Os Melhores Discos de 2023 (Até Agora)

/ Por: Cleber Facchi 19/06/2023

Com um primeiro semestre bastante movimentado, 2023 trouxe uma enxurrada de obras importantíssimas para a cena brasileira e internacional. Mas quais são os grandes lançamentos dos últimos seis meses? Para responder a essa pergunta, trago uma seleção com 50 discos que vão do rock à música eletrônica, do samba ao pop em uma colorida combinação de estilos e artistas. Cada trabalho é uma peça única no quebra-cabeça musical deste ano, contribuindo para a formação de um cenário musicalmente diverso e repleto de boas surpresas. Sentiu falta de algum álbum? Aproveite para compartilha essa lista com os seus registros favoritos.



ÀIYÉ
Transes (2023, Balaclava Records)

Cheguei à conclusão que esse é disco é uma encruzilhada“, reflete Larissa Conforto, a ÀIYÉ, logo nos minutos iniciais de Transes. Muito embora essa percepção esteja diretamente relacionada às vivências da artista dentro da umbanda, difícil não pensar no primeiro álbum de estúdio da cantora, compositora, produtora e percussionista carioca como um ponto de convergência para que diferentes referências estéticas, rítmicas e poéticas sejam cuidadosamente entrelaçadas. Um permanente cruzamento de ideias que vai da montagem das composições à diversidade expressa na imagem de capa. Partindo desse abordagem, cada fragmento do disco se revela ao público como um objeto de estudo. São canções montadas a partir de diferentes componente rítmicos, manifestações da forte religiosidade de Conforto e pequenas exposições sentimentais que ampliam o repertório entregue no registro anterior, o EP Gratitrevas (2020). “Cê fica mais linda sem essa onda de caça e caçador / Solta esse carão, deixa eu te chamar de amor“, canta na introdutória Onda, música que não apenas soa como um convite para o restante da obra, como encanta pela colorida sobreposição de elementos, destacando a versatilidade de ÀIYÉ. Leia o texto completo.


Amaarae
Fountain Baby (2023, Interscope)

De Kali Uchis ao rapper Stormzy, de Janelle Monáe a Kaytranada, não foram poucos os artistas que nos últimos anos buscaram estreitar laços com Amaarae. E não poderia ser diferente. Com o lançamento do primeiro trabalho de estúdio, The Angel You Don’t Know (2020), a cantora nova-iorquina que cresceu em Acra, capital de Gana, se transformou um dos nomes mais interessantes e cobiçados do cenário cultural africano. Dona de uma voz única e utilizando de uma colorida combinação de ritmos, a jovem parece ter conquistado um espaço que pertence somente à ela, feito reforçado em Fountain Baby (2023). Marcado pelo frescor das batidas e riqueza de detalhes durante toda a execução do material, Fountain Babyse revela aos poucos, porém, captura a atenção do ouvinte sem grandes dificuldades. Inaugurado em meio a arranjos de cordas que embalam a introdutóriaAll My Love, o trabalho logo desemboca em uma doce combinação de elementos percussivos e versos sempre provocativos. “Me coma de um jeito lento e sutil / Você não quer provar? / Só para começar, paciência virtuística / Pegue porque você merece“, atiça em Angels in Tibet, composição que prepara o terreno para o que será entregue no restante da obra. Leia o texto completo.


Avalon Emerson
& The Charm (2023, Another Dove)

Nome importante da cena eletrônica Avalon Emerson acumula uma sequência de faixas prontas para as pistas, remixes para nomes importantes como Robyn, Four Tet, Slowdive e Christine and The Queens, além de passagens em coletâneas como a série DJ-Kicks. Entretanto, ao mergulhar no primeiro álbum de estúdio da carreira, & The Charm, a produtora, cantora e compositora norte-americana decidiu investir em uma abordagem diferente. São composições que deixam as batidas em segundo plano para destacar a construção dos arranjos, melodias e vozes sempre marcadas pela força dos sentimentos. Música de abertura do trabalho, a já conhecida Sandrail Silhouette sintetiza de forma bastante eficiente esse resultado. Enquanto os versos soam como um convite (“Conte-me sobre sua vida / Eu quero ouvir sobre seus sonhos“), guitarras carregadas de efeitos, batidas e ambientações etéreas e transportam o ouvinte para um mundo mágico. É como se Emerson partilhasse do mesmo pop etéreo de veteranos como Cocteau Twins, porém, aterrizando na psicodelia dançante do Primal Scream. Um misto de passado e presente que orienta de forma sensível a experiência do público durante toda a execução do material. Leia o texto completo.


Billy Woods & Kenny Segal
Maps (2023, Backwoodz Studioz)

Mesmo com o recente anúncio da Organização Mundial da Saúde sobre o fim do estado de emergência envolvendo a Pandemia de Covid-19 e a normalização vivida no último ano, o mundo e a forma como nos relacionamos em sociedade mudou. Vem justamente desse olhar crítico para um novo modelo de vida e as emoções experienciados durante o período de reabertura o estímulo para o rico repertório de Maps. Segundo registro da parceria entre o rapper Billy Woods e o produtor Kenny Segal, o trabalho combina cenas, personagens, histórias e sentimentos enquanto passeia por diferentes cenários. “Crianças, você e seus amigos vão ter que começar de novo / Não há nada que você possa fazer com a gente, estamos fodidos“, rima em Year Zero, música em que parte desse cenário pós-apocalíptico para refletir sobre a vida em comunidade, violência, evolução e negritude, conceitos anteriormente testados por Woods em Aethiopes (2022), porém, partindo de um precioso senso de renovação. São Frações poéticas marcadas pela forte sensação de movimento, como um delirante fluxo de pensamento que busca detalhar parte das inquietações do artista desde que botou o pé na estrada para excursionar nos últimos meses. Leia o texto completo.


Black Country, New Road
Live At Bush Hall (2023, Ninja Tune)

Com a saída do vocalista e principal compositor, o músico Isaac Wood, parecia bastante natural que os membros remanescentes do Black Country, New Road anunciassem o encerramento das atividades da banda. Entretanto, para a surpresa do público, o grupo formado por Tyler Hyde, Lewis Evans, Georgia Ellery, May Kershaw, Charlie Wayne e Luke Mark não apenas seguiu com a turnê de divulgação do álbum Ants From Up There (2022), como mergulhou na produção de um novo repertório de inéditas, estímulo para o material brilhantemente apresentado pelo coletivo inglês em Live at Bush Hall. Gravado ao vivo, em duas apresentações no Bush Hall, um clube centenário localizado na região oeste da cidade de Londres, o registro de nove faixas evidencia as novas dinâmicas do grupo que agora conta com a atuação de três vocalistas nos palcos, Hyde, Kershaw e Evens. É como um espaço aberto à interação, descoberta e busca por diferentes possibilidades, mas que em nenhum momento diminui o refinamento técnico e uso de temas orquestrais que tem sido cuidadosamente explorados pelos membros do Black Country, New Road desde a entrega do primeiro trabalho de estúdio, o elogiado For the First Time (2021). Leia o texto completo.


Boygenius
The Record (2023, Interscope)

Um espaço para compartilhar memórias traumáticas, momentos de maior vulnerabilidade e sentimentos. Essa tem sido a principal função do Boygenius desde que Phoebe Bridgers, Lucy Dacus e Julien Baker entraram em estúdio pela primeira vez para investir em um projeto colaborativo. Depois de um processo de experimentação que resultou em um autointitulado EP de estreia, o trio norte-americano volta a se encontrar em The Record, trabalho que preserva o lirismo confessional incorporado ao registro anterior, porém, potencializa o caráter emocional e evidente entrega de cada integrante da banda. “Fale comigo / Até que sua história não seja nenhum mistério para mim“, cresce o delicado coro de vozes na introdutória Without You Without Them, composição que não apenas reforça o caráter acolhedor do registro, como prepara o terreno para tudo aquilo que será apresentado pelo trio ao longo da obra. São canções que partem de experiências particulares vividas durante o período de isolamento social, resgatam lembranças empoeiradas e sustentam na permanente sobreposição de vozes um componente que parece alavancar os sentimentos, temas e diferentes narrativas incorporadas pelo trio no decorrer do trabalho. Leia o texto completo.


Carla Boregas
Pena Ao Mar
(2023, iDEAL)

Os caminhos percorridos por Carla Boregas nem sempre são os mais acessíveis, mas com certeza são os mais interessantes. Conhecida pelo trabalho como integrante do Rakta, com quem lançou há quatro anos Falha Comum (2019), além de colaborações eventuais com músico Maurício Takara e as criações no Fronte Violeta, a multi-instrumentista paulistana que hoje reside em Berlim, na Alemanha, parece brincar com as possibilidades em Pena Ao Mar. Estreia em carreira solo, o registro de oito faixas funciona como um acumulo natural de tudo aquilo que Boregas tem produzido em mais de uma década de atuação, porém, estabelece na lenta e permanente desconstrução dos elementos seu principal componente criativo. Concebido em um processo de residência artística em Zurique, na Suíça, durante o ano de 2020, Pena Ao Mar avança em uma medida própria de tempo. Com Ações Em Paralelo como canção de abertura, Boregas apresenta parte dos elementos que serão incorporados e melhor explorados ao longo do trabalho. São ambientações acinzentadas que se completam pelo uso de texturas ocasionais, efeitos e captações de campo que garantem maior profundidade ao material. Sedimentações sintéticas que se revelam ao público em pequenas doses, formatando paisagens sonoras de maneira sempre granulada na cabeça do ouvinte. Leia o texto completo.


Caroline Polachek
Desire, I Want To Turn Into You
(2023, Perpetual Novice)

Embora tratada como iniciante por aqueles que descobriram seu trabalho no lançamento de Pang (2019) ou mesmo durante a turnê de divulgação de Future Nostalgia (2020), Caroline Polachek está longe de parecer uma novata. Perto de completar duas décadas de carreira, a cantora, compositora e produtora norte-americana acumula três ótimos registros com a extinta banda ChairliftDoes You Inspire You (2008), Something (2012) e Moth (2016) –, um álbum com sob o pseudônimo de Ramona Lisa, Arcadia (2014), o experimental Drawing the Target Around the Arrow (2017), lançado com o nome de CEP, além de boas colaborações com Beyoncé, Charli XCX, Flume e Christine and The Queens. Um vasto e invejável currículo que parece desembocar no fino repertório de Desire, I Want To Turn Into You. Segundo e mais recente trabalho de estúdio da artista em carreira solo, o registro de doze faixas soa como um acumulo natural do que há de mais provocativo no som produzido por Polachek. São composições que estreitam relações com diferentes colaboradores, estilos e tendências, porém, de forma pouco usual, tencionando os limites do pop tradicional. Da música flamenca ao colorido tropical que serve de base para Sunset, passando pela gaita de fole às guitarras que surgem de maneira nada discreta em Blood and Butter, cada fragmento parece pensado e encaixado pela artista para brincar com a interpretação do ouvinte. Leia o texto completo.


Domenico Lancellotti
Sramba
(2023, Mais Um)

Filho do compositor Ivor Lancellotti, Domenico Lancellotti cresceu cercado pelo samba, porém, sempre encontrou mecanismos para perverter o gênero. Quarto e mais recente trabalho de estúdio da cantor, compositor, percussionista e produtor carioca em carreira solo, Sramba funciona como uma boa representação desse resultado. Produto da imersão entre Lancelloti e o multi-instrumentista Ricardo Dias Gomes no estúdio do artista que hoje reside em Portugal, o trabalho parte de um diálogo com o estilo pré-bossa nova, porém, estabelece no uso de estruturas eletrônicas um componente de ruptura. Não por acaso, a primeira coisa que ouvimos em Sramba é a percussão sintética de Erê, composição que utiliza de uma abordagem ritualística, preparando o terreno para a inserção das guitarras sempre carregadas de efeitos e sobreposições que parecem saídas de um terreiro afrofuturista. Esse mesmo resultado fica ainda mais evidente com a canção seguinte, Um Abraço No Faust, música que referencia ohomônimo grupo germânico de krautrock, mas que em nenhum momento deixa de estreitar lanços com a produção brasileira, lembrando as criações solitárias de Baden Powell ou mesmo a obra de Luiz Bonfá. Leia o texto completo.


Everything But The Girl
Fuse
(2023, Buzzin’ Fly / Virgin)

O tempo só favoreceu a obra do Everything But The Girl. Mais de duas décadas após o lançamento do último trabalho de estúdio, Temperamental (1999), o casal formado pela cantora e compositora Tracey Thorn e o produtor Ben Watt estão de volta com um novo registro de inéditas, Fuse. São dez composições em que a dupla britânica segue de onde parou no início dos anos 2000, porém, partindo de um delicado senso de atualização que se reflete na produção minuciosa que orienta a formatação das batidas e bases, mas que ganha ainda mais destaque no refinamento dado aos versos. “Beije-me enquanto o mundo decai / O que temos a perder?“, provoca Thorn na introdutória Nothing Left To Lose, música que destaca a voz impecável da cantora inglesa e uma passagem para o ambiente marcado pelas sensações que orienta a experiência do ouvinte. É como um regresso ao mesmo território criativo explorado pelos dois artistas em obras como Amplified Heart (1994) eWalking Wounded (1996), quando narrativas urbanas e personagens consumidos pelos próprios sentimentos serviram de base para algumas das principais criações do casal, conceito que volta a se repetir no repertório do presente álbum. Leia o texto completo.


Fabiano Do Nascimento
Lendas (2023, Now-Again Records)

Cada vez menos solitário dentro de estúdio, Fabiano Do Nascimento tem atuado em companhia de um time seleto de instrumentistas. Poucos meses após o lançamento de Rio Bonito (2022), trabalho em que contou com a colaboração do baixista Itiberê Zwarg, músico conhecido pelas criações em parceria com Hermeto Pascoal, o violonista fluminense está de volta com outro registro marcado pela criativa troca de experiências. Intitulado Lendas, o álbum de oito faixas parte do violão sempre minucioso do artista, porém, se completa pelos arranjos de cordas assinados pelo compositor Vittor Santos. Inaugurado pela sutileza de Retratos, Lendas apresenta parte dos elementos que serão incorporados pelo instrumentista ao longo da obra. Do violão imprevisível que assume diferentes formatações, passando pela percussão complementar, cada elemento parece cuidadosamente planejado pelo músico que há anos reside na cidade de Los Angeles, Califórnia. É como um lento desvendar de informações, estrutura que se completa pelas orquestrações de Santos, componente que ganha ainda mais destaque na composição seguinte, Fonte, criação que encolhe e cresce a todo instante, jogando com a interpretação do ouvinte. Leia o texto completo.


Feeble Little Horse
Girl With Fish (2023, Saddle Creek)

Entre camadas de guitarras, texturas e ruídos, a voz doce de Lydia Slocum, sempre contrastante, repete: “Eu sei que você me quer louca / Eu sei que você me quer louca“. É partindo justamente desse cenário caótico, onde bases altamente distorcidas se completam pela força dos sentimentos, que os membros do Feeble Little Horse apresentam o segundo álbum de estúdio da carreira, Girl With Fish (2023). Sequência ao material entregue em Hayday (2021), o trabalho preserva a essência do registro que o antecede, porém, potencializa tudo aquilo que existe de mais turbulento no som da banda de Pittsburgh. Concebido em meio a momentos de calmaria e delirante experimentação, o registro de onze faixas utiliza dessas pequenas oscilações como estímulo para o fortalecimento do álbum. São canções que parecem resgatadas de antigas fitas cassete, estabelecem diálogos com a produção dos anos 1990 e encontram no permanente atravessamento de informações um precioso componente criativo para tensionar e manipular a experiência do ouvinte durante toda a execução do material. É como uma soma do que existe de mais insano na mente de Slocum e seus parceiros de banda, Ryan Walchonski, Sebastian Kinsler e Jacob Kelley. Leia o texto completo.


Feist
Multitudes (2023, Interscope / Polydor)

Multitudes é exatamente o tipo de obra que você poderia esperar de Feist. Do momento em que tem início, na já conhecida In Lightning, todos os elementos que fizeram da cantora e compositora canadense um dos nomes mais importantes das últimas duas décadas são prontamente apresentados ao ouvinte. Do uso instrumental das vozes, sempre impecáveis, passando pela percussão que surge e desaparece durante toda a execução do material, ocupando os pequenos bolsões de silêncio que crescem em momentos estratégicos, cada fragmento parece cuidadosamente planejado pela musicista. Entretanto, longe de esbarrar em um resultado previsível, tamanho esmero e uso sempre calculado das informações garante ao público um material que surpreende durante toda sua execução. Primeiro trabalho de estúdio da artista norte-americana desde Pleasure (2017), Multitudes preserva muito da sonoridade que tem sido incorporada pela cantora desde o introdutório Monarch (Lay Your Jewelled Head Down) (1999), porém, sustenta na construção dos versos seu principal componente de transformação. É como uma manifestação das diferentes personalidades, traumas e histórias que habitam o interior de cada indivíduo. Leia o texto completo.


Fever Ray
Radical Romantics (2023, Rabid / Mute)

Mais de duas décadas depois de estrear como integrante do The Knife, Karin Dreijer segue como uma das figuras mais provocativas, estranhas e originais da música recente. Dotada de um delirante senso estético, a multiartista de origem sueca continua a se aventurar na produção de obras marcadas por uma série de elementos bastante característicos, principalmente na escolha dos timbres e estruturas das composições, mas que encantam pela completa imprevisibilidade dos temas. É como a passagem para um mundo torto, conceito que volta a se repetir com a chegada do exploratório Radical Romantics. Terceiro e mais recente trabalho de estúdio sob o título de Fever Ray, o registro de dez faixas segue uma abordagem parcialmente distinta em relação ao material entregue em Plunge (2017). Longe da aceleração explícita no álbum anterior, estimulando a sensação de queda livre durante toda a execução da obra, Dreijer investe na construção de um repertório atmosférico, como um regresso aos temas incorporados no autointitulado disco de estreia, de 2009. São composições que se revelam aos poucos, convidando o ouvinte a se perder em um labirinto de sensações que parece desvendado em essência apenas por Karin. Leia o texto completo.


Frederico Heliodoro
The Weight of the News (2023, Minaret Records)

Em The Weight of the News, a música de Frederico Heliodoro chega como um chamado à aventura. “Eu quero derrubar essas paredes entre nós / Descobrir o espaço sideral que vem após / Ver os meus zilhões de mundos / Saber que não estamos sós“, confessa o multi-instrumentista, cantor e compositor na introdutória Interestelar. Marcada pelo refinamento dos arranjos e melodias que parecem pensadas para grudar na cabeça do ouvinte logo em uma primeira audição, a faixa é apenas o princípio de uma seleção de outras composições marcadas pelo minucioso processo de criação e versos que ora se aprofundam em conflitos pessoais, ora detalham cenas e acontecimentos que cercam o artista mineiro. Primeiro registro de inéditas desde o material entregue em Acordar (2015), o trabalho de onze canções destaca o refinamento estético e aceno de Heliodoro para o passado. São composições que evocam as criações de veteranos como Guilherme Arantes, Lô Borges e Milton Nascimento, com quem excursionou na turnê A Última Sessão de Música, porém, preservando a identidade do músico mineiro. Um delicioso cruzamento de informações que confessa algumas das principais referências do compositor ao mesmo tempo em que estreita relações com diferentes instrumentistas vindos dos mais variados cantos do planeta. Leia o texto completo.


Idlibra
Muganga (2023, Independente)

Muganga, segundo a língua quimbundo, é a expressão utilizada para caracterizar pessoas de “trejeitos ou hábitos estranhos”. Outrora opressiva para a artista pernambucana Libra Lima, a Idlibra, a palavra foi justamente a escolhida para batizar o primeiro trabalho de estúdio da produtora que há tempos tem circulado pela cena cultural de Recife, é cofundadora do coletivo SCAPA e curadora do palco Kamikaze no Festival Coquetel Molotov. Um repertório de cinco faixas que abraça a estranheza e utiliza da inusitada combinação de elementos como estímulo para brincar com a interpretação do ouvinte. Inaugurado pela potência de Breganbass, o trabalho diz a que veio logo nos primeiros minutos. Como o próprio título da composição indica, trata-se de uma insana costura rítmica que atravessa as pistas dos anos 1990, bebendo diretamente do drum and bass, para mergulhar em um dos estilos mais populares da cena pernambucana, o brega funk. A diferença está na imposição e fluidez adotada pela artista. São batidas e fragmentos de vozes que inviabilizam qualquer chance de respiro, como se cada mínimo componente da faixa empurrasse o ouvinte para frente, apontando a direção para o restante do material. Leia o texto completo.


Ítallo
Tarde No Walkíria (2023, Lab 344)

Em um intervalo de poucos segundos, orquestrações sutis abrem passagem para a inserção de pianos que, por sua vez, desembocam nos atabaques de um terreiro e servem de passagem para a sanfona que ainda articula a inserção das vozes: “Já não existe medo“. É partindo dessa inusitada combinação de elementos e vontade expressa na voz em explorar novos territórios que o cantor, compositor e produtor alagoano Ítallo França mergulha no terceiro e mais recente trabalho em carreira solo, Tarde No Walkiria, uma obra que assume diferentes formatações e propostas criativas, mas que nunca perde sua consistência. Dentro desse cenário onde tudo e nada pode acontecer, Ítallo se aprofunda nas próprias inquietações de forma a estreitar laços com o ouvinte. São composições com temperatura, cheiro, tato e memória, efeito direto da lírica minuciosa que se divide entre cenas descritivas e exposições sentimentais. Não, Tarde No Walkiria não é um disco fácil e exige um esforço danado para que faixas repletas de significados ocultos sejam aos poucos desvendadas. Entretanto, uma vez ambientado ao estranho material que se divide entre bases acústicas e experimentações com a música eletrônica, difícil não se deixar conduzir pelo artista. Leia o texto completo.


Jambu
Tudo É Mt Distante(2023, Bolo de Rolo)

Frustrações, relacionamentos instáveis e pequenos delírios psicodélicos. Em Tudo É Mt Distante, estreia do grupo manauara Jambu, cenas e acontecimentos simples do cotidiano se transformam no principal componente criativo para o quarteto formado por Gabriel Mar (voz e guitarra), Roberto Freire (guitarra), Yasmin Costa (voz e bateria) e Gustavo Pessoa (baixista). Canções que partem da sensação de deslocamento físico e emocional vivido pelos próprios integrantes da banda amazonense, mas que a todo momento estabelecem laços sentimentais e estreitam relações com o ouvinte de forma bastante sensível. “Choro porque tenho medo de não poder voltar / Do universo esse é o segredo, quem vai me ensinar?“, questiona Mar logo nos minutos iniciais do trabalho, apontando o cenário nebuloso que será explorado pelo público ao longo da obra. São canções marcadas pelo forte aspecto radiofônico, talvez desprovidas de grandes transformações ou momentos de maior ruptura estética, porém, difíceis de serem ignoradas. E isso fica bastante evidente com a chega Astronauta. Das guitarras cintilantes, passando pela letra que gruda feito chiclete na cabeça do ouvinte (“Prefiro ser estranho/ Ao fingir sempre entender / Nunca sei quando é sonho / Ou lembrança de você“), cada mínimo fragmento evidencia o domínio do quarteto em estúdio. Leia o texto completo.


Jards Macalé
Coração Bifurcado (2023, Biscoito Fino)

Amor, matéria-prima há muito desgastada, surge como o principal ingrediente do mais recente trabalho de estúdio de Jards Macalé, Coração Bifurcado. Entretanto, ao mergulhar nas canções do registro que tem direção artística assinada em colaboração com Romulo Fróes, parceiro desde Besta Fera (2019), não espere pelo óbvio. Como tudo aquilo que o cantor, compositor, ator e violonista carioca tem produzido em mais de cinco décadas de carreira, experiências, temas e sentimentos talvez comuns são deliciosamente corrompidos pela poesia labiríntica e vozes sempre carregadas do músico fluminense. Acompanhado de Guilherme Held (guitarra), Pedro Dantas (baixo), Thomas Harres (bateria, percussão) e Rodrigo Campos (guitarra, cavaquinho e percussão), também responsáveis pela produção do material, Macalé sintetiza logo na introdutória Amor In Natura parte das temáticas e da sonoridade que orienta a experiência do ouvinte ao longo da obra. “O amor pode tudo, o amor não pode nada“, canta em meio a camadas de guitarras e estruturas espiraladas que dão voltas na cabeça do ouvinte, reforçando o misto de obsessão, entrega, desejo e doce delírio estimulado pelo amor em suas diferentes formas de interpretação. Leia o texto completo.


Jessie Ware
That! Feels Good! (2023, EMI / Universal Music)

Jessie Ware parece ter se encontrado nas pistas. Não por acaso, ao mergulhar no quinto e mais recente trabalho de estúdio da carreira, That! Feels Good!, a cantora e compositora britânica não apenas segue de onde parou no álbum anterior, What’s Your Pleasure? (2020), como ainda mergulha de forma consciente em busca de um repertório dançante. “Isso é bom! Faça de novo! Faça de novo! Faça de novo!“, repete logo nos minutos iniciais, na introdutória faixa-título, música que serve de ponte para o registro passado e ainda prepara o terreno para o que será incorporada no presente disco. Ainda inspirada pelo som de veteranas como Chaka Khan, Donna Summer e Diana Ross, a artista parte de um necessário senso de atualização em que amplia os limites da própria obra. São composições que continuam a vagar pelas pistas, detalhando linhas de baixo sempre suculentas e batidas que convidam o ouvinte a dançar, mas que buscam explorar diferentes propostas criativas. Canções que vão da cultura Ballroom ao som empoeirado da Italo Disco, do repertório de RuPaul à efervescência da cena nu-disco que movimentou Nova Iorque nos anos 2000. Uma abordagem tão referencial quanto hoje íntima de Ware. Leia o texto completo.


Jonathan Ferr
Liberdade (2023, Slap)

O uso da voz está longe de parecer uma surpresa para quem há tempos acompanha a obra de Jonathan Ferr. Muito embora conhecido pelo repertório instrumental, o compositor e pianista carioca encontrou na inserção ocasional das vozes um estímulo para o próprio trabalho, vide o canto etéreo de Mari Milani, em Trilogia do Amor (2019), ou o texto interpretado por Serjão Loroza, na potente Esperança, uma das principais faixas de Cura (2021). Ainda assim, difícil não se surpreender com a mudança de direção e busca por novas possibilidades que orienta o material entregue pelo músico em Liberdade. Partindo de elementos apresentados no disco anterior, Ferr utiliza de retalhos instrumentais, batidas e samples para estabelecer as bases do novo registro. Com essa estrutura levantada, Liberdade, como o próprio título aponta, transita por diferentes propostas criativas de forma sempre exploratória e curiosa. São canções que preservam a essência jazzística do artista fluminense, porém, pontuadas por diálogos ocasionais com a música pop, direcionamento que se completa pelo misto de canto e rima que embala a experiência do ouvinte até os minutos finais, em O Amor Não Morrerá, com vozes assumidas pelo pianista. Leia o texto completo.


JPEGMAFIA & Danny Brown
Scaring The Hoes (2023, AWAL / Peggy)

O caos reina em Scaring The Hoes. Primeiro registro da parceria entre os rappers JPEGMAFIA e Danny Brown, o trabalho marcado pelo delirante atravessamento de informações, vozes e quebras instrumentais é exatamente o que você poderia esperar de uma colaboração entre os dois artistas. São canções essencialmente curtas e urgentes, porém, marcadas pela inusitada combinação de elementos e riqueza de ideias, como um fluxo de pensamento quase torrencial que vai da sobreposição de ritmos aos versos que transitam por diferentes temáticas e mergulham na mente inquieta dos próprios realizadores. Parte desse processo vem da escolha de JPEGMAFIA, responsável pela produção de Scaring The Hoes, em organizar tudo em uma única estação de trabalho, uma Roland SP-404. Dessa forma, sem grandes edições, os artistas se concentram na construção das rimas que, na maioria das vezes, contrastam com a direção apontada pelas bases. Música de abertura e composição escolhida para anunciar a chegada do disco, Lean Beef Patty funciona como uma boa representação dessa imprevisível combinação de elementos que vai de um canto a outro de maneira a estimular e tensionar a experiência do ouvinte ao longo de todo o registro. Leia o texto completo.


Julia Mestre
Arrepiada (2023, Independente)

Para além dos trabalhos como integrante do Bala Desejo, com quem lançou no último ano o introdutório Sim Sim Sim (2022), Julia Mestre acumula uma sequência de boas composições, parcerias em obras de artistas como Tori e BK, além de um primeiro disco em carreira solo, Geminis (2019). Mesmo com esse vasto repertório em mãos, difícil ouvir as canções de Arrepiada, segundo e mais recente álbum de inéditas da cantora, e não pensar no registro como um recomeço. Da construção dos versos ao refinamento dado aos arranjos, cada elemento parece transportar Mestre para um novo cenário. Parte desse resultado vem do desejo da artista em romper com o ambiente frio dos estúdios e registrar tudo em um espaço acolhedor, nesse caso, o quarto do músico Lux Ferreira, produtor do álbum junto de Tomás Tróia. Uma vez instalada nesse espaço caseiro, Mestre e seus parceiros garantem ao público um registro que parece crescer para além do cenário compactado a que foi concebido. E isso fica bastante evidente logo nos minutos iniciais, na faixa-título do disco, uma combinação de referências estéticas, melodias e vozes que vozes que vai do presente cenário à obra de veteranas como Rita Lee e Marina Lima. Leia o texto completo.


Kali Uchis
Red Moon In Venus (2023, Geffen / EMI)

Os sentimentos afloram em Red Moon In Venus. Terceiro e mais recente álbum de estúdio de Kali Uchis, o trabalho parte da regência dos astros e diferentes manifestações cósmicas para se aprofundar nas experiências românticas vividas pela cantora e compositora norte-americana. É como um delicado exercício de exposição sentimental, pequenas reflexões sobre feminilidade e a permanente busca da artista pelo próprio conforto emocional. Canções que preservam, pervertem e potencializam tudo aquilo que Uchis já havia explorado em Isolation (2018) e Sin Miedo (del Amor y Otros Demonios) (2020). Com um pé na psicodelia, efeito da produção caprichosa que destaca a construção dos arranjos e uso enevoado dos vocais, Uchis convida o ouvinte a se perder em um jardim de emoções. Inaugurado em meio a cantos de pássaros, o registro se revela aos poucos, sem pressa, como se cada faixa fosse trabalhada em uma medida particular de tempo. A própria escolha de I Wish You Roses como composição de abertura funciona como uma boa representação desse resultado. Enquanto os versos tratam de forma libertadora e positiva sobre um término de relacionamento, camadas instrumentais detalham o minucioso processo de criação do material, sofisticação que se reflete até os minutos finais do disco, na ensolarada Happy Now. Leia o texto completo.


Kara Jackson
Why Does the Earth Give Us People to Love? (2023, Setember)

A pergunta levantada por Kara Jackson no título do primeiro trabalho de estúdio da carreira serve para entendermos um pouco sobre o universo sentimental desbravado em estúdio pela artista. “Por que a Terra nos dá pessoas para amar?“, questiona a cantora e compositora que, há quatro anos, foi laureada como Poeta Nacional da Juventude dos Estados Unidos. Partindo dessa abordagem exploratória, como um mergulho na própria mente, traumas, dores e inquietações, Jackson discute diferentes aspectos da nossa sociedade e tensiona as relações humanas de forma a garantir um repertório essencialmente provocativo. “Quando você está afundando na lagoa de alguém / Como uma colher se afoga em um ensopado / Que tipo de refeição eles estão fazendo de você?“, pergunta em Dickhead Blues, música em que parte de uma mensagem de áudio para refletir sobre a própria identidade e a pressão exercida diariamente sobre as mulheres, principalmente figuras negras. “Eu não sou tão inútil quanto eu pensava / Eu estou no topo“, aceita minutos à frente, como se a mesma mente que indaga é a que fornece respostas. Canções que oscilam entre momentos de dor e libertação, estímulo para o desenvolvimento e maior fluidez do material. Leia o texto completo.


Kelela
Raven (2023, Warp)

Em meados de 2019, durante as comemorações de três décadas de fundação da gravadora inglesa Warp Records, diferentes artistas foram convidados a produzir compilações inspiradas pelo catálogo do selo. Na ocasião, Kelela decidiu investir em uma abordagem diferente, cantando em cima de bases produzidas por veteranos como Autechre, porém, mergulhando de cabeça no uso de ambientações etéreas e canções assinadas por compositores historicamente marcados pelo caráter atmosférico de suas obras, caso de Takashi Kokubo e Susumu Yokota. Na época, ninguém desconfiava, mas tudo não passava de um ensaio para o que se revela de forma ainda mais complexa e musicalmente interessante em Raven. Com o corpo e parte do rosto submersos logo na imagem de capa do disco, o sucessor do expositivo Take Me Apart (2017) segue uma trilha parcialmente distinta quando próximo do registro que o antecede. Trata-se de uma obra imersiva. Composições que ganham forma e crescem em uma medida própria de tempo, como um espaço aberto à contemplação e ao lento desvendar de Kelela sobre os próprios sentimentos. “Seguindo em frente, em uma mudança de ritmo, eu estou distante“, detalha na introdutória Washed Away, música que não apenas indica a mudança de direção adotada pela cantora em estúdio, como apresenta uma série de componentes, timbres e vozes que acabam se refletindo até os minutos finais, em Far Away. Leia o texto completo.


Lana Del Rey
Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd (2023, Interscope / Polydor)

Longe do pop compactado e formulaico que marca os primeiros álbuns de estúdio, Lana Del Rey tem investido em obras cada vez mais extensas, densas e imersivas. “É como se eu estivesse digitando em minha mente“, disse a artista em entrevista à W Magazine, em maio do último ano, quando se preparava para entrar em estúdio para a produção do nono trabalho de inéditas da carreira, Did You Know That There’s a Tunnel Under Ocean Blvd. Dotado de um ritmo próprio e versos que externalizam sentimentos, o registro de essência contemplativa mostra a artista em sua melhor forma. Sequência ao material entregue na dobradinha composta por Chemtrails Over The Country Club (2021) e Blue Banisters (2021), o trabalho de 16 faixas exige tempo até se revelar por completo, porém, gratifica a experiência do ouvinte durante toda sua execução. Trata-se um registro concebido entre duas elevações que dialogam com o material entregue em Norman Fucking Rockwell (2019) e um vale fluvial que abre passagem para uma nova fase na carreira da artista. Um exercício em três atos bem delimitados, mas que sustenta na observação isolada de suas canções um indicativo do completo domínio criativo da cantora. Leia o texto completo.


Liv.e
Girl In The Half Pearl (2023, In Real Life)

Como muitas das obras lançadas durante o período pandêmico, Couldn’t Wait to Tell You (2020), estreia da cantora e compositora norte-americana Hailee Olivia Williams, a Liv.e, é um registro que acabou passando despercebido por muita gente. Embora mereça uma audição minuciosa e tenha servido para atrair a atenção de nomes como Mount Kimbie e Piink Sifu, com quem veio colaborar posteriormente, você não regressar ao trabalho que revelou faixas como You the One Fish in the Sea e She’s My Brand New Crush para ser atraído pelo repertório de Girl In The Half Pearl, mais novo álbum da artista. Marcado pela fragmentação dos elementos, o sucessor de Couldn’t Wait to Tell You destaca o caráter exploratório da artista estadunidense. São canções que partem de uma abordagem bastante próxima do R&B tradicional, porém, destacam o uso de batidas tortas, vozes sempre carregadas de efeitos e bases irregulares que mudam de direção a todo instante. Contudo, para além do experimentalismo evidente, dialogando com as criações de artistas como KeiyaA e Yaya Bey, Liv.e encanta pela vulnerabilidade dos temas e versos confessionais que orientam a experiência do ouvinte até os minutos finais do registro. Leia o texto completo.


Lonnie Holley
Oh Me Oh My (2023, Jagjaguwar)

Multiartista e educador conhecido pelas esculturas concebidas a partir de entulhos e objetos encontrados pelas ruas, Lonnie Holley tem investido fortemente na carreira musical desde o início da década passada. Com o lançamento do primeiro trabalho de estúdio, Just Before Music (2012), e consequente contrato com a Jagjaguwar, por onde lançou o excelente MITH (2018), o poeta nascido em 1950, durante o período de forte segregação racial nos Estados Unidos, encontrou em memórias empoeiradas da infância e reflexões sobre a sociedade norte-americana um precioso e necessário componente de estímulo para as próprias criações. Vem justamente desse olhar melancólico para o próprio passado o estímulo para sua maior obra, Oh Me Oh My. Brilhantemente produzido e arranjado por Jacknife Lee (U2, R.E.M.), que assume parte expressiva dos instrumentos, o trabalho de onze faixas funciona como um passeio pela história recente dos Estados Unidos, se aprofunda em questões raciais e trata de temas ambientais, mas, acima de tudo, busca exorcizar os demônios e encontrar as raízes dos traumas mais profundos de Holley. Canções que oscilam entre a dor e a libertação, como um exercício autobiográfico que destaca a força dos versos. Leia o texto completo.


Lucas Santtana
O Paraíso (2023, Nø Førmat)

A poética afirmativa logo nos minutos iniciais de O Paraíso, mais recente trabalho de Lucas Santtana, funciona como uma representação bastante significativa de tudo aquilo que o cantor e compositor baiano busca desenvolver ao longo da obra. “Sim! Sim! Sim! O paraíso já é aqui“, detalha o artista. Na contramão de outros registros marcados pela temática ambientalista, sempre alarmantes ou mesmo imersos em cenários pós-apocalípticos, Santtana se aprofunda na construção de um repertório realista e consciente, porém, pontuado pela esperança, leveza e permanente sensação de acolhimento. “Nós somos a natureza“, reforça na canção seguinte, What’s Life, um samba kraftwerkniano que destaca a capacidade do artista em transitar por entre estilos, mesclando elementos eletroacústicos, porém, preservando um mesmo núcleo temático que reforça o aspecto homogêneo do trabalho. São reflexões sobre a vida Terra, o consumismo desenfreado, a maquiagem virtual proposta pelas redes sociais e as feridas abertas pelo capitalismo. Instantes em que Santtana traz de volta o olhar atento proposto no introdutório Eletro Ben Dodô (2000), como uma transposição atualizada dos mesmos velhos temas sociais. Leia o texto completo.


Mahmundi
Amor Fati (2023, Universal Music)

Marcela Vale, a Mahmundi, há muito deixou de ser encarada como uma aposta para atuar como um dos nomes mais interessantes do pop rock nacional. Dona de três álbuns de estúdio – Mahmundi (2016), Pra Dias Ruins (2018) e Mundo Novo (2020) –, uma indicação ao Grammy Latino e colaborações com nomes como Rubel, Qinhones e Mary Olivetti, a artista esbanja segurança ao alcançar o quarto e mais recente trabalho de inéditas da carreira, Amor Fati, registro em que se distancia de possíveis excessos para investir em um repertório meticuloso em que destaca com sensibilidade a força dos versos. Como tudo aquilo que a artista tem produzido desde o introdutório Efeito das Cores EP (2012), Amor Fati gira em torno de romances não resolvidos, términos e recomeços, destacando a poesia confessional da compositora carioca. O próprio título do disco, do latim, “amor ao destino“, funciona como uma precioso indicativo das aventuras românticas que Vale busca desenvolver ao longo da obra. Canções que tendem a um resultado monotemático, porém, habilmente maquiadas pela capacidade da cantora em transitar por entre estilos de forma sempre acessível, estreitando laços com diferentes desdobramentos da música pop. Leia o texto completo.


Marcelo Tofani
Fantasia De Um Amor Perfeito (2023, A Quadrilha)

Você pode até tentar escapar, mas é difícil não se deixar seduzir pelo trabalho de Marcelo Tofani em Fantasia De Um Amor Perfeito. Primeiro álbum em carreira solo do ex-integrante do Rosa Neon, grupo que abrigou Luiz Gabriel Lopes, Mariana Cavanellas e o fenômeno Marina Sena, o registro de nove faixas captura a atenção do ouvinte logo nos minutos iniciais, em Até Nascer o Sol, um pop ensolarado com pitadas de soul, mas que chama a atenção pela poesia agridoce que embala a construção dos versos. “Será que eu gosto de você? / Ou que eu só gosto do que a gente deveria ser?“, questiona. Vem justamente dessa ausência de certeza, amores idealizados e pequenas desilusões o estímulo para grande parte do repertório apresentado por Tofani, como na já conhecida Certificar. Enquanto os versos detalham a busca por um novo amor (“Eu tô te olhando só pra me certificar, né? / Vai que alguma hora cê também olha pra cá, né?“), arranjos caprichados ampliam os limites do trabalho e esbarram de forma propositada na obra de veteranos como Bee Gees. Nada que distancie o artista do pop ensolarado que orienta parte da cena brasileira, como em Perigo, com suas batidas quentes e destacado uso de metais. Leia o texto completo.


Mateus Fazeno Rock
Jesus Ñ Voltará (2023, Independente)

No escapismo diário do rock de apartamento que invade as plataformas de streaming, Jesus Ñ Voltará (2023) é uma obra que nos aproxima da realidade. Segundo e mais recente trabalho de estúdio do cantor e compositor cearense Mateus Fazeno Rock, o sucessor de Rolê Nas Ruínas (2020) se projeta como um registro talvez indigesto, porém, necessário. São canções sobre começos e fins de vida que partem das experiências do músico na periferia de Fortaleza, mas que se estendem para além de possíveis limites geográficos. Um espaço conceitual onde dor, afeto e morte se cruzam a todo instante. Regido pela sobriedade poética de quem independe da muleta imaterial da esperança, o disco produzido em parceria com glhrmee, Agê e Caiô diz a que veio logo nos minutos iniciais, na introdutória faixa-título. Completa pela participação de Jup do Bairro, a composição que se divide entre o canto e a rima aponta a direção seguida no restante da obra, reforçando a lírica consciente que orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução do registro. “A autodestruição começa quando descobrimos quem somos“, alerta enquanto reapresenta seu “rock de favela”, conceito que tem sido incorporado desde o álbum anterior. Leia o texto completo.


Model/Actriz
Dogsbody (2023, True Panther)

Conceitualmente ambientado entre o fim de tarde e o alvorecer, Dogsbody, estreia do quarteto nova-iorquino Model/Actriz, é uma delirante aventura poética que atravessa as ruas de uma grande metrópole em busca de libertação sexual, novas descobertas e pequenos excessos. Exemplo disso isso fica bastante evidente na introdutória Donkey Show, música que parte das experiências do vocalista Cole Haden em aplicativos como Grindr, mas que se completa pelo insano cruzamento de informações proposto pelos parceiros Jack Wetmore (guitarra), Ruben Radlauer (bateria) e Aaron Shapiro (baixo). Com a direção apontada logo nos minutos iniciais do trabalho, cada composição parece servir de base para a música seguinte. São ruídos metálicos, guitarras sempre invasivas e batidas que se orientam a experiência do ouvinte de maneira totalmente frenética. É como um regresso ao mesmo território criativo explorado por veteranos como Liars e outros nomes importantes da cena nova-iorquina dos anos 2000, porém, partindo por um precioso senso de atualização que vai da urgência dos arranjos à construção das letras. “Eu quero esta vida, eu quero esta vida“, repete Haden em Mosquito, canção que passeia em meio a paisagens descritivas e versos que funcionam como um mergulho na mente inquieta do protagonista. Leia o texto completo.


Nourished By Time
Erotic Probiotic 2 (2023, Scenic Route)

De instrumentação e acabamento diminuto, Erotic Probiotic 2 é um trabalho que cresce a cada nova audição. Estreia do cantor, compositor e produtor norte-americano Marcus Brown como Nourished By Time, o registro de nove canções destaca a capacidade do artista em utilizar do reducionismo para fortalecer os próprios sentimentos e temas incorporados dentro do material. “O caminho está embaçado, mas eu vou mesmo assim“, canta na introdutória Quantum Suicide, música que soa como um convite a se perder nesse estranho território criativo cuidadosamente planejado por Brown. Dado o primeiro passo dentro do álbum, Brown, que já colaborou com nomes como Yaeji e Dry Cleaning, se aprofunda na construção de faixas que transitam por entre estilos, diferentes épocas e referências de forma bastante particular. E isso fica ainda mais evidente com a chegada de Shed The Fear, música que evoca nomes como Arthur Russell e The Blue Nile, porém, em um enquadramento voltado ao R&B, conceito que ganha novo tratamento na canção seguinte, Daddy. Pouco mais de quatro minutos em que o produtor atravessa as pistas na mesma medida em que preserva o direcionamento econômico dado ao registro. Leia o texto completo.


Nuven
Zero (2023, Independente)

Os sete longos anos que separam Partir (2016) do recém-lançado Zero foram bem aproveitados por Gustavo Teixeira, o Nuven. De remixes para nomes como E A Terra Nunca Me Pareceu Tão Distante a encontros com outros artistas, como Odoya, no ainda recente Fenda EP (2022), sobram momentos em que o produtor paulistano se permitiu testar os limites da própria criação, avançando em meio a registros marcados pelo experimentalismo, porém, preservando o caráter dançante. Um catálogo de pequenos ensaios que, de um jeito ou de outro, converge para o material que integra o presente álbum. E isso fica mais do que evidente quando a introdutória Grazed é apresentada ao público. Entre camadas de sintetizadores e fragmentos de vozes, Teixeira prepara o terreno para o que se completa pelo uso das batidas. São pequenos atravessamentos de informações, como uma combinação natural do que há de mais característico no tipo de som que vem sendo produzido pelo artista. Entretanto, mais do que olhar para a própria criação, Nuven busca estreitar laços com outros movimentos e produtores, como na faixa seguinte, Heartbeat, música que aponta para o mesmo lo-fi house de nomes como Ross from Friends e DJ Seinfeld. Leia o texto completo.


Parannoul
After The Magic (2023, Longinus / Topshelf / Poclanos)

After The Magic, como tudo aquilo que Parannoul tem produzido desde os primeiros registros, é um trabalho que se apresenta por completo logo em uma primeira audição, mas que carrega segredos e revela diferentes camadas a cada novo regresso. Terceiro e mais recente trabalho de estúdio do multi-instrumentista sul-coreano, o sucessor de To See the Next Part of the Dream (2021) segue de onde o compositor de Seoul parou há dois anos, porém, de forma ainda mais sensível, estruturalmente complexa e colaborativa, como uma expansão natural do som incorporado pelo artista. Não por acaso, nas semanas que antecedem o lançamento do trabalho, o músico decidiu presentear o público com We Shine At Night. Quarta faixa do disco, a canção funciona como uma síntese de tudo aquilo que Parannoul busca desenvolver ao longo da obra. São pouco mais de seis minutos em que somos convidados a flutuar em meio a camadas de guitarras e sintetizadores entrecortados por vocais berradas. Entretanto, são os arranjos de cordas assinados por Rei Miyamoto, membro da banda japonesa Vampillia, e as harmonias de vozes da conterrânea Della Zyr, que chamam a atenção e ampliam os limites do álbum. Leia o texto completo.


Pato Fu
30 (2023, Independente)

A última vez que ouvimos um disco de inéditas do Pato Fu, o Brasil se preparava para entrar em um dos períodos mais turbulentos de sua história recente. Da ascensão da extrema direita ao impeachment de Dilma Rousseff, do avanço do bolsonarismo à pandemia de Covid-19, sobram grandes acontecimentos que movimentaram o cenário político nacional. Não por acaso, ao mergulhar nas composições de 30, primeiro registro autoral da banda mineira desde Não Pare Pra Pensar (2014), a sensação de aconchego e felicidade é quase instantânea, mas um notável toque de desconforto permanece no ar. “Faz tanto tempo / Que não vejo você … Que até dá medo de saber / O que anda pensando / Da vida e tudo mais“, confessa Fernanda Takai, vocalista da banda, na introdutória Fique Onde Eu Possa Te Ver. Embora parta de uma reflexão sobre os encontros e desencontros que surgem ao longo da vida, a canção, completa pelos músicos John Ulhoa (guitarra), Ricardo Koctus (baixo), Xande Tamietti (bateria) e Richard Neves (teclados), sintetiza de forma provocativa o cenário brasileiro atual, onde famílias e velhos amigos seguem separados por conta de suas ideologias políticas e diferentes escolhas ao longo da última década. Frações poéticas que utilizam de falsos sorrisos para capturar a atenção do ouvinte, porém, sutilmente revelam conflitos emocionais e temas que pintam um retrato minucioso das angústias vividas nos últimos anos. Leia o texto completo.


Rodrigo Campos
Pagode Novo (2023, YB Music)

Isolado por conta da pandemia de Covid-19, Rodrigo Campos fez desse momento de parcial reclusão o estímulo para provar de novas possibilidades e estreitar relações mesmo sem sair de casa. Afinal, se o sambista não vai até o pagode, o pagode vai até o sambista. Utilizando de um celular como elemento de interação e registro do mundo externo, o cantor, compositor e multi-instrumentista estabeleceu as bases para a música geográfica de Pagode Novo. São canções investigatórias que partem do pagode como um espaço físico de celebração e um ritmo com características pré-determinadas pela indústria e seus realizadores, mas que se transforma em um componente a ser reconfigurado pelo artista. Marcado pela forte sensação de movimento, contrastando com o espaço doméstico a qual o compositor foi reduzido durante o período pandêmico,Pagode Novo segue a trilha dos antigos trabalhos do músico que já criou residências sonoras em São Mateus, Bahia, Japão ou mesmo nos quintais do samba. São composições descritivas que partem de observações minuciosas, por vezes radiográficas, de cenários, acontecimentos e personagens. Um espaço conceitual que vez ou outra tende ao conforto quando voltamos os ouvidos para o extenso repertório de Campos e suas contribuições paralelas, mas que acaba tensionando seus limites. Leia o texto completo.


Romulo Fróes & Tiago Rosas
Na Goela (2023, YB Music)

Sempre que estreita relações com diferentes colaboradores em estúdio, rompendo com o seleto time que tem movimentado a cena paulistana, Romulo Fróes costuma transportar suas criações para um novo território criativo. Foi assim com O Meu Nome é Qualquer Um (2016), inusitada pareceria com o mineiro César Lacerda, além de criações ocasionais com nomes como Rogério Skylab e Rodrigo Vellozo. Encontro com o músico fluminense Tiago Rosas, Na Goela é um desses trabalhos. Fisicamente afastados por conta da pandemia de Covid-19, porém, musicalmente conectados, os dois artistas brincam com as possibilidades em uma obra que parte do contexto pandêmico para incorporar outras temáticas. Inaugurado em meio a guitarras abstratas, sempre ruidosas, e versos questionadores (“Qual o nome disso / Que arde no peito sem queimar?“), Na Goela é um desses discos que mais ocultam do que necessariamente garantem respostas ao público. E isso é fascinante. Partindo de um jogo de vozes, ritmos e constantes atravessamentos de informações, Fróes e Rosas cantam sobre o amor, esbarram em questões políticas e sustentam na construção dos arranjos uma manifestação da claustrofobia vivida durante o período de isolamento social. Um exercício criativo nem sempre acessível, porém, difícil de ser ignorado pelo ouvinte. Leia o texto completo.


Sara Não Tem Nome
A Situação (2023, Grão Pixel)

A última vez que ouvimos o trabalho de Sara Não Tem Nome em carreira solo, os dias eram difíceis de se viver, porém, parcialmente distintos em relação ao atual cenário político e cultural brasileiro. Com o avanço do conservadorismo e do pensamento antidemocrático, o golpe que viria a derrubar Dilma Rousseff já estava em curso e a ameaça bolsonarista começava a estender seus tentáculos. Foi justamente a queda da primeira mulher eleita Presidente da República, um ano mais tarde, que levou a multiartista mineira a investir em um novo processo de criação, estímulo para o repertório de A Situação. Primeiro registro de inéditas da artista belo-horizontina em um intervalo de oito anos, o sucessor de Ômega III (2015) preserva o caráter reducionista do trabalho que o antecede, porém, sustenta na construção dos versos um evidente processo de amadurecimento criativo e busca por novas possibilidades dentro de estúdio. “Na corda bamba / Por um fio / Por um triz / Andando no limite / Do insuportável“, canta logo nos minutos iniciais do disco, em Ponto Final, composição que rompe com o caráter festivo da já conhecida Pare, e uma delicada representação de tudo aquilo que a cantora busca desenvolver ao longo da obra. Leia o texto completo.


terraplana
Olhar Pra Trás (2023, Balaclava Records)

Passado o quase intransponível bloco de ruídos que se ergue nos minutos iniciais, Olhar Pra Trás, estreia do grupo curitibano terraplana, abre passagem para um território consumido pela dor, lembranças de um passado recente e momentos de maior vulnerabilidade emocional. “Não sei o que é real / Sem olhar pra trás“, confessa Stephani Heuczuk (voz, baixo), reforçando o peso da memória que paira sobre o trabalho. É como um doloroso exercício de libertação, mas que a todo momento tropeça nas próprias recordações, direcionamento que se completa pelo som granulado produzido em parceria com Vinícius Lourenço (voz, guitarra), Cassiano Kruchelski (voz, guitarra) e Wendeu Silverio (bateria). Uma vez imerso nesse cenário de emanações ruidosas que apontam para a obra de veteranos como My Bloody Valentine e Slowdive, cada faixa parece pensada para potencializar a forte carga emocional que consome o disco. Exemplo disso fica ainda mais evidente com a chegada de Conversas, música que se espalha em meio a guitarras sempre carregadas de efeitos e uma combinação equilibrada entre a bateria e a linha de baixo. “Já cansei de esperar / Você aprender com seus erros / Mas sei que se eu tentar mudar / vou me arrepender“, cresce a letra da canção, reforçando o aspecto contemplativo que embala o material. Leia o texto completo.


Tori
Descese (2023, PWR Records)

Descese é um registro que parte de fora pra dentro. Primeiro trabalho em carreira solo de Tori, identidade adotada pela cantora e compositora sergipana Vitória Nogueira, o álbum utiliza de cenas e conflitos que se manifestam no entorno da musicista, mas que se resolvem internamente. É como um ato constante de retorno emocional. Composições que espiam memórias, traumas e sensações em uma abordagem contemplativa, porém, nunca de forma inacessível, produto do lento desvendar de informações e tramas instrumentais delicadamente tecidas em estúdio. Um exercício sutil de voltar para dentro de si. Dessa forma, como toda obra do gênero, Descese é um registro que segue em uma medida própria de tempo. As interpretações nunca são imediatas, os movimentos parecem sempre calculados e cada novo avanço resulta em um retrocesso. Embora fundamental para o desenvolvimento do trabalho, esse ritmo moroso vez ou outra tende ao excesso, consumindo e prejudicando a experiência do ouvinte. Entretanto, uma vez habituado ao direcionamento dado pela artista, cada mínima particularidade, mesmo farelos instrumentais e poéticos que se escondem por entre as brechas do disco, capturam a atenção e seduzem. Leia o texto completo.


Tunico
Tunico (2023, Far Out Recordings)

Parte da efervescente cena carioca que tem revelado alguns dos exemplares mais representativos do novo jazz brasileiro, como A Pegada Agora É Essa (2021), de Antônio Neves, e toda a sequência de trabalhos apresentados por Fabiano do Nascimento, Antonio Secchin, o Tunico, esbanja maturidade no primeiro álbum de estúdio da carreira. Autointitulado, o registro inspirado pelo isolamento do músico e sua família durante o período pandêmico diz a que veio logo na introdutóriaGalope. Pouco mais de sete minutos em que Sacchin honra o longo histórico de violonistas brasileiros, abre espaço para as vozes instrumentais de Katarina Assef e utiliza da sobreposição dos arranjos em uma abordagem tão nostálgica quanto atualizada. São composições marcadas por um precioso e sempre necessário senso de atualização, porém, íntimas de diferentes exemplares da nossa música. Um misto de passado e presente que vez ou outra esbarra nas criações de nomes importantes dos anos 1970, como Banda Black Rio, Trio Mocotó e Quarteto Novo, direcionamento reforçado no caráter abrasivo de Sambola. Do fundo cênico, ambientado no cenário movimentado de um bar, passando pela percussão de Boka Reis aos teclados de Chico Lira e metais, cada fragmento da canção parece transportar o ouvinte para um dia de sol em um feriado no Rio de Janeiro. Leia o texto completo.


Water From Your Eyes
Everyone’s Crushed (2023, Matador)

Se existe um registro capaz de romper com o conhecido hermetismo do Water From Your Eyes, esse é Everyone’s Crushed. Mais recente trabalho de estúdio da dupla formada por Rachel Brown e Nate Amos, o álbum de nove composições preserva a essência provocativa dos discos que o antecedem, como Somebody Else’s Song (2019) e Structure (2021), porém, utiliza de uma abordagem parcialmente acessível, como um estranho convite da banda estadunidense a se perder em um território marcado pela permanente corrupção das ideias, uso sempre calculado das guitarras e versos altamente confessionais. Não por acaso, em fevereiro deste ano, quando a dupla anunciou o lançamento do trabalho, Barley foi a canção escolhida para marcar essa nova fase na carreira da banda. Enquanto os versos, sempre regidos pela sensação de movimento, detalham paisagens e cenas descritivas de forma cíclica, guitarras tortas surgem e desaparecem durante toda a execução da faixa. É como um aceno momentâneo para a obra de veteranos como Sonic Youth, mas que em nenhum momento perde o brilho pop, efeito do jogo de palavras que parecem projetadas de forma a grudar na cabeça do ouvinte logo em uma primeira audição da faixa. Leia o texto completo.


Wednesday
Rat Saw God (2023, Dead Oceans)

Poucas coisas são tão satisfatórias quanto um disco que não te deixa respirar. Um golpe rápido e você é prontamente arremessado para a canção seguinte. Quinto e mais recente trabalho de inéditas da banda norte-americana Wednesday, o intenso Rat Saw God é exatamente esse tipo de obra. Inaugurado pela urgência de Hot Rotten Grass Smell, com pouco mais de um minuto de duração, o registro transporta sem dificuldades o ouvinte para dentro do barulhento território criativo que Karly Hartzman e seus parceiros, Xandy Chelmis (guitarras), Margo Schultz (baixo), Alan Miller (bateria) e MJ Lenderman (guitarras), buscam desenvolver em estúdio até os momentos finais do material, em TV In The Gas Pump. E se a já citada faixa de abertura for insuficiente para capturar a sua atenção, Bull Believer, vinda logo em sequência, dá conta disso sem dificuldades. Com pouco mais de oito minutos, a composição não apenas evidencia a potência criativa do Wednesday ao longo da obra, como transporta o som produzido pela banda para um ambiente completamente inesperado e caótico. Enquanto os versos tratam sobre vícios, personagens decadentes e memórias empoeiradas da adolescência, batidas tortas mudam de direção a todo instante, soterrando o ouvinte em meio a camadas de guitarras, distorções e vozes sempre berradas. Leia o texto completo.


Yaeji
With A Hammer (2023, XL)

Yaeji sempre teve um jeito todo especial de fazer música. Enquanto as vozes reducionistas sussurram versos ora cantados em inglês, ora em coreano, celebrando as origens da artista que nasceu na cidade de Nova Iorque, mas passou boa parte da infância da Coreia do Sul, batidas eletrônicas e ambientações sintéticas referenciam grandes exemplares do gênero na mesma medida em que preservam a identidade criativa da produtora. Uma estranha combinação marcada pelo frescor dos elementos, porém, pontuada por momentos de maior nostalgia, estímulo para o repertório apresentado em With A Hammer. Embora revelado ao público como o primeiro álbum de estúdio da produtora que hoje reside na região do Brooklyn,With A Hammar nada mais é do que o produto final de uma longa jornada que resultou em uma variedade de outras obras e composições avulsas. Desde que foi oficialmente apresentada, com os dois primeiros EPs de inéditas, ambos lançados em 2017, Yaeji tem investido em uma série de criações que vão do R&B ao techno em uma abordagem sempre característica, direcionamento reforçado durante a entrega da mixtape What We Drew 우리가 그려왔 (2020), mas que alcança melhor resultado no presente trabalho. Leia o texto completo.


YMA & Jadsa
Zelena (2023, Matraca Records / YB Music)

Zelena é um trabalho essencialmente curto e que se resolve em um intervalo poucos minutos, porém, condensa décadas de informações, ritmos e referências estéticas de forma bastante aprofundada. Produto da parceira entre a cantora e compositora paulistana YMA com a multiartista baiana Jadsa, o registro de apenas seis faixas atravessa o pop dos anos 1980 para jogar com as palavras e sustentar na fluidez dos instrumentos um espaço conceitual aberto à experimentação. São menos de vinte minutos em que o ouvinte é arremessado de um canto a outro a cada movimento da dupla. Entretanto, antes que essa delirante combinação de elementos ganhe forma, Noite Estonteante prepara o terreno de maneira eficiente. Inaugurada em meio a ambientações etéreas, ruídos e arranjos sempre calculados, a canção de abertura aos poucos se engrandece pela fina tapeçaria percussiva e vocais que parecem pensados para hipnotizar o ouvinte. “Me arranha a dança, me arranha / Me arranha a dança, me arranha“, repete o coro de vozes. É como um lento desvendar de informações, estrutura que não apenas apresenta parte das regras incorporadas em Zelena, como abre passagem para a pulsante Mete Dance. Leia o texto completo.


Yo La Tengo
This Stupid World (2023, Matador)

Mesmo perto de completar quatro décadas de carreira, o Yo La Tengo segue como um dos projetos mais influentes e musicalmente relevantes da cena norte-americana. E isso fica bastante evidente com a chegada de This Stupid World. Sequência ao material entregue em There’s A Riot Going On (2018) e os experimentos testados durante o pandêmico We Have Amnesia Sometimes (2020), o trabalho de nove faixas destaca o que há de melhor no som produzido pelo grupo de Hoboken, Nova Jersey. São canções que reforçam o uso ruidoso e potência das guitarras, porém, entrecortadas pela contrastante leveza dos vocais. Escolhida como composição de abertura do trabalho,Sinatra Avenue Drive sintetiza de forma eficiente tudo aquilo que o trio formado por Ira Kaplan, Georgia Hubley e James McNew busca desenvolver ao longo da obra. Inaugurada em meio a camadas de guitarras que apontam para registros como Painful (1993) e Electr-O-Pura (1995), a música aos poucos se completa pela sutileza das vozes e versos que destacam o aspecto contemplativo do material. “Vejo momentos que desejei, recuperei e perdi de novo“, cresce a letra da canção, como um mantra que ainda abre passagem para a criação seguinte, a já conhecida Fallout. Leia o texto completo.


Yves Tumor
Praise a Lord Who Chews but Which Does Not Consume (2023, Warp)

A mudança de direção iniciada em Safe in the Hands of Love (2018) continua a estimular criativamente o trabalho de Yves Tumor. Em Praise a Lord Who Chews but Which Does Not Consume (Or Simply, Hot Between Worlds), o cantor, compositor e produtor norte-americano continua a testar os limites da própria obra na mesma medida em que potencializa uma série de elementos incorporados durante a entrega do disco anterior, Heaven to a Tortured Mind (2020). São canções que evocam o som de veteranos como Prince e David Bowie, porém, partindo de uma interpretação retorcida, própria do artista. Composição de abertura, God Is A Circle sintetiza de forma bastante eficiente esse resultado. Inaugurada em meio a vozes berradas, a canção cresce em uma combinação de guitarras carregadas de efeitos, batidas e sobreposições que rompem com qualquer traço de conforto. Instantes em que Tumor tende ao experimentalismo dos primeiros trabalhos, porém, estreita relações com o pop, estrutura que ainda abre passagem para a música seguinte, Lovely Sewer, um pós-punk reducionista em que usa trechos de One Hundred Years, do The Cure, e destaca o uso das vozes femininas, conceito apresentado no disco anterior. Leia o texto completo.


Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.