Os 50 Melhores Discos Brasileiros de 2023

/ Por: Cleber Facchi 20/12/2023

Intenso! Assim foi o ano de 2023 quando voltamos os ouvidos para tudo aquilo que foi produzido na música brasileira. Mas quais são os melhores discos desse período tão movimentado? Em um esforço de cobrir os mais variados gêneros e trabalhos vindos de diferentes regiões do país, trago uma seleção com 50 obras essenciais. Do pop experimental de Luiza Lian à maciez sonora de Tori, das batidas de Carlos do Complexo ao lirismo político de Mateus Fazeno Rock, é hora de relembrar os principais lançamentos dos últimos meses.


#50. Jaloo
Mau (2023, Elemess)

A música de Jaloo é feito vírus. Chega de repente, como quem não quer nada e, sem que você perceba, acaba completamente contaminado. Terceiro e mais recente álbum de estúdio da cantora, compositora e produtora paraense, Mau é um bom exemplo disso. Fim da jornada emocional iniciada em #1 (2015) e ampliada no colaborativo ft (2019), o registro de dez composições se revela aos poucos, sem pressa, porém, atiça a curiosidade do ouvinte e encanta a cada novo regresso. É como um lento desvendar de informações que estabelece nas diferentes interpretações sobre a morte um estímulo para os versos. Com a própria faixa-título como composição de abertura, Jaloo apresenta parte das regras e temáticas que servem de sustento ao disco. É como um mergulho na mente da artista que ainda resgata trechos de Say Goodbye, parceria com Badsista extraída do álbum anterior. Frações poéticas que atravessam paisagens noturnas, alternam entre reflexões e diálogos com diferentes personagens, conceito que volta a se repetir na posterior Pode, canção que mais uma vez destaca o reducionismo dos elementos e versos sempre calculados, mas que continuam a reverberar na cabeça do ouvinte mesmo após o encerramento da obra. Leia o texto completo.


#49. Bru._.Jo
Bru._.Jo (2023, YB Music)

Autointitulado registro de estreia da Bru._.Jo, identidade adotada pelos irmãos Bruno Qual (eletrônicos) e Joana Queiroz (clarinete, clarone e voz), o trabalho de nove composições é uma obra viva. Concebido na primeira semana de 2020, durante um período de imersão em uma floresta, o álbum levou mais dois anos até ser finalizado. Nesse intervalo de tempo, processamentos e filtragens eletrônicas foram incorporadas ao material que foi gravado sem isolamento acústico, deixando vazar a captação de elementos naturais. Um meticuloso processo criativo que tensiona e recompensa a experiência do ouvinte na mesma proporção. De essência orgânica, como uma criatura em processo de transformação, o registro se revela aos poucos, sem pressa. Música de abertura do trabalho, Granulares Matinais funciona como uma boa representação desse resultado. São inserções sutis que partem dos sopros de Queiroz, incorporam elementos ao redor, mas que se completam pela tapeçaria eletrônica de Qual. É como um lento desvendar de informações, estrutura que ainda abre passagem para a posterior Formigas e Lagartas, composição de base graciosa, como uma cantiga infantil, mas que assume novos contornos à medida que a dupla avança criativamente. Leia o texto completo.


#48. Mahmundi
Amor Fati (2023, Universal)

Marcela Vale, a Mahmundi, há muito deixou de ser encarada como uma aposta para atuar como um dos nomes mais interessantes do pop rock nacional. Dona de três álbuns de estúdio – Mahmundi (2016), Pra Dias Ruins (2018) e Mundo Novo (2020) –, uma indicação ao Grammy Latino e colaborações com nomes como Rubel, Qinhones e Mary Olivetti, a artista esbanja segurança ao alcançar o quarto e mais recente trabalho de inéditas da carreira, Amor Fati, registro em que se distancia de possíveis excessos para investir em um repertório meticuloso em que destaca com sensibilidade a força dos versos. Como tudo aquilo que a artista tem produzido desde o introdutório Efeito das Cores EP (2012), Amor Fati gira em torno de romances não resolvidos, términos e recomeços, destacando a poesia confessional da compositora carioca. O próprio título do disco, do latim, “amor ao destino“, funciona como uma precioso indicativo das aventuras românticas que Vale busca desenvolver ao longo da obra. Canções que tendem a um resultado monotemático, porém, habilmente maquiadas pela capacidade da cantora em transitar por entre estilos de forma sempre acessível, estreitando laços com diferentes desdobramentos da música pop. Leia o texto completo.


#47. FBC
O Amor, O Perdão e a Tecnologia Irão Nos Levar Para Outro Planeta (2023, Independente)

Mesmo longe de parecer um iniciante, o sucesso em torno de Baile (2021), bem sucedida colaboração com o produtor VHOOR, fez com que FBC fosse apresentado à uma parcela ainda maior de ouvintes. Contudo, ao embarcar nas canções de O Amor, O Perdão e a Tecnologia Irão Nos Levar Para Outro Planeta, mais recente lançamento do rapper mineiro em carreira solo, não espere por um possível regresso ao mesmo território criativo do registro que o antecede. O olhar para o passado ainda orienta as criações do artista, mas as referências sonoras, a estética e a direção apontada é completamente distinta. Acompanhado pela dupla de produtores formada por Pedro Senna e Ugo Ludovico, além das vozes de Aline Magalhães, Sàvio Faschét, Iolanda Souza, Sarah Reis, Fernanda Valadares, FBC passeia pelos anos 1970, 1980 e 1980 em uma deliciosa combinação de elementos que vai dos primórdios do funk ao uso de temas sintéticos que desembocam na house music. Um misto de passado e presente que encontra em amores desfeitos, noites de excessos, conflitos e crises existenciais o estímulo para a formação de um fino repertório que conduz a música do artista mineiro em direção ao cosmos, para além dos limites terrenos. Leia o texto completo.


#46. Nuven
Zero (2023, Independente)

Os sete longos anos que separam Partir (2016) do recém-lançado Zero foram bem aproveitados por Gustavo Teixeira, o Nuven. De remixes para nomes como E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante a encontros com outros artistas, como Odoya, no ainda recente Fenda EP (2022), sobram momentos em que o produtor paulistano se permitiu testar os limites da própria criação, avançando em meio a registros marcados pelo experimentalismo, porém, preservando o caráter dançante. Um catálogo de pequenos ensaios que, de um jeito ou de outro, converge para o material que integra o presente álbum. E isso fica mais do que evidente quando a introdutória Grazed é apresentada ao público. Entre camadas de sintetizadores e fragmentos de vozes, Teixeira prepara o terreno para o que se completa pelo uso das batidas. São pequenos atravessamentos de informações, como uma combinação natural do que há de mais característico no tipo de som que vem sendo produzido pelo artista. Entretanto, mais do que olhar para a própria criação, Nuven busca estreitar laços com outros movimentos e produtores, como na faixa seguinte, Heartbeat, música que aponta para o mesmo lo-fi house de nomes como Ross from Friends e DJ Seinfeld. Leia o texto completo.


#45. Jambu
Tudo É Mto Distante (2023, Bolo de Rolo)

Frustrações, relacionamentos instáveis e pequenos delírios psicodélicos. Em Tudo É Mt Distante, estreia do grupo manauara Jambu, cenas e acontecimentos simples do cotidiano se transformam no principal componente criativo para o quarteto formado por Gabriel Mar (voz e guitarra), Roberto Freire (guitarra), Yasmin Costa (voz e bateria) e Gustavo Pessoa (baixista). Canções que partem da sensação de deslocamento físico e emocional vivido pelos próprios integrantes da banda amazonense, mas que a todo momento estabelecem laços sentimentais e estreitam relações com o ouvinte de forma bastante sensível. “Choro porque tenho medo de não poder voltar / Do universo esse é o segredo, quem vai me ensinar?“, questiona Mar logo nos minutos iniciais do trabalho, apontando o cenário nebuloso que será explorado pelo público ao longo da obra. São canções marcadas pelo forte aspecto radiofônico, talvez desprovidas de grandes transformações ou momentos de maior ruptura estética, porém, difíceis de serem ignoradas. E isso fica bastante evidente com a chega Astronauta. Das guitarras cintilantes, passando pela letra que gruda feito chiclete na cabeça do ouvinte (“Prefiro ser estranho/ Ao fingir sempre entender / Nunca sei quando é sonho / Ou lembrança de você“), cada mínimo fragmento evidencia o domínio do quarteto em estúdio. Leia o texto completo.


#44. Clarice Falcão
Truque (2023, Chevalier de Pas)

Se Tem Conserto (2019) é o esquenta que antecede a festa, Truque é a ressaca do dia seguinte. Quarto trabalho de estúdio de Clarice Falcão, o disco produzido em parceria com Lucas de Paiva (Alice Caymmi, Mahmundi), com quem a artista havia colaborado no registro anterior, destaca o lirismo melancólico, forte vulnerabilidade emocional e sensação de deslocamento vivida pela cantora e compositora pernambucana que há dez anos estreou com tragicômico Monomania (2013). São canções que funcionam como um passeio pela mente de Falcão, alternando entre o recolhimento e a libertação. Escolhida como primeira faixa do disco a ser apresentada ao público, Chorar Na Boate funciona como uma representação quase perfeita de tudo aquilo que a cantora busca desenvolver ao longo da obra. Enquanto os versos tratam com bom humor das angústias experienciadas pela artista (“Você tá pensando, no que eu tô pensando? / Essa festa linda, com todo mundo apertadinho, suando junto / Não é o lugar perfeito pra chorar?“), sintetizadores e batidas cuidadosamente encaixadas convidam o ouvinte a dançar. É como uma combinação agridoce de elementos, estrutura que assume diferentes formatações no decorrer do registro. Leia o texto completo.


#43. Viratempo
Truque (2023, Independente)

Cada novo trabalho da Viratempo parece servir de passagem para um território criativo completamente transformado. Enquanto o introdutório Cura (2018) apontava para o pop enevoado da década de 1980, com a chegada de Cidade Tropical Pensamento, a banda formado pelos músicos Vallada (voz, sintetizadores), Danilo Albuquerque (guitarra), Hygor Miranda (sintetizadores, baixo) e Max Leblanc (bateria, samples) continua a viajar pelo mesmo período, porém, o direcionamento proposto agora é outro. Inaugurada de forma atmosférica, a introdutória Não Volto Mais rapidamente sustenta na linha de baixo funkeada, harmonias de vozes, batidas e bases dançantes uma síntese clara de tudo aquilo que o grupo busca desenvolver ao longo da obra. São ecos de brazilian boogie e outros elementos que orientaram a produção brasileira há mais de quatro décadas, porém, partindo de um delicioso senso de atualização, estrutura que ganha ainda mais destaque na canção seguinte, a hipnótica Solar, composição que evoca nomes como Marcos Valle sem necessariamente corromper a identidade criativa do quarteto paulistano. Leia o texto completo.


#42. Ianaê Régia
Afroglow (2023, Ternário Records)

Embora enxuto, o curto repertório de Afroglow, primeiro trabalho de estúdio da cantora e compositora gaúcha Ianaê Régia, compensa na força dos sentimentos incorporados dentro de cada canção. São sete faixas em que a artista nascida no interior do Rio Grande do Sul e hoje residente na capital Porto Alegre se aventura na construção de composições que escancaram a vulnerabilidade dos versos e mergulham em questões raciais. Um delicado exercício criativo que parte das vivências e dores da própria musicista para estreitar laços com o ouvinte em uma obra que vai do recolhimento à celebração. Inaugurado pela minuciosa Umbigo, o trabalho que tem produção caprichada de Bianca Rhoden se revela aos poucos, detalhando uma combinação entre guitarras e batidas cuidadosamente calculadas. É como um pano de fundo instrumental que prepara o terreno para as vozes da artista gaúcha, sempre em primeiro plano. “Eu tenho ouvidos e você também / Tem gente que parece que não tem / Quem tem umbigo tem do que cuidar / Deixa o meu pra lá“, canta em uma provocativa observação sobre a necessidade sufocante que as pessoas têm de controlar a vida alheia, destacando a poesia afiada que orienta a formação do registro. Leia o texto completo.


#41. DJ K
Pânico no Submundo (2023, Nyege Nyege Tapes)

A assinatura adotada por Kaique Alves Vieira, o DJ K, não poderia ser mais coerente: “DJ K não tá mais produzindo, tá fazendo bruxaria“. E é exatamente isso que você encontra nos pouco mais de 40 minutos de Pânico no Submundo, trabalho que não apenas apresenta o artista que é filho de pastor e cresceu em Diadema, região metropolitana da cidade de São Paulo, como leva o funk mandelão para outras direções, muitas delas totalmente inimagináveis. Um insano repertório formado a partir de bases altamente retorcidas, repetições, vozes parcialmente submersas e letras que, embora sujíssimas e sempre pontuadas por elementos delirantes, abriram portas para o mercado internacional e catapultaram o produtor que finalizou o álbum em apenas três dias. Da perturbadora imagem de capa, passando pela construção de faixas que referenciam filmes de terror como Halloween e Uma Noite De Crime, cada fragmento do disco mostra a capacidade do artista em revelar ao público uma obra tão desconcertante quanto estranhamente atrativa. Bruxaria pesada!


#40. Ema Stoned
Devaneio (2023, Before Sunrise Records)

Uma viagem aos campos mais profundos da mente humana. Assim pode ser interpretado o terceiro e mais recente trabalho de estúdio do trio paulistano Ema Stoned, Devaneio. Sequência ao material entregue no colaborativo Phenomena (2019), o registro de nove faixas diz a que veio e abre passagem para um universo de novas possibilidades logo na canção de abertura, Spirulina. São pouco mais de quatro minutos em que captações de campo delicadamente dão lugar ao uso labiríntico das guitarras, batidas e linha de baixo sempre destacada, como um convite a se perder em um mundo mágico orquestrado em conjunto por Alessandra Duarte (guitarra), Elke Lamers (baixo) e Theo Charbel (bateria). Uma vez transportado para dentro desse cenário de formas flutuantes, texturas e melodias inebriantes, cada composição evidencia o esforço do trio em perverter todo e qualquer traço de conforto. Exemplo disso fica bastante explícito em Caminhada, música que segue de onde o grupo parou na já citada faixa de abertura, porém, reforçada pelas guitarras complementares de Sue-Elie Andrade Dé. São arranjos sempre marcados pela fluidez dos arranjos e uso de efeitos que significativamente ampliam os limites do registro, tratamento que ainda abre caminho para Curva do Sonho, uma das primeiras criações do disco a serem reveladas ao público, mas que ganha novo significada quando observada como parte de uma obra viva. Leia o texto completo.


#39. N.I.N.A
Para Todos Os Garotos Que Já Mamei (2023, Pineapple Storm)

Depois de ser oficialmente apresentada durante o lançamento de Pele (2022), Anna Ruth Ferreira, a N.I.N.A, regressa de forma ainda mais provocativa com a chegada de Para Todos Os Garotos Que Já Mamei (2023,). Sequência ao material entregue há poucos meses, o novo álbum diz a que veio logo na introdutória Faz Assim. “Preto, você me revira inteira / Quero foder de sábado à sexta-feira / Sei que tu ama socar minha buceta / doze horas e o nosso corpo incendeia“, confessa a artista em meio a batidas e bases cuidadosamente encaixadas por Matheus Terra, com quem havia colaborado no registro anterior. Pouco mais de três minutos em que o ouvinte é convidado a se perder em um território marcado pelas sensações. Menos explícita, porém, tão interessante quanto a faixa que a antecede, Ferve, vinda logo em sequência, reforça esse direcionamento adotado por N.I.N.A. Diferente do material entregue no lançamento anterior, a nova música reforça a relação da artista com o R&B, rompendo com o drill/grime que marca as primeiras criações da artista em estúdio. Enquanto os versos destacam a sensibilidade da cantora (“Quatro paredes isso é tão nosso / Você suspira e eu te devoro / Djavan tem inveja por que eu posso“), batidas e guitarras labirínticas avançam em uma medida própria de tempo, reforçando a atmosfera sedutora da composição. Leia o texto completo.


#38. Tatá Aeroplano
Boate Invisível (2023, Voador Discos)

Para além do trabalho em estúdio e da relação com projetos como Cérebro Eletrônico e Jumbo Elektro, Tatá Aeroplano sempre manteve um pé nas pistas de dança. DJ residente em diferentes casas noturnas da cidade de São Paulo, o artista ainda acumula passagens pelas mais variadas festas do Brasil, alternando entre composições empoeiradas e faixas recém-tiradas do forno. Não por acaso, ao mergulhar no mais recente álbum de inéditas da carreira, Boate Invisível, o músico paulista se aventura na entrega de um repertório que alterna entre a mais pura psicodelia e criações deliciosamente dançantes. Embora centrado na figura e no repertório dançante de Aeroplano, o registro de dez faixas é um trabalho marcado em essência pelo forte aspecto colaborativo. Concebido a partir de um processo de imersão de cinco dias, onde o compositor, acompanhado de Bruno Buarque, Dustan Gallas, Junior Boca, Kika e Malu Maria, entrou em estúdio sem material em mãos, Boate Invisível parte de pequenos improvisos para se transformar em uma das obras mais inventivas do artista. É como um delirante exercício criativo que orienta a experiência do ouvinte até os minutos finais, no pop ritualístico da derradeira Canto Mistério. Leia o texto completo.


#37. Carlos do Complexo
NTGM (2023, Joint)

Com a ascensão do reggaeton ao longo da última década, uma soma considerável de artistas brasileiros passaram a se aventurar pelo estilo. De figurões da indústria da música, como Anitta e Ludmilla, a nomes ainda iniciantes, caso de Urias e Marina Sena, sobram tentativas, muitas delas fracassadas, em provar do gênero. São criações, na maioria das vezes, dotadas de uma estética emulada, proposta que o produtor carioca Carlos do Complexo se distancia por completo ao mergulhar no repertório de NTGM. Verdadeiro exercício de estilo, o registro nasceu de um processo de imersão e estudo aplicado do artista sobre os ritmos latinos, principalmente o reggaeton. Dessa forma, mergulhado na história e vertentes do estilo, do Complexo encontrou inspiração para criar um trabalho inteiro. Entretanto, a real beleza de NTGM, uma sigla para “No Tengas Miedo“, não está necessariamente na forma como o produtor estreita laços com o gênero, mas na capacidade em imprimir a própria identidade durante toda a execução do material. Leia o texto completo.


#36. Julia Mestre
Arrepiada (2023, Independente)

Para além dos trabalhos como integrante do Bala Desejo, com quem lançou no último ano o introdutório Sim Sim Sim (2022), Julia Mestre acumula uma sequência de boas composições, parcerias em obras de artistas como Tori e BK, além de um primeiro disco em carreira solo, Geminis (2019). Mesmo com esse vasto repertório em mãos, difícil ouvir as canções de Arrepiada, segundo e mais recente álbum de inéditas da cantora, e não pensar no registro como um recomeço. Da construção dos versos ao refinamento dado aos arranjos, cada elemento parece transportar Mestre para um novo cenário. Parte desse resultado vem do desejo da artista em romper com o ambiente frio dos estúdios e registrar tudo em um espaço acolhedor, nesse caso, o quarto do músico Lux Ferreira, produtor do álbum junto de Tomás Tróia. Uma vez instalada nesse espaço caseiro, Mestre e seus parceiros garantem ao público um registro que parece crescer para além do cenário compactado a que foi concebido. E isso fica bastante evidente logo nos minutos iniciais, na faixa-título do disco, uma combinação de referências estéticas, melodias e vozes que vozes que vai do presente cenário à obra de veteranas como Rita Lee e Marina Lima. Leia o texto completo.


#35. Fleezus
Off Mode (2023, Beatwise Recordings / Empire)

Fleezus nunca esteve tão “on” quanto em Off Mode. Mais novo álbum do artista, o registro produzido em parceria com CESRV e Iuri Rio Branco destaca o amadurecimento lírico do rapper que desfila em uma sequência de batidas cuidadosamente encaixadas pelos dois produtores. É como uma extensão natural daquilo que fomos apresentados em Eskibaile (2020) e no bem-recebido Brime (2020), porém, partindo de um evidente senso de atualização, busca por novos colaboradores e diferentes temáticas que não apenas potencializam, como ampliam de forma significativa o trabalho do paulistano. Assim como outros tantos trabalhos que sucedem registros de estreia, Off Mode é menos centrado na dura realidade da vida periférica e muito mais voltado às conquistas de seu idealizador. Entretanto, para além da ostentação barata e talvez natural incorporada em diferentes exemplares do gênero, chama a atenção a sobriedade dos versos e firme contato do rapper com a realidade durante toda a execução do material. “Colecionando tênis e alguns desafetos / Entre AirMax e honorários, o equilíbrio é certo / E o que te deixa feliz nessa selva de concreto?“, questiona Fleezus na já conhecida Reis & Rainhas, música que sintetiza de forma bastante eficiente essa postura adotada pelo artista em cada mínimo fragmento poético do álbum. Leia o texto completo.


#34. Aysha Lima
Ín.ti.mo (2023, Undersoil)

Ín.ti.mo, escrito assim mesmo, ressaltando a divisão silábica, serve de passagem para um universo guiado em essência pelas emoções. Primeiro álbum de estúdio da cantora e compositora carioca Aysha Lima, o registro dividido em três partes funciona como um delicado estudo sobre as diferentes fases de um relacionamento. Instantes em que a artista, sempre acompanhada pelo produtor André Miquelotti, responsável pelo meticuloso cruzamento de estilos e referências que rompem com o R&B tradicional, se entrega por completo, confessa sentimentos e acaba encontrando no amor a principal fonte de inspiração. Partindo dessa abordagem fracionada, com três atos bem definidos, a cantora sustenta no bloco inicial a descoberta de um novo amor. Em geral, são composições marcadas pela fluidez das batidas, como uma representação do desejo explícito nos versos. “Essa energia que me faz dançar / Invade meu corpo feito ar … Vem cá, que eu quero sentir o seu corpo no meu / Sinta, o calor da batida entre você e eu“, canta em Amor e Som, música que sintetiza a euforia que move o trabalho nesses primeiros minutos. Canções que destacam a entrega sentimental de Lima na mesma medida em que evidenciam a riqueza de elementos explícita na produção caprichada de Miquelotti, sempre interessando na colorida combinação de ritmos. Leia o texto completo.


#33. Lucas Santtana
Paraíso (2023, Nø Førmat)

A poética afirmativa logo nos minutos iniciais de O Paraíso, mais recente trabalho de Lucas Santtana, funciona como uma representação bastante significativa de tudo aquilo que o cantor e compositor baiano busca desenvolver ao longo da obra. “Sim! Sim! Sim! O paraíso já é aqui“, detalha o artista. Na contramão de outros registros marcados pela temática ambientalista, sempre alarmantes ou mesmo imersos em cenários pós-apocalípticos, Santtana se aprofunda na construção de um repertório realista e consciente, porém, pontuado pela esperança, leveza e permanente sensação de acolhimento. “Nós somos a natureza“, reforça na canção seguinte, What’s Life, um samba kraftwerkniano que destaca a capacidade do artista em transitar por entre estilos, mesclando elementos eletroacústicos, porém, preservando um mesmo núcleo temático que reforça o aspecto homogêneo do trabalho. São reflexões sobre a vida Terra, o consumismo desenfreado, a maquiagem virtual proposta pelas redes sociais e as feridas abertas pelo capitalismo. Instantes em que Santtana traz de volta o olhar atento proposto no introdutório Eletro Ben Dodô (2000), como uma transposição atualizada dos mesmos velhos temas sociais. Leia o texto completo.


#32. Mariana Cavanellas
DNA (2023, Independente)

Esqueça tudo o que você já ouviu de Mariana Cavanellas ao mergulhar nas composições de DNA. Primeiro trabalho de estúdio da cantora e compositora mineira, o álbum de doze faixas é uma completa desconstrução daquilo que a artista havia testado anteriormente, seja como integrante do Rosa Neon ou mesmo nos primeiros registros em carreira solo. Do uso instrumental das vozes, passando pela completa fragmentação dos arranjos e batidas, cada nova canção parece transportar o ouvinte para um território criativo totalmente reformulado. São investigações sonoras, quebras e momentos de maior experimentação que sutilmente destacam o esforço de Cavanellas em testar os limites da própria criação. Por se tratar de um registro dotado de uma abordagem bastante particular, DNA é um trabalho que exige uma audição cautelosa por parte do ouvinte. Longe do imediatismo de Picolé de demais composições que marcam o antigo projeto da musicista mineira, o repertório produzido em parceria com Thiago Braga, o Rapaz do Dread, segue em um ritmo próprio. Canções formadas a partir de fragmentos instrumentais que mudam de direção sem aviso prévio. É como se tudo aquilo que foi revelado por Cavanellas em mais de uma década de carreira fosse aos poucos desconstruído e reorganizado de um jeito torto pela compositora. Leia o texto completo.


#31. Ítallo
Tarde No Walkiria (2023, Lab 344)

Em um intervalo de poucos segundos, orquestrações sutis abrem passagem para a inserção de pianos que, por sua vez, desembocam nos atabaques de um terreiro e servem de passagem para a sanfona que ainda articula a inserção das vozes: “Já não existe medo“. É partindo dessa inusitada combinação de elementos e vontade expressa na voz em explorar novos territórios que o cantor, compositor e produtor alagoano Ítallo França mergulha no terceiro e mais recente trabalho em carreira solo, Tarde No Walkiria, uma obra que assume diferentes formatações e propostas criativas, mas que nunca perde sua consistência. Dentro desse cenário onde tudo e nada pode acontecer, Ítallo se aprofunda nas próprias inquietações de forma a estreitar laços com o ouvinte. São composições com temperatura, cheiro, tato e memória, efeito direto da lírica minuciosa que se divide entre cenas descritivas e exposições sentimentais. Não, Tarde No Walkiria não é um disco fácil e exige um esforço danado para que faixas repletas de significados ocultos sejam aos poucos desvendadas. Entretanto, uma vez ambientado ao estranho material que se divide entre bases acústicas e experimentações com a música eletrônica, difícil não se deixar conduzir pelo artista. Leia o texto completo.


#30. Filipe Catto
Belezas São Coisas Acesas Por Dentro (2023, Joia Moderna)

Não há nada mais detestável e triste do que a higienização plástica do pós-morte. Morre o artista, cria-se uma versão idealizada do mesmo, sempre repleta de bons momentos e lembranças adocicadas. Com Gal Costa (1945 – 2022) não foi diferente. Desde a morte da Musa da Tropicália, em novembro do último ano, o que mais se viu foram diferentes tributos dotados de uma polidez tão exacerbada quanto a pior fase da cantora baiana, no início dos anos 2000. Um misto de choro falso e celebração forçada que Filipe Catto se esquiva por completo no intenso repertório de Belezas São Coisas Acesas Por Dentro. Deliciosamente sujo, como se partilhasse da mesma atmosfera ruidosa que embala as composições de Fa-Tal – Gal a Todo Vapor (1973), o trabalho feito sob encomenda para um espetáculo do SESC São Paulo e posteriormente transportado pra dentro de estúdio, mostra Catto em sua melhor forma. Logo nos minutos iniciais, somos hipnotizados por Lágrimas Negras, música que concede título à obra e joga a voz da artista gaúcha para trás, como se captada em um estacionamento abandonado. É um preparativo para o que se completa pela guitarra fluida do coprodutor Fábio Pinczowski, o baixo sempre carregado de Gabriel Mayall e a bateria calculada de Michelle Abu, preparando terreno e abrindo passagem para o restante do álbum. Leia o texto completo.


#29. Sara Não Tem Nome
A Situação (2023, Grão Pixel)

A última vez que ouvimos o trabalho de Sara Não Tem Nome em carreira solo, os dias eram difíceis de se viver, porém, parcialmente distintos em relação ao atual cenário político e cultural brasileiro. Com o avanço do conservadorismo e do pensamento antidemocrático, o golpe que viria a derrubar Dilma Rousseff já estava em curso e a ameaça bolsonarista começava a estender seus tentáculos. Foi justamente a queda da primeira mulher eleita Presidente da República, um ano mais tarde, que levou a multiartista mineira a investir em um novo processo de criação, estímulo para o repertório de A Situação. Primeiro registro de inéditas da artista belo-horizontina em um intervalo de oito anos, o sucessor de Ômega III (2015) preserva o caráter reducionista do trabalho que o antecede, porém, sustenta na construção dos versos um evidente processo de amadurecimento criativo e busca por novas possibilidades dentro de estúdio. “Na corda bamba / Por um fio / Por um triz / Andando no limite / Do insuportável“, canta logo nos minutos iniciais do disco, em Ponto Final, composição que rompe com o caráter festivo da já conhecida Pare, e uma delicada representação de tudo aquilo que a cantora busca desenvolver ao longo da obra. Leia o texto completo.


#28. Idlibra
Muganga (2023, Independente)

Muganga, segundo a língua quimbundo, é a expressão utilizada para caracterizar pessoas de “trejeitos ou hábitos estranhos”. Outrora opressiva para a artista pernambucana Libra Lima, a Idlibra, a palavra foi justamente a escolhida para batizar o primeiro trabalho de estúdio da produtora que há tempos tem circulado pela cena cultural de Recife, é cofundadora do coletivo SCAPA e curadora do palco Kamikaze no Festival Coquetel Molotov. Um repertório de cinco faixas que abraça a estranheza e utiliza da inusitada combinação de elementos como estímulo para brincar com a interpretação do ouvinte. Inaugurado pela potência de Breganbass, o trabalho diz a que veio logo nos primeiros minutos. Como o próprio título da composição indica, trata-se de uma insana costura rítmica que atravessa as pistas dos anos 1990, bebendo diretamente do drum and bass, para mergulhar em um dos estilos mais populares da cena pernambucana, o brega funk. A diferença está na imposição e fluidez adotada pela artista. São batidas e fragmentos de vozes que inviabilizam qualquer chance de respiro, como se cada mínimo componente da faixa empurrasse o ouvinte para frente, apontando a direção para o restante do material. Leia o texto completo.


#27. ÀIYÉ
Transes (2023, Balaclava Records)

Cheguei à conclusão que esse é disco é uma encruzilhada“, reflete Larissa Conforto, a ÀIYÉ, logo nos minutos iniciais de Transes. Muito embora essa percepção esteja diretamente relacionada às vivências da artista dentro da umbanda, difícil não pensar no primeiro álbum de estúdio da cantora, compositora, produtora e percussionista carioca como um ponto de convergência para que diferentes referências estéticas, rítmicas e poéticas sejam cuidadosamente entrelaçadas. Um permanente cruzamento de ideias que vai da montagem das composições à diversidade expressa na imagem de capa. Partindo desse abordagem, cada fragmento do disco se revela ao público como um objeto de estudo. São canções montadas a partir de diferentes componente rítmicos, manifestações da forte religiosidade de Conforto e pequenas exposições sentimentais que ampliam o repertório entregue no registro anterior, o EP Gratitrevas (2020). “Cê fica mais linda sem essa onda de caça e caçador / Solta esse carão, deixa eu te chamar de amor“, canta na introdutória Onda, música que não apenas soa como um convite para o restante da obra, como encanta pela colorida sobreposição de elementos, destacando a versatilidade de ÀIYÉ. Leia o texto completo.


#26. LEALL
Eu Ainda Tenho Coração (2023, Rock Danger)

Mesmo esculpido a machado, LEALL ainda tem um coração. E isso fica bastante evidente com a entrega do segundo e mais recente trabalho de estúdio do rapper fluminense. Sequência ao material revelado há dois anos, o novo disco segue a cartilha de outros exemplares do gênero, mergulhando nas conquistas e nas transformações experienciadas pelo artista desde a apresentação do registro anterior, porém, livre da ostentação barata que tradicionalmente corrompe outros exemplares do gênero. São composições que tratam sobre dinheiro, consumo e excessos, porém, entrecortadas por momentos de maior vulnerabilidade. Claro que essa mudança de postura não se dá por acaso. Para além da transformação financeira vivida pelo rapper desde o lançamento de Esculpido a Machado (2021), o artista vindo da Zona Norte do Rio de Janeiro passou por outra mudança bastante significativa nos últimos anos: o processo de paternidade. “Deus mandou meu filho / Pra me lembrar que eu tenho coração“, rima na faixa-título do disco, canção que não apenas sintetiza parte dos elementos incorporados no decorrer da obra, como preserva a mesma lírica afiada e capacidade de LEALL em transitar por entre temáticas com a mesma fluidez do registro anterior. Leia o texto completo.


#25. Karen Francis
Anos Luz (2023, Independente)

Karen Francis não poderia ter pensado em um título melhor para o primeiro trabalho de estúdio do que Anos Luz. Marcado pela sensibilidade dos versos e minucioso tratamento dado aos arranjos, o registro de oito canções parece estar a anos-luz de outros exemplares do gênero. É como se Francis rompesse com o caráter exploratório de um típico disco de estreia para mergulhar em uma obra marcada pela consistência dos elementos. Um jogo de vozes, batidas e sentimentos que se entrelaçam de forma a potencializar a forte vulnerabilidade emocional e entrega da cantora e compositora amazonense. Com produção assinada pela própria artista em parceria com Tico Pro, Guilherme Bonates, Ethos e Wzy, Anos Luz é um desses discos que descem macio, porém, desbloqueiam memórias e tocam em feridas sentimentais de forma a estreitar laços com o ouvinte. “Mas você não esquece do meu celular / Liga toda noite só pra me lembrar / Como foi tão fácil esquecer de mim / Você foi embora e ainda tá aqui“, canta em Fala, composição que não apenas destaca o peso das lembranças e o lirismo angustiado que consome a obra, como evidencia a fina tapeçaria instrumental que se revela aos poucos, engrandecendo os versos. Leia o texto completo.


#24. Tori
Descese (2023, PWR Records)

Descese é um registro que parte de fora pra dentro. Primeiro trabalho em carreira solo de Tori, identidade adotada pela cantora e compositora sergipana Vitória Nogueira, o álbum utiliza de cenas e conflitos que se manifestam no entorno da musicista, mas que se resolvem internamente. É como um ato constante de retorno emocional. Composições que espiam memórias, traumas e sensações em uma abordagem contemplativa, porém, nunca de forma inacessível, produto do lento desvendar de informações e tramas instrumentais delicadamente tecidas em estúdio. Um exercício sutil de voltar para dentro de si. Dessa forma, como toda obra do gênero, Descese é um registro que segue em uma medida própria de tempo. As interpretações nunca são imediatas, os movimentos parecem sempre calculados e cada novo avanço resulta em um retrocesso. Embora fundamental para o desenvolvimento do trabalho, esse ritmo moroso vez ou outra tende ao excesso, consumindo e prejudicando a experiência do ouvinte. Entretanto, uma vez habituado ao direcionamento dado pela artista, cada mínima particularidade, mesmo farelos instrumentais e poéticos que se escondem por entre as brechas do disco, capturam a atenção e seduzem. Leia o texto completo.


#23. Besouro Mulher
Volto Amanhã (2023, Rockambole)

Os versos detalhados por Sophia Chablau nos minutos finais de Carótida, composição de abertura de Volto Amanhã, ajudam a entender parte do caos particular que orienta o primeiro trabalho de estúdio do quarteto paulistano Besouro Mulher. “Viver é uma pequena parte / De um grande universo chamado eu“, canta a artista. É partindo justamente desse olhar para as próprias inquietações e conflitos internalizados que a banda, completa pelos músicos Arthur Merlino (baixo), Bento Pestana (guitarra) e Vitor Park (bateria), aponta a direção seguida até os últimos segundos do turbulento registro de estreia. São canções que encolhem e crescem a todo instante, assumindo percursos pouco usuais que arremessam o ouvinte de um canto a outro. E isso fica ainda mais evidente com a chegada de Torresmo. Originalmente apresentada por Juliana Perdigão e Arnaldo Antunes no álbum Folhuda (2019), a faixa reaparece de forma totalmente transformada pelo quarteto que não economiza na potência das guitarras e batidas sempre destacadas. Mesmo quando desacelera momentaneamente, como em Alguma Coisa, música que parece saída de algum disco de Mac DeMarco, há sempre um componente de ruptura que bagunça e amplia os rumos da obra, como a mudança no andamento da composição que se projeta de forma quebradiça, torta. Leia o texto completo.


#22. Julia Branco
Baby Blue (2023, Dobra Discos)

A gargalhada de Cora, filha de Julia Branco, logo nos momentos iniciais de Baby Blue, funciona como um indicativo sutil dos temas que serão explorados pela cantora e compositora mineira ao longo do segundo e mais recente trabalho de estúdio. Sequência ao material entregue em Soltar Os Cavalos (2018), o registro se aprofunda na temática da maternidade, porém, estabelece nas transformações vividas pela artista um catálogo de novas possibilidades e diferentes interpretações sobre o universo que a cerca. Uma vez apresentados os conceitos que movem o disco, Branco, sempre acompanhada pela produção caprichada de Ana Frango Elétrico, trata de cada composição como uma representação preciosa das próprias experiências, certezas e inseguranças. “E se a gente puder / Virar do avesso / O mundo inteiro? / morrer ao contrário / Eu e você”, questiona na introdutória faixa-título, música que não apenas destaca a riqueza dos versos, como a suavidade dos arranjos em um soul enevoado com ares de sábado à noite. São pinceladas instrumentais que rompem com a força avassaladora de Soltar Os Cavalos, porém, encantam na mesma proporção. Nada que impossibilite a construção de faixas marcadas pela urgência dos elementos. Leia o texto completo.


#21. Rico Dalasam
Escuro Brilhante, Último Dia No Orfanato Tia Guga (2023, Independente)

Meu grande passo em direção ao amor / Sou eu me levando no braço“, declama Rico Dalasam logo nos minutos iniciais de Doce, poema que inaugura o mais recente trabalho de estúdio do paulistano, Escuro Brilhante, Último Dia No Orfanato Tia Guga. Tão dolorosos quanto libertadores, os versos encaixados pelo rapper ajudam a entender a dualidade que movimenta o terceiro e último capítulo da trilogia iniciada com Dolores Dala Guardião do Alívio (2021) e seguida em Fim Das Tentativas (2022). São canções que tratam sobre amor, acolhimento e aceitação, mas que a todo momento estabelecem laços emocionais com o período de orfandade e transformações sentidas pelo artista da infância à vida adulta. Partindo dessa contrastante combinação de elementos, Dalasam garante ao público uma obra marcada em essência pela atmosfera ensolarada. Composições que esboçam um sorriso tímido, mas que em nenhum momento parecem consumidas pela ilusão cega de uma vida perfeita. “Dos futuros que não vejo hoje / É medo do que pode ser infinito“, rima em Espero Ainda, música que destaca esse esforço do rapper em seguir em frente, mirando o futuro de novas possibilidades, porém, sempre pontuada pela sobriedade dos versos que deixam luzir as cicatrizes emocionais e memórias de um passado ainda recente do compositor. Leia o texto completo.


#20. Carla Boregas
Pena Ao Mar (2023, iDEAL)

Os caminhos percorridos por Carla Boregas nem sempre são os mais acessíveis, mas com certeza são os mais interessantes. Conhecida pelo trabalho como integrante do Rakta, com quem lançou há quatro anos Falha Comum (2019), além de colaborações eventuais com músico Maurício Takara e as criações no Fronte Violeta, a multi-instrumentista paulistana que hoje reside em Berlim, na Alemanha, parece brincar com as possibilidades em Pena Ao Mar. Estreia em carreira solo, o registro de oito faixas funciona como um acumulo natural de tudo aquilo que Boregas tem produzido em mais de uma década de atuação, porém, estabelece na lenta e permanente desconstrução dos elementos seu principal componente criativo. Concebido em um processo de residência artística em Zurique, na Suíça, durante o ano de 2020, Pena Ao Mar avança em uma medida própria de tempo. Com Ações Em Paralelo como canção de abertura, Boregas apresenta parte dos elementos que serão incorporados e melhor explorados ao longo do trabalho. São ambientações acinzentadas que se completam pelo uso de texturas ocasionais, efeitos e captações de campo que garantem maior profundidade ao material. Sedimentações sintéticas que se revelam ao público em pequenas doses, formatando paisagens sonoras de maneira sempre granulada na cabeça do ouvinte. Leia o texto completo.


#19. Frederico Heliodoro
The Weight of the News (2023, Minaret Records)

Em The Weight of the News, a música de Frederico Heliodoro chega como um chamado à aventura. “Eu quero derrubar essas paredes entre nós / Descobrir o espaço sideral que vem após / Ver os meus zilhões de mundos / Saber que não estamos sós“, confessa o multi-instrumentista, cantor e compositor na introdutória Interestelar. Marcada pelo refinamento dos arranjos e melodias que parecem pensadas para grudar na cabeça do ouvinte logo em uma primeira audição, a faixa é apenas o princípio de uma seleção de outras composições marcadas pelo minucioso processo de criação e versos que ora se aprofundam em conflitos pessoais, ora detalham cenas e acontecimentos que cercam o artista mineiro. Primeiro registro de inéditas desde o material entregue em Acordar (2015), o trabalho de onze canções destaca o refinamento estético e aceno de Heliodoro para o passado. São composições que evocam as criações de veteranos como Guilherme Arantes, Lô Borges e Milton Nascimento, com quem excursionou na turnê A Última Sessão de Música, porém, preservando a identidade do músico mineiro. Um delicioso cruzamento de informações que confessa algumas das principais referências do compositor ao mesmo tempo em que estreita relações com diferentes instrumentistas vindos dos mais variados cantos do planeta. Leia o texto completo.


#18. Gabriel Milliet
Um (2023, Matraca Records / YB Music)

Muito embora acumule passagens por bandas como Grand Bazaar e Memórias de um Caramujo, difícil não pensar em Um como um exercício de reapresentação para Gabriel Milliet. Primeiro disco em carreira solo do cantor e compositor paulistano, o material contrasta a maciez dos arranjos com o lirismo angustiado do poeta que, ao mudar-se para Amsterdam, na Holanda, foi consumido pela saudade. “Não quero atrapalhar ninguém / Mas tá difícil de aguentar / Esse silêncio brutal / Essa distância fatal“, confessa na introdutória Silêncio Brutal, espécie de composição-síntese do registro. Partindo dessa abordagem tão entristecida quanto esperançosa, Milliet trata de cada canção como um objeto precioso. São delicadas paisagens instrumentais que passeiam em meio a versos descritivos, diferentes cenas e personagens de forma sempre detalhista. Um canto meio declamado que evoca nomes como Belchior, mas que em nenhum momento oculta a identidade e a capacidade do músico paulistano em transformar o ordinário em algo grandioso. Exemplo disso fica bastante evidente em Grande Hotel São João, composição que avança aos poucos, sem pressa, como um passeio sonoro pelas ruas de São Paulo. Leia o texto completo.


#17. Lupe de Lupe
Um Tijolo Com Seu Nome (2023, Balaclava Records / Geração Perdida)

O aglomerado de corpos que estampa a imagem de capa de Um Tijolo Com Seu Nome, uma fotografia da recifense Bruna Costa, ajuda a entender parte do insano atravessamento de informações proposto pela Lupe de Lupe no sexto e mais recente álbum de estúdio da carreira. São 24 composições, todas resolvidas em um intervalo de um a dois minutos de duração, em que a grupo formado por Gustavo Scholz, Jonathan Tadeu, Renan Benini e Vitor Brauer utiliza da aleatoriedade e fluidez dos elementos como um precioso componente de aproximação entre as faixas. Canções que vão de personagens a cenas simples do cotidiano, porém, violentamente retorcidas pelo som torto do quarteto. Nada acessível quando próximo do material entregue no registro anterior, Lula (2021), e pensado para ser ouvido no aleatório, Um Tijolo Com Seu Nome é, com perdão do trocadilho, uma verdadeira tijolada. Sem tempo para descanso e livre da verborragia que vez ou outra consome as criações da banda, cada nova composição abre passagem para a música seguinte, convidando o ouvinte a se perder em um turbulento exercício criativo que converte em ruído as angústias de diferentes indivíduos. É como um regresso à urgência explícita nos primeiros trabalhos de estúdio do quarteto, caso de Recreio (2011) e Sal Grosso (2012), porém, utilizando de uma crueza poucas vezes antes percebida no som produzido pelo grupo. Leia o texto completo.


#16. Bruno Bruni
Broovin III (2023, Matraca Records / YB Music)

Terceiro e mais recente capítulo da série iniciada há cinco anos, Broovin 3 mostra Bruno Bruni em sua melhor forma. Inaugurado por You’re Alive, bem-sucedido encontro com a cantora e compositora Laura Lavieri, o registro de sete faixas captura a atenção do ouvinte logo nos momentos iniciais. São pouco menos de sete minutos em que o pianista, sempre acompanhado por um time seleto de colaboradores, conduz o trabalho em direção ao passado e confessa algumas de suas principais referências sem necessariamente fazer disso o estímulo para uma obra consumida pela nostalgia barata. Uma vez estabelecido dentro do disco, o ouvinte é constantemente bombardeado por uma combinação de elementos que vai do jazz ao funk, da música brasileira ao pop em uma abordagem que facilmente se perderia nas mãos de um artista iniciante, mas que reverbera de maneira consistente aos comandos de Bruni. Exemplo disso fica bastante evidente no que talvez seja a principal canção do trabalho, Call Me. Com vozes de Marina Marchi, a faixa de essência abrasiva parte dos encontros e desencontros de um casal, porém, cresce no colorido atravessamento de informações e ritmos que mesmo íntimos de veteranos como Marcos Vale e Hermeto Pascoal, em nenhum momento ocultam a identidade criativa de músico paulistano. Leia o texto completo.


#15. Inês É Morta
Ilha (2023, Independente)

O timbre metálico da guitarra, a linha de baixo destacada e uma bateria seca, por vezes matemática. Em um intervalo de poucos minutos, somos prontamente transportados para dentro do cenário acinzentado que marca o primeiro trabalho de estúdio do grupo Inês É Morta, Ilha. Importante nome do underground paulistano, o quarteto formado por Camila Kohn, Daniel Lima, Lucas Krokodil e Danilo Grilo aponta esteticamente para a música produzida entre o final dos anos 1970 e início da década de 1980, porém, estabelece na escolha dos temas e versos sempre sufocantes um diálogo com o presente. “Sinto medo de você / Sinto medo de mim“, repete Kohn na urgente Sinto Medo, música que não apenas sintetiza parte das angústias que consomem o disco, como sustenta na completa fluidez dos arranjos e andamento rítmico parte da arquitetura instrumental que orienta a formação das canções. Enquanto os versos soam como uma manifestação poética do caos cotidiano que invade qualquer centro urbano, guitarras carregadas de efeitos vão de encontro ao mesmo território soturno de veteranos do pós-punk brasileiro, como As Mercenárias e Vzyadoq Moe. Nada que comprometa a identidade criativa do quarteto. Leia o texto completo.


#14. Ava Rocha
Néktar (2023, YB Music)

Néktar, como tudo aquilo que Ava Rocha tem apresentado desde o início da década passada, é um álbum difícil de ser saboreado logo em uma primeira audição. Mesmo conciso e moldado como o registro mais acessível já revelado pela cantora e compositora carioca, são necessários alguns regressos e boas goladas até que o trabalho produzido em parceria com Jonas Sá e Thiago Nassif seja integralmente absorvido pelo ouvinte. Uma exercício que parte da simplificação dos elementos quando próximo do antecessor Trança (2018), mas que revela diferentes texturas, sabores e possibilidades. Passagem para esse cenário tão realista quanto idílico, Baby, É Tudo Um Sonho, com seus sintetizadores e percussão sempre calculada, apresenta parte das regras e elementos que serão incorporados pela cantora ao longo do trabalho. São versos marcados pela força dos sentimentos, canções que tratam sobre encontros e desencontros, e pequenas manifestações poéticos que deixam transbordar a essência feminina de Rocha, conceito que tem sido incorporado desde o introdutório Diurno (2011), aprimorado em Ava Patrya Yndia Yracema (2015), mas que ganha novo e curioso tratamento nas criações que embalam o presente disco. Leia o texto completo.


#13. Ian Ramil
Tetein (2023, Independente)

O que mais me fascina no trabalho de Ian Ramil não é a capacidade do cantor e compositor gaúcho em transitar por entre estilos de forma sempre imprevisível, mas em fazer com que peças tão contrastantes se encaixem de maneira harmônica dentro de cada novo álbum de estúdio. Terceiro e mais recente disco de inéditas do artista, Tetein é o exemplo máximo disso. Dividido entre cantigas ensolaradas que buscam inspiração na própria filha, Nina, e composições que parecem pensadas para atormentar jovens adultos, o material vai de um canto a outro sem necessariamente parecer inconsistente. Com a própria faixa-título como música de abertura, Ramil se apresenta ao público de forma convidativa, acolhe e confessa sentimentos. “Posso passar o dia viajando em vocês“, canta em meio a arranjos de cordas e melodias que parecem resgatadas de algum disco de Brian Wilson. Porém, essa é apenas uma das diferentes propostas criativas incorporadas pelo artista no decorrer do trabalho. Passado o interlúdio de Canção de Chapeuzinho Vermelho, dividido com a filha, o compositor abre passagem para o lado mais sombrio da obra, feito reforçado com a chegada de Macho-Rey, uma análise minuciosa sobre a temática da masculinidade tóxica e uma síntese das inquietações urbanos que surgem e desaparecem pelo registro. Leia o texto completo.


#12. Jards Macalé
Coração Bifurcado (2023, Biscoito Fino)

Amor, matéria-prima há muito desgastada, surge como o principal ingrediente do mais recente trabalho de estúdio de Jards Macalé, Coração Bifurcado. Entretanto, ao mergulhar nas canções do registro que tem direção artística assinada em colaboração com Romulo Fróes, parceiro desde Besta Fera (2019), não espere pelo óbvio. Como tudo aquilo que o cantor, compositor, ator e violonista carioca tem produzido em mais de cinco décadas de carreira, experiências, temas e sentimentos talvez comuns são deliciosamente corrompidos pela poesia labiríntica e vozes sempre carregadas do músico fluminense. Acompanhado de Guilherme Held (guitarra), Pedro Dantas (baixo), Thomas Harres (bateria, percussão) e Rodrigo Campos (guitarra, cavaquinho e percussão), também responsáveis pela produção do material, Macalé sintetiza logo na introdutória Amor In Natura parte das temáticas e da sonoridade que orienta a experiência do ouvinte ao longo da obra. “O amor pode tudo, o amor não pode nada“, canta em meio a camadas de guitarras e estruturas espiraladas que dão voltas na cabeça do ouvinte, reforçando o misto de obsessão, entrega, desejo e doce delírio estimulado pelo amor em suas diferentes formas de interpretação. Leia o texto completo.


#11. Dadá Joãozinho
Tds Bem Global (2023, Innovative Leisure)

Tds Bem Global é um desses discos difíceis de serem explicados em palavras. Estreia em carreira solo de Dadá Joãozinho, identidade adotada pelo cantor e compositor João Rocha, um dos integrantes da banda fluminense Rosabege, o registro estabelece na permanente desconstrução dos elementos, criativa combinação de estilos e passeios pelos mais variados campos da música o estímulo para a formação de um rico repertório que muda de direção a todo instante. São fragmentos de vozes, paisagens instrumentais que tendem ao jazz e sobreposições que jogam com a interpretação do ouvinte. Embora regido pela imprevisibilidade e sempre inusitada costura de ritmos, o trabalho está longe de soar como uma obra inacessível ou difícil de ser interpretada. Tendo Ô Lulu como música de abertura, Rocha entrega uma série de pistas e apresenta parte dos conceitos que serão explorados ao longo do material. Enquanto elementos da letra se aprofundam no caos urbano e nas implicações capitalistas para sobreviver em uma cidade como São Paulo (“Desce, desce, desce, desce no metrô …. Quer fazer dindin’ nessa cidade do caralho“), minutos à frente, o compositor reflete sobre a saudade de casa e o peso das lembranças de uma vida pacifica que ficou para trás (“Falta o mar lá de casa / Lembro quando eu cantava lá de casa“). Leia o texto completo.


#10. Letrux
Letrux Como Mulher Girafa (2023, Independente)

Ruídos animalescos, sentimentos avassaladores e momentos de intensa vulnerabilidade emocional. Poucas vezes antes Letícia Novaes pareceu tão exposta quanto no fino repertório de Letrux Como Mulher Girafa. Terceiro e mais recente trabalho de estúdio da cantora e compositora carioca como Letrux, o registro funciona como um passeio pela alma e mente da artista tijucana, porém, de forma libertadora. É como uma resposta ao material entregue durante o lançamento do contemplativo Letrux Aos Prantos (2020), proposta que vai do rico tratamento dado aos arranjos à potência das batidas e vozes. “Te cacei pra mim, te tirei o couro, tripas pra fora, tratei com amor / Embora não pareça, foi com amor que eu te destrinchei“, confessa logo nos minutos iniciais do disco, em As Feras, Essas Queridas, composição que se espalha em meio a sintetizadores predatórios e batidas ritualísticas, indicando a potência do som incorporado ao longo da obra. Parte desse resultado vem da escolha da artista em colaborar em estúdio com João Brasil, produtor que resgata a essência dançante do material entregue em Letrux em Noite de Climão (2017), porém, de forma essencialmente orgânica, destacando o uso dos instrumentos e texturas. Leia o texto completo.


#9. terraplana
Olhar Pra Trás (2023, Balaclava Records)

Passado o quase intransponível bloco de ruídos que se ergue nos minutos iniciais, Olhar Pra Trás, estreia do grupo curitibano terraplana, abre passagem para um território consumido pela dor, lembranças de um passado recente e momentos de maior vulnerabilidade emocional. “Não sei o que é real / Sem olhar pra trás“, confessa Stephani Heuczuk (voz, baixo), reforçando o peso da memória que paira sobre o trabalho. É como um doloroso exercício de libertação, mas que a todo momento tropeça nas próprias recordações, direcionamento que se completa pelo som granulado produzido em parceria com Vinícius Lourenço (voz, guitarra), Cassiano Kruchelski (voz, guitarra) e Wendeu Silverio (bateria). Uma vez imerso nesse cenário de emanações ruidosas que apontam para a obra de veteranos como My Bloody Valentine e Slowdive, cada faixa parece pensada para potencializar a forte carga emocional que consome o disco. Exemplo disso fica ainda mais evidente com a chegada de Conversas, música que se espalha em meio a guitarras sempre carregadas de efeitos e uma combinação equilibrada entre a bateria e a linha de baixo. “Já cansei de esperar / Você aprender com seus erros / Mas sei que se eu tentar mudar / vou me arrepender“, cresce a letra da canção, reforçando o aspecto contemplativo que embala o material. Leia o texto completo.


#8. Rodrigo Ogi
Aleatoriamente (2023, Independente)

Rodrigo Ogi é um cronista urbano que encontrou no rap uma maneira de levar ao público as diferentes perspectivas envolvendo personagens que atravessam as paisagens acinzentadas de São Paulo. Desde a estreia com Crônicas Da Cidade Cinza (2011), passando pelo posterior RÁ! (2015) e o EP Pé No Chão (2017), sobram momentos em que o artista paulistano se aventura na construção de composições que detalham cenas e acontecimentos de forma quase documental, como um registro poético do caos social, violência e pequenas angústias que consomem o cotidiano de inúmeros indivíduos. Realidade convertida em rima, mas que alcança um caráter quase surrealista no fino repertório de Aleatoriamente. Com produção assinada por Kiko Dinucci, com quem o rapper havia colaborado anteriormente, o registro traz de volta a mesma fluidez e riqueza de detalhes explícita no repertório de Crônicas Da Cidade Cinza, porém, substitui a crueza poética do álbum lançado há mais de uma década por um exercício criativo que tende ao delírio. Para além dos personagens de carne e osso, Ogi agora materializa sentimentos e criaturas fantásticas que atravessam as ruas de São Paulo em um exercício imaginativo que expande os limites da própria criação. É como um incessante atravessamento de informações, ritmos e novas possibilidades. Leia o texto completo.


#7. Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo
Música Do Esquecimento (2023, Risco)

A massa de ruídos logo nos minutos iniciais de Minha Mãe É Perfeita, canção de abertura em Música Do Esquecimento, ajuda a entender parte da mudança de direção adotada pelos membros do grupo paulistano Sophia Chablau e Uma Enorme Perda de Tempo no segundo e mais novo trabalho de estúdio. Denso, como se rompesse com a leveza instalada no homônimo disco entregue há dois anos, o registro produzido pelo compositor e pianista Vitor Araújo evidencia o esforço do quarteto em ampliar o próprio campo de atuação. São composições que destacam um amadurecimento talvez forçado, mas que em nenhum momento parecem ocular a poética bem-humorada e frescor tão característico da banda. Não por acaso, Segredo foi a primeira composição do trabalho a ser revelada ao público. Enquanto os versos refletem a melancolia impregnada nos romances de membros da comunidade LGBTQIA+ (“Mas se você quiser / Eu viro um segredo seu / Não faço barulho nem chamo atenção / De ninguém“), batidas e guitarras urgentes levam o disco para outra direção, rompendo com qualquer traço de sobriedade e estimulando o ouvinte a dançar. São estruturas contrastantes e dinâmicas pouco usuais que tornam a experiência de ouvir o material sempre satisfatória e totalmente imprevisível, reforçando a versatilidade em estúdio do grupo formado pelos músicos Sophia Chablau, Téo Serson, Theo Ceccato e Vicente Tassara. Leia o texto completo.


#6. Rodrigo Campos
Pagode Novo (2023, YB Music)

Isolado por conta da pandemia de Covid-19, Rodrigo Campos fez desse momento de parcial reclusão o estímulo para provar de novas possibilidades e estreitar relações mesmo sem sair de casa. Afinal, se o sambista não vai até o pagode, o pagode vai até o sambista. Utilizando de um celular como elemento de interação e registro do mundo externo, o cantor, compositor e multi-instrumentista estabeleceu as bases para a música geográfica de Pagode Novo. São canções investigatórias que partem do pagode como um espaço físico de celebração e um ritmo com características pré-determinadas pela indústria e seus realizadores, mas que se transforma em um componente a ser reconfigurado pelo artista. Marcado pela forte sensação de movimento, contrastando com o espaço doméstico a qual o compositor foi reduzido durante o período pandêmico, Pagode Novo segue a trilha dos antigos trabalhos do músico que já criou residências sonoras em São Mateus, Bahia, Japão ou mesmo nos quintais do samba. São composições descritivas que partem de observações minuciosas, por vezes radiográficas, de cenários, acontecimentos e personagens. Um espaço conceitual que vez ou outra tende ao conforto quando voltamos os ouvidos para o extenso repertório de Campos e suas contribuições paralelas, mas que acaba tensionando seus limites. Leia o texto completo.


#5. Polara
Partilha (2023, Burning London Records)

Parece até que foi ontem que corri para baixar Inacabado (2008), último trabalho de estúdio da recém-dissolvida Polara. E talvez tenha sido ontem mesmo, afinal, desde que foi revelado ao público, há 15 anos, o então derradeiro segundo álbum de inéditas do grupo paulistano nunca mais saiu dos fones de ouvido. Para além dessa relação pessoal, o disco, assim como o lançamento anterior, Tempestade Bipolar (2005), se manteve vivo em uma infinidade de outras obras vindas posteriormente, vide as criações de artistas como Raça, eliminadorzinho e Ombu. É como se a essência da banda estivesse ali, em fogo baixo, porém, sempre presente, apenas aguardando o que se concretiza agora com Partilha. Primeiro disco de inéditas da Polara em mais de uma década, o registro de dez faixas mostra uma banda tão afiada e potente quanto em seus anos iniciais. Hoje formado pelos músicos Carlos Dias (voz), Mario Cappi (guitarra), André Satoshi (baixo) e Fernando Cappi (bateria), o grupo continua a se aventurar na entrega de canções marcadas por temáticas urbanas, relacionamentos incertos e crises existenciais. São composições marcadas pela urgência dos elementos, como um inquietante fluxo de pensamentos que parte do cenário ao redor, mas a todo momento regressa aos tormentos pessoais que se conectam ao ouvinte. Leia o texto completo.


#4. Cabezadenego / Leyblack / Mbé
Mimosa (2023, QTV)

“Disco-manifesto”, “estudo” ou “experiência”. Termos não faltam para definir o tipo de som produzido por cabezadenego, Leyblack e Mbé dentro do colaborativo Mimosa. Entretanto, as interpretações são muitas e o caminho percorrido pelo trio ao longo da obra está longe de qualquer traço de linearidade. Fruto da parceria entre o multiartista mineiro e a dupla de produtores cariocas, o trabalho parte de uma reinterpretação totalmente particular do funk dos anos 1990 e 2000, porém, se estende a outros ritmos afrobrasileiros historicamente perseguidos e criminalizados, entre eles o samba, o rap e o drum and bass. Concebido a partir de um intenso processo de colaboração entre os três artistas na Convocatória Aberta Permanente do Etopia Centro de Arte e Tecnologia, em Zaragoza, na Espanha, Mimosa é uma dessas obras que se revela aos poucos. São investigações sonoras, sobreposições e retalhos que partem de onde Mbé parou há dois anos, durante o lançamento do introdutório Rocinha (2021). Entretanto, enquanto o disco que apresentou o produtor carioca utiliza de uma abordagem quase contemplativa, com o presente álbum o trio segue o caminho oposto, concentrando na força das batidas um componente de movimento e ruptura. Leia o texto completo.


#3. Ana Frango Elétrico
Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua (2023, Risco / Mr Bongo / Think! Records)

Me Chama de Gato Que Eu Sou Sua é uma verdadeira carta de amor de Ana Frango Elétrico à música brasileira. Sequência ao material entregue no bem-sucedido Little Electric Chicken Heart (2019), o trabalho parte de uma audição atenta sobre a produção nacional entre os anos 1970 e 1980, aponta para a obra de veteranos da indústria, principalmente personagens que atuaram nos bastidores, mas em nenhum momento deixa de lado a vulnerabilidade poética. São composições que destacam a força dos sentimentos, estreitam laços e reverberam para além de qualquer qualidade técnica. “Pegue o que quiser de mim / Me plante agora em seu jardim / E se eu murchar, me regue / Insista em mim“, clama na delicada Insista Em Mim, composição em que confessa algumas de suas principais referências, porém, preservando a própria identidade criativa. São ecos de nomes importantes como Roberto Carlos e Cassiano, arranjos que destacam o encontro entre a música brasileira e o soul norte-americano, porém, preservando a relação com o núcleo emocional que serve de sustento à obra. É como um fino componente de amarra que aproxima o repertório essencialmente diverso e sempre detalhista desenvolvido por Ana. Leia o texto completo.


#2. Luiza Lian
7 Estrelas | Quem Arrancou O Céu? (2023, Risco / ZZK Records)

Do solo lamacento de um cenário consumido pelas incertezas e o caos urbano, floresce o repertório de 7 Estrelas | Quem Arrancou O Céu?. Quarto e mais recente álbum de estúdio de Luiza Lian, o registro que teve suas músicas compostas ainda em 2019, antes do período pandêmico, pinta um retrato sombrio do Brasil em seus anos mais recentes, profetiza o óbvio diante de um governo vil e perverso (“Todo mundo morto / Todo mundo morto“), porém, estabelece na força dos sentimentos uma importante ferramenta de transformação poética que acolhe, envolve e conduz a experiência do ouvinte. Sequência ao material entregue em Azul Moderno (2018), o registro produzido e composto em parceria com Charles Tixier funciona tanto como uma crônica da época em que vivemos, como um mergulho na mente e nas inquietações de Lian. “Pode ser que eu esteja aqui por todos os motivos errados / Mas eu estou aqui“, reflete na já conhecida Eu Estou Aqui, música que levanta uma série de questões (“Onde é o fim do mundo? / Que horas chega o futuro? / Qual altura desse muro?“), porém, segue firme em suas convicções (“Por mais fundo que seja o fundo do mar o mar tem fundo“). Um misto de insegurança e necessidade de seguir em frente, dualidade que fatia o disco em duas metades, mesmo preservando sua homogeneidade. Leia o texto completo.


#1. Mateus Fazeno Rock
Jesus Ñ Voltará (2023, Independente)

No escapismo diário do rock de apartamento que invade as plataformas de streaming, Jesus Ñ Voltará é uma obra que nos aproxima da realidade. Segundo e mais recente trabalho de estúdio do cantor e compositor cearense Mateus Fazeno Rock, o sucessor de Rolê Nas Ruínas (2020) se projeta como um registro talvez indigesto, porém, necessário. São canções sobre começos e fins de vida que partem das experiências do músico na periferia de Fortaleza, mas que se estendem para além de possíveis limites geográficos. Um espaço conceitual onde dor, afeto e morte se cruzam a todo instante. Regido pela sobriedade poética de quem independe da muleta imaterial da esperança, o disco produzido em parceria com glhrmee, Agê e Caiô diz a que veio logo nos minutos iniciais, na introdutória faixa-título. Completa pela participação de Jup do Bairro, a composição que se divide entre o canto e a rima aponta a direção seguida no restante da obra, reforçando a lírica consciente que orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução do registro. “A autodestruição começa quando descobrimos quem somos“, alerta enquanto reapresenta seu “rock de favela”, conceito que tem sido incorporado desde o álbum anterior. Leia o texto completo.


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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.