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Liz Phair
Exile In Guyville (1993, Matador)
Mesmo em um universo dominado pela presença masculina, a voz de Liz Phair ecoou mais alto. Em Exile In Guyville, primeiro álbum de estúdio da cantora e compositora, relacionamentos fracassados, conflitos mundanos e as confissões sexuais movimentam grande parte das canções que recheiam o disco. Concebido de forma caseira, a partir de registros improvisados em uma fita cassete, o trabalho não custou a despertar a atenção dos produtores da Matador Records, efeito direto da poesia honesta lançada pela artista. Posteriormente completo pela presença do produtor Brad Wood, também parceiro da cantora em seus futuros projetos, Exile In Guyville carrega em músicas como Stratford-on-Guy, Never Said e Fuck and Run um criativo retrato da alma feminina. O resultado está na produção de uma obra que não apenas influenciou personagens de destaque no mesmo período, como Fiona Apple e Cat Power, como serve de inspiração para o trabalho de nomes recentes da nossa música, caso de Mitski e Snail Mail.
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Pavement
Crooked Rain, Crooked Rain (1994, Matador)
Enquanto Slanted and Enchanted parecia revelar toda a estranheza assumida pelo Pavement, em Crooked Rain, Crooked Rain a banda segue o caminho oposto. Responsável por apresentar o grupo a uma parcela maior do público, o segundo álbum do recém-formado quinteto é um registro de possibilidades. Musicalmente polido em relação ao material que o antecede, o álbum ultrapassa os limites da crueza inicialmente sustentada pela banda para provar de elementos do jazz, como em 5-4=Unity, homenagem ao pianista Dave Brubeck, além de focar em melodias aprazíveis, íntimas do público médio. Casa de algumas das canções mais conhecidas do grupo, como Unfair, Range Life, Cut Your Hair e Gold Soundz, o trabalho se projeta de forma acessível, porém, ainda íntimo dos primeiros registros do grupo. Enquanto as guitarras de Scott Kannberg reforçam a estrutura do disco, Stephen Malkmus esbanja bom humor na composição das letras, guiando com ironia grande parte das canções. São versos que atacam diretamente nomes como Smashing Pumpkins, Stone Temple Pilots e outros personagens de destaque da época, provocação que rapidamente cairia nas graças do público.
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Guided by Voices
Alien Lanes (1995, Matador)
Com a boa repercussão em torno do sétimo álbum de estúdio da carreira, o artesanal Bee Thousand (1994), Robert Pollard, Tobin Sprout e demais integrantes do Guided By Voices receberam um convite para produzir e lançar um novo disco pela Matador Records. O resultado desse processo de transição está nas canções de Alien Lanes. Concebido em um intervalo de poucas semanas, o registro de 28 faixas e pouco mais de 40 minutos segue exatamente de onde o grupo de Dayton, Ohio, havia parado meses antes. São fragmentos instrumentais e poéticos que se resolvem em um curto intervalo de tempo. Faixas de um a dois minutos que sintetizam a capacidade da banda norte-americana em costurar diferentes propostas conceituais, estrutura que ora se aproxima do punk rock dos anos 1970, ora dialoga com outros exemplares da cena alternativa produzidos naquele período. Uma criativa colcha de retalhos, mas que em nenhum momento oculta criações acessíveis como As We Go Up, We Go Down, Game of Pricks e Motor Away.
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Yo La Tengo
I Can Hear the Heart Beating as One (1997, Matador)
Em um lento processo de amadurecimento artístico, Georgia Hubley, Ira Kaplan e James McNew atravessaram a década de 1990 revelando ao público uma sequência de obras marcadas pela criativa identidade poética e instrumental de seus realizadores. Trabalhos como Painful (1993) e o maduro Electr-O-Pura (1995), registro que possibilitou ao trio de Nova Jersey investir em novas sonoridades dentro de estúdio. Entretanto, foi com a chegada de I Can Hear the Heart Beating as One, em abril de 1997, que a banda norte-americana alcançou seu registro mais significativo. Entre composições atmosféricas, como a sensível Green Arrow, o flerte com a bossa nova, em Center of Gravity, e o completo experimentalismo de Spec Bebop, música que vai do jazz ao krautrock, cada canção disco reflete a capacidade da banda em provar de novas possibilidades, porém, preservando essência musical dos primeiros discos. Entre versões para o trabalho de outros artistas, como Little Honda, dos Beach Boys, surgem ainda algumas das composições mais importantes do Yo La Tengo, caso de Sugarcube e a delicada Autumn Sweater.
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Cat Power
Moon Pix (1998, Matador)
Chan Marshall parecia interessada em quebrar os limites de própria música em 1998. Distante do folk hermético que havia assumido nos três primeiros álbuns de inéditas, a cantora e compositora trouxe para dentro do quarto registro em estúdio uma sonoridade abrangente, além, claro, de um novo catálogo de versos dolorosos, sempre consumidos pela depressão. Acompanhada pelos músicos Mick Turner e Jim White, da banda australiana Dirty Three, Chan deu vida a um dos registros mais sofredores daquele ano, quiçá de toda a década de 1990, trafegando de maneira sóbria por entre arranjos de sopro e guitarras essencialmente sofredoras. Por todos os lados do trabalho borbulham verdadeiros blocos de melancolia, experiência que guia o álbum em totalidade. São canções como Metal Heart ou a devastadora Moonshiner, faixas que assumiriam de forma definitiva a imagem de Marshall como um dos grandes ícones dos corações partidos. Ponto de partida para o cenário explorado pela cantora nos anos 2000, Moon Pix é uma obra perfumada pelo álcool e a saudade, revelando experiências tão amargas hoje, quanto na época em que foi lançadas.
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Interpol
Turn on the Bright Lights (2002, Matador)
Depois de investir em uma série de composições avulsas e registros curtos que atraíram a atenção da crítica, caso de Fukd ID 3 (2000) e Precipitate (2001), em 2002, os integrantes do Interpol assinaram um contrato com a Matador Records para o lançamento do primeiro álbum de estúdio da carreira. Entre composições já conhecidas do público fiel da banda, como Roland e PDA, o melancólico Turn on the Bright Lights reflete não apenas a essência soturna do grupo, como pinta um minucioso retrato da cidade de Nova York após os atentados de 11 de setembro. Na época formado por Paul Banks (voz e guitarras), Daniel Kessler (guitarras), Carlos D (baixo, sintetizadores) e Samuel Fogarino (bateria), o quarteto parecia seguir uma trilha particular mesmo próximos de outros notáveis da cena nova-iorquina, como The Strokes e Stellastarr. Entre diálogos com a obra de veteranos do pós-punk, principalmente Joy Division e Television, músicas como Obstacle 1, NYC, Hands Away e Stella Was a Diver and She Was Always Down mostram a capacidade da banda em produzir um som atmosférico e sentimentalmente devastador, efeito direto da poesia crua que cobre toda a extensão do registro.
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The New Pornographers
Twin Cinema (2005, Matador)
Twin Cinema é um desses registros que parecem pensados para grudar na cabeça do ouvinte logo em uma primeira audição. Terceiro álbum de estúdio do coletivo canadense The New Pornographers, o sucessor dos ótimos Mass Romantic (2000) e Electric Version (2003), mostra um grupo ainda mais comprometido com a produção de temas melódicos, versos descomplicados e vozes cuidadosamente alinhadas, efeito direto do forte comprometimento de cada integrante da banda – na época formada por A.C. Newman, John Collins, Kurt Dahle, Dan Bejar, Neko Case, Blaine Thurier, Todd Fancey e Kathryn Calder. Entre composições enérgicas e emergenciais, caso de Sing Me Spanish Techno e Use It, o destaque acaba ficando justamente por conta de músicas que refletem a participação de cada membro da banda. É o caso de The Bleeding Heart Show, faixa concebida em uma estrutura crescente e, ainda hoje, uma das criações mais lembradas do grupo canadense.
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Car Seat Headrest
Teens of Denial (2016, Matador)
Will Toledo havia atravessado a década de 2010 em uma sequência de obras caseiras, porém, bem-executadas, caso de My Back Is Killing Me Baby (2011), Nervous Young Man (2013) e, o posteriormente relançado, Twin Fantasy (2018). Entretanto, foi com a chegada de Teens of Denial, em meados de 2016, que o músico norte-americano conseguiu despertar a atenção de uma parcela maior do público. Sequência ao maduro Teens of Style (2015) e verdadeira homenagem ao trabalho de veteranos da cena independente dos Estados Unidos, como Pavement, of Montreal e Modest Mouse, o trabalho passeia pelo tempo em uma criativa reciclagem de ideias e tendências há muito consolidadas. A principal diferença em relação a tantos outros personagens nostálgicos do mesmo período está na poesia delirante e tragicômica de Toledo. São versos que sintetizam a melancolia e os excessos da vida adulta, ponto de partida para a produção de músicas como Drunk Drivers/Killer Whales, Fill in the Blank, Destroyed By Hippie Powers e todo o fino repertório que recheia o disco.
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Perfume Genius
No Shape (2017, No Shape)
Cada novo registro entregue por Mike Hadreas reflete a imagem de um artista maior e ainda mais complexo. Do som econômico que embala o inaugural Learning (2010), passando pela melancolia dilacerante de Put Your Back N 2 It (2012) à busca por novas possibilidades no eletrônico Too Bright (2014), difícil não se deixar conduzir pela poesia intimista e evidente comprometimento estético que embala o trabalho do músico norte-americano. Exemplo disso está em sua maior obra, No Shape. Com produção assinada pelo experiente Blake Mills (Sky Ferreira, Fiona Apple), o trabalho flutua em meio a ambientações orquestrais, sintetizadores e vozes tratadas como instrumentos, estímulo para a composição de músicas como Slip Away, o flerte com o R&B, em Die 4 You, e Sides, delicada criação que se abre para a breve interferência de Weyes Blood. Um minucioso exercício sentimental e poético que reflete o completo amadurecimento criativo de Hadreas.
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Menções Honrosas: Ride The Fader (1996), do Chavez; The Boy With the Arab Strap (1998), do Belle and Sebastian; Cornelius e o excelente Fantasma (1998); Fucked Up, com David Comes to Life (2011), Savages, com Silence Yourself (2013); Kurt Vile e Wakin on a Pretty Daze (2013) e Snail Mail, com Lush (2018).
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.
Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.