Os 50 Melhores Discos Internacionais de 2022

/ Por: Cleber Facchi 21/12/2022

Do renascimento de Beyoncé ao pop motorizado de Rosalía, de novatos como Jockstrap e Chat Pile, ao aguardado retorno de veteranos como Kendrick Lamar e Björk, os últimos meses foram bastante movimentados para o mundo da música. São registros que vão do pop à produção eletrônica em uma delirante combinação de ritmos, sonoridades e diferentes propostas criativas. Em uma tentativa de organizar alguns dos principais lançamentos do ano, trago uma lista com Os 50 Melhores Discos Internacionais de 2022.


#50. Grace Ives
Janky Star (2022, True Panther / Harvest)

Grace Ives tem um jeito todo especial de fazer música. São canções marcadas pelo reducionismo dos elementos, uso fragmentado das batidas e vozes, porém, sempre voltadas ao pop, produto direto de uma adolescência fortemente abastecida pelos trabalhos de artistas como Britney Spears e Rihanna, duas das principais referências criativas da cantora e compositora nova-iorquina. Composições que partem de uma base bastante característica, própria da jovem musicista, mas que sustentam na evidente confidencialidade e pequenas inquietações expressas nos versos um componente de imediata comunicação com o ouvinte. E se a sua vida está uma completa bagunça, essa relação com a obra de Ives fica ainda mais explícita em Janky Star. Sequência ao material entregue no introdutório 2nd (2019), de onde vieram composições como Icing on the Cake e Mirror, o novo disco segue a trilha do material entregue há três anos, porém, se aprofunda em cenas do cotidiano, crises de ansiedade e momentos de maior vulnerabilidade. É como um convite a se perder em um universo bastante particular da artista norte-americana, direcionamento que embala a experiência do ouvinte até a chegada da derradeira Lullaby. Leia o texto completo.


#49. Charli XCX
Crash (2022, Asylum / Atlantic)

Embora tenha assinado com uma grande gravadora no início da década passada, Charli XCX nunca perdeu a própria identidade. E isso se reflete em toda a sequência de obras apresentadas pela artista inglesa. Do pop torto que embala o introdutório True Romance (2013), passando pela formação do colaborativo Charli (2019), de onde vieram encontros com Sky Ferreira, Christine And The Queens e Troye Sivan, sobram momentos em que a cantora e compositora parecia testar os limites da música pop em estúdio, direcionamento que volta a se repetir no fino repertório de Crash. Último registro da série de cinco obras acordadas em contrato com a gravadora, o sucessor de How I’m Feeling Now (2020), produzido durante o período de isolamento social, concentra o que há de melhor no trabalho da artista. Do momento em que tem início, na bem executada faixa-título, até alcançar a derradeira Twice, cada fragmento do disco encanta pela criativa sobreposição de ideias que vai do pop da década de 1980 ao experimentalismo que tem sido incorporado pela cantora desde o amadurecimento em Vroom Vroom (2016) ePOP 2 (2017), de onde vieram preciosidades como a insana Track 10 e Out of My Head. Leia o texto completo.


#48. Earl Sweatshirt
Sick! (2022, Tan Cressida / Warner)

Passado o lançamento de Some Rap Songs (2018) e entrega do complementar Feet of Clay (2019), Earl Sweatshirt passou a investir na produção de um novo trabalho de estúdio. Inicialmente batizado de The People Could Fly, título inspirado em um livro homônimo de contos folclóricos de escravizados organizado pela pesquisadora Virginia Hamilton, o registro foi rapidamente abandonado com o avanço da pandemia de Covid-19 e consequente período de isolamento vivido nos últimos meses. “Depois que os bloqueios chegaram, as pessoas não podiam mais voar. Um sábio disse que a arte imita a vida“, comentou o artista. Com o projeto temporariamente abandonado, Sweatshirt, a exemplo de outros compositores recentes, mergulhou na formação de um repertório cada vez mais reflexivo, melancólico e ancorado em conflitos pessoais. O resultado desse processo está nas canções de Sick, trabalho que preserva uma série de elementos que tem sido incorporados pelo artista norte-americano nos últimos registros autorais, como a poesia introspectiva e ambientações jazzísticas, mas que se permite provar de novas possibilidades e temáticas que ampliam de forma bastante sensível o campo de atuação do rapper. Leia o texto completo.


#47. FKA Twigs
Caprisongs (2022, Young / Atlantic)

Desde o início da carreira, sempre existiu uma pressão enorme envolvendo cada novo trabalho de estúdio de FKA Twigs. Da escolha dos produtores à composição das letras, da montagem do repertório à seleção do figurino, cada mínimo elemento parece cuidadosamente calculado e encaixado, evidenciando o domínio criativo, entrega e exigência da artista inglesa. Interessante perceber em Caprisongs, primeira mixtape revelada pela cantora, uma obra que não apenas se distancia do refinamento explícito nos registros anteriores, como ainda abre passagem para um universo de novas possibilidades. Mesmo conceitualmente regido pela temática astrológica, cada fragmento do disco parece transportar o ouvinte para um novo território criativo. São canções que naturalmente preservam a relação particular da cantora com a música pop e o R&B, porém, partindo de um desenho torto e irregular. Não por acaso, esse é justamente o trabalho em que FKA Twigs mais se permite estreitar a relação com diferentes colaboradores dentro de estúdio. São nomes como El Guincho, com quem assina a produção executiva, Arca, Koreless, Sega Bodega, Mike Dean e Tobias Jesso Jr. que surgem e desaparecem durante toda a execução da obra. Leia o texto completo.


#46. Bad Bunny
Un Verano Sin Ti (2022, Rimas)

O coração entristecido que estampa a colorida imagem de capa de Un Verano Sin Ti, quarto e mais recente trabalho de Bad Bunny em carreira solo, funciona como uma representação de tudo aquilo que o cantor e compositor porto-riquenho busca desenvolver ao longo da obra. Imerso em memórias de um passado ainda recente, o artista se concentra na produção de um repertório marcado pela desilusão. São momentos de maior vulnerabilidade, dor e entrega sentimental, como uma extensão do material apresentado há dois anos, durante o lançamento do confessional Yo Hago Lo Que Me da La Gana (2020). A diferença em relação ao trabalho que revelou preciosidades comoVete e Pero Ya No está na forma como Benito Martínez, verdadeiro nome do artista, busca ampliar o próprio repertório e estreitar a relação com diferentes colaboradores. É o caso de Rauw Alejandro, outro importante personagem da cena porto-riquenha, com quem divide a dançante Party, e Jhay Cortez, parceiro em Tarot. Entretanto, é no inusitado aparecimento de nomes menores, como os conterrâneos do Buscabulla, em Andrea, que o registro realmente chama a atenção e transporta o som produzido por Bad Bunny para um novo território criativo. Leia o texto completo.


#45. Lucrecia Dalt
¡Ay! (2022, RVNG Intl.)

Para além das diferentes identidades criativas e registros assinados de forma colaborativa com nomes como Aaron Dilloway e F. S. Blumm, cada novo trabalho de Lucrecia Dalt parece transportar o ouvinte para um território criativo completamente distinto. Sequência ao material entregue no soturno No Era Sólida (2020), ¡Ay! reforça a capacidade da cantora, compositora e produtora de origem colombiana em transitar por entre estilos de forma bastante detalhista. São composições que destacam o refinamento estético e permanente senso de ruptura da artista que hoje reside na cidade de Berlim. Concebido em uma medida própria de tempo, como tudo aquilo que a Dalt tem desenvolvido desde os primeiros registros autorais, ¡Ay! talvez seja o trabalho mais engenhoso e musicalmente complexo que a colombiana já revelou ao público. Inaugurado em meio a camadas de sintetizadores e ambientações borbulhantes, marca da introdutória No Tiempo, o álbum lentamente destaca o uso de instrumentos de sopro e pequenas sobreposições que ampliam o campo de atuação da artista. É somente depois dessa trama sutil que a voz da cantora se apresenta ao público de forma a detalhar a delicada letra da canção. Leia o texto completo.


#44. Jenny Hval
Classic Objects (2022, 4AD)

Por mais acessível que possa parecer o trabalho de Jenny Hval, nunca espere pelo óbvio da cantora e compositora norueguesa. E isso fica bastante evidente nas canções de Classic Objects. Sequência ao material entregue pela artista em Menneskekollektivet (2021), obra que contou com a colaboração do multi-instrumentista Håvard Volden, o registro de oito faixas utiliza de uma abordagem menos complexa quando próximo do provocativo Blood Bitch (2016), mas que em nenhum momento deixa de tensionar a experiência do ouvinte, convidado a se perder em um labirinto de formas pouco usuais. Concebido durante um dos períodos mas críticos da pandemia de Covid-19, com Hval isolada dentro da própria casa, Classic Objects parte das inquietações vividas pela compositora para explorar diferentes aspectos da nossa sociedade. “Em 2020, como todo mundo, eu era apenas uma pessoa privada. Nenhum artista foi autorizado a se apresentar. Fui reduzida a ‘apenas eu’“, comentou no texto de apresentação do material. Vem justamente desse esforço constante em ressignificar a própria existência e rever conceitos há muito estabelecidos o estímulo para algumas das principais composições que abastecem o registro. Leia o texto completo.


#43. Yeule
Glitch Princess (2022, Bayonet Records)

Mesmo que Nat Ćmiel tenha feito de Serotonin II (2019) o primeiro trabalho em carreira solo, difícil não pensar em Glitch Princess como um precioso exercício de reapresentação. Segundo e mais recente álbum de estúdio da cantora, compositora e produtora de Singapura sob o título de Yeule, o registro preserva a essência do material que o antecede, com suas ambientações inebriantes e texturas eletrônicas, porém, amplia de forma significativa tudo aquilo que a musicista residente em Londres tem produzido desde as primeiras músicas e experimentos concebidos dentro do próprio quarto. Não por acaso, a cantora utiliza da música de abertura, My Name is Nat Ćmiel, como um delicado cartão de visita. “Meu nome é Nat Ćmiel, eu tenho 22 anos… Eu gosto de texturas bonitas no som. Eu gosto do jeito que algumas músicas me fazem sentir“, detalha em meio a ambientações etéreas, ruídos e sobreposições sutis que apontam a direção seguida durante toda a execução do trabalho. É como se a artista, acompanhada em momentos estratégicos pelo produtor Danny L Harle (Caroline Polachek, Carly Rae Jepsen), testasse os próprios limites dentro de estúdio, proposta que faz de cada composição uma verdadeira surpresa. Leia o texto completo.


#42. Florist
Florist (2022, Double Double Whammy)

Emily A. Sprague parece ter se especializado na produção de obras marcadas pelo caráter atmosférico e sutileza dos elementos. E isso fica bastante evidente em toda a série de registros revelados pela artista nos últimos anos, caso do ainda recente Hill, Flower, Fog (2020), em que se aventura em carreira solo no uso de ambientações sintéticas e experimentos com música eletrônica, ou mesmo no último trabalho de estúdio do Florist, o delicado Emily Alone (2019). Nada que se compare ao reencontro com os parceiros Rick Spataro, Jonnie Baker e Felix Walworth no autointitulado e mais recente álbum de inéditas da banda nova-iorquina. Em um intervalo de quase uma hora, Sprague e seus colaboradores se aprofundam na construção de um repertório que parece pensado para envolver o ouvinte. São delicadas camadas instrumentais, vozes atmosféricas e inserções pontuais que tornam tudo ainda mais atrativo. É como se a artista seguisse de onde parou nos dois últimos registros de inéditas, porém, de forma ainda mais sensível e detalhista, esmero que vai da introdutória June 9th Nighttime, com suas captações de campo e efeitos, ao lento desvendar de informações e sopros que engrandecem a composição de encerramento do disco, Jonnie on the Porch. Leia o texto completo.


#41. Cate Le Bon
Pompeii (2022, Mexican Summer)

Mesmo de um jeito torto, Cate Le Bon conquistou um espaço que parece pertencer somente à ela. E isso se reflete não apenas nos trabalhos apresentados pela cantora e compositora galesa em carreira solo, mas na forma como a musicista tem influenciado outros artistas, entre eles, o Deerhunter, em Why Hasn’t Everything Already Disappeared? (2019), obra em que atua como produtora, e até arrancado elogios de veteranos como John Cale, com quem já dividiu os palcos, e Jeff Tweedy. “Cate Le Bon é uma das melhores fazendo música atualmente“, comentou o vocalista do Wilco ao recomendar o disco Mug Museum (2013). Essa força criativa e estranha interpretação da artista sobre a realidade fica ainda mais evidente nas canções de Pompeii. Sequência ao material entregue em Reward (2019), importante capítulo na carreira da cantora, o novo álbum potencializa a capacidade da musicista em transportar o ouvinte para dentro de um território conceitualmente estranho, porém, inescapável. São faixas que remontam a música pop de forma sempre particular, estrutura que vai do uso fragmentado dos arranjos ao acabamento enigmático das vozes e versos que parecem dar voltas na cabeça do ouvinte. Leia o texto completo.


#40. Hikaru Utada
Bad Mode (2022, Epic)

Dona de um vasto repertório que se espalha pelas últimas três décadas, Hikaru Utada atraiu uma parcela ainda maior do público quando, em março do último ano, One Last Kiss alcançou o topo das paradas japonesas, vendeu mais de 200 mil cópias e conquistou outras posições de destaque ao redor do mundo. Lançada para promover a animação de Evangelion: 3.0+1.0 Thrice Upon a Time (2021), último filme da franquia Rebuild of Evangelion, projeto em que esteve envolvida desde 2007, quando apresentou Beautiful World, a canção produzida em parceria com A. G. Cook, uma das mentes por trás da PC Music, e Nariaki Obukuro, com quem havia colaborado anteriormente, era apenas o princípio de uma obra ainda maior. Em Bad Mode, 11º trabalho de estúdio, Utada não apenas preserva parte dos elementos apresentados nas últimas composições, como potencializa esse resultado. Diferente do registro anterior, em que assumiu de forma solitária a produção e parte dos arranjos que abastecem o disco, com o presente álbum, a cantora e compositora que nasceu em Nova Iorque e cresceu no Japão se permite estreitar a relação com uma série de novos parceiros. São nomes como Skrillex e Poo Bear, com quem colaborou na já conhecida Face My Fears, parte da trilha sonora do jogo Kingdom Hearts III (2019), e principalmente o britânico Sam Shepherd, do Floating Points, com quem divide algumas das principais criações do material. Leia o texto completo.


#39. Black Midi
Hellfire (2022, Rough Trade)

Hellfire, como o próprio título aponta, é um registro incendiário. Terceiro e mais recente trabalho de estúdio produzido pelo Black Midi, o álbum segue de onde o grupo britânico parou há poucos meses, em Cavalcade (2021), porém, partindo de uma abordagem ainda mais imprevisível e totalmente caótica. A própria imagem de capa do disco, uma criação em conjunto entre David Rudnick, Maharani Yasmine Putri e Emiel Pennickx, funciona como um precioso indicativo e alerta do delirante repertório que os músicos Geordie Greep, Cameron Picton e Morgan Simpson apresentam ao público. Composto durante o período de isolamento social, o trabalho que conta com produção de Marta Salogni (Björk, Animal Collective), parceira desde o disco anterior, evidencia o esforço do grupo londrino em ampliar criativamente o próprio campo de atuação. Para além dos experimentos regidos pelas guitarras de Greep, marca do introdutório Schlagenheim (2019), Hellfire chama a atenção pelo maior refinamento estético e busca do trio em incorporar diferentes estilos ao longo da obra. São variações instrumentais adornadas pelo uso de arranjos de cordas, metais e um vasto time de novos colaboradores em estúdio. Leia o texto completo.


#38. Axel Boman
LUZ /Quest For Fire (2022, Studio Barnhus)

Perto de completar dez anos de lançamento do primeiro trabalho de estúdio da carreira, Family Vacation (2013), Axel Boman decidiu presentear o público com não apenas um, mas dois registros de inéditas: LUZ e Quest For Fire. Sequência ao material entregue pelo produtor sueco em Le New Life (2019), o repertório que se divide em dois blocos bastante específicos de canções evidencia não apenas a capacidade do artista em transitar por entre estilos de forma sempre provocativa, como estreita a relação com diferentes colaboradores, entre eles, o artista visual Robin Ekemark e o diretor de arte Erik Lavesson. Nesse sentido, mais do que um exercício puramente sonoro, Boman garante ao público uma obra feita para ser absorvida integralmente, da identidade visual aos textos que acompanham a edição física do material. Claro que isso não interfere no processo de escuta dos dois trabalhos. E isso fica bastante evidente no primeiro deles, o versátil LUZ. De classificação difícil, o registro aponta para a produção eletrônica, porém, estabelece no precioso cruzamento de informações, ritmos e quebras o estímulo para capturar e orientar a experiência do ouvinte até a delicada música de encerramento, Hold On, com vozes do próprio produtor. Leia o texto completo.


#37. Haru Nemuri
春火燎原 (2022, TO3S Records)

Cantora, compositora e produtora de Yokohama, no Japão, Haru Nemuri conseguiu atrair a atenção do público e imprensa quando, há quatro anos, deu vida ao primeiro trabalho de estúdio da carreira, Haru to Shura (2018). Marcado pela criativa combinação de elementos que vai do rap ao hardcore, do pop ao uso de pequenas experimentações, o registro transita por entre estilos de forma sempre curiosa e imprevisível, indicativo da completa versatilidade da artista que busca ampliar ainda mais esse resultado com a chegada do segundo e mais recente álbum de inéditas, 春火燎原 (Shunka Ryougen). Obra de contrastes, como tudo aquilo que Nemuri tem produzido desde os primeiros registros autorais, Shunka Ryougen – em português, algo como “o fogo de primavera iluminando o campo em chamas” –, oscila entre momentos de maior calmaria e faixas deliciosamente caóticas. É como se a artista testasse os próprios limites dentro de estúdio, direcionamento que acaba se refletindo na longa duração do material. São 21 faixas que se espalham em um intervalo de mais de 60 minutos. Canções que encolhem e crescem a todo instante, sempre de maneira inusitada, garantindo maior fluidez e evidente dinamismo ao material. Leia o texto completo.


#36. Dry Cleaning
Stumpwork (2022, 4AD)

Uma tartaruga desaparecida, fragmentos de conversas com uma amiga que trabalha no Ártico, moedas quentes sendo jogadas para uma multidão em uma estranha cerimônia local. Em Stumpwork, segundo álbum de estúdio do Dry Cleaning, cada composição detalha um universo de pequenas histórias, narrativas e personagens tão ordinários quanto encantadores. É como um minucioso exercício criativo que segue de onde Florence Shaw (voz), Nick Buxton (bateria), Tom Dowse (guitarra) e Lewis Maynard (baixo) pararam há poucos meses, no introdutório New Long Leg (2021), porém, de forma ainda mais interessante. A exemplo do material entregue no disco anterior, Stumpwork se projeta em um espaço em branco, frio. São estruturas minimalistas, sempre calculadas, porém, entrecortadas pela poesia descritiva de Shaw. À medida que as composições avançam, blocos de ruídos e momentos de maior experimentação rompem com qualquer traço de linearidade, tornando a experiência de ouvir o trabalho bastante imprevisível. A própria faixa de abertura, Anna Calls From the Arctic, com suas guitarras labirínticas e versos que mais parecem pequenos fluxos de pensamento, funcionam como uma boa representação desse resultado. Leia o texto completo.


#35. Amber Mark
Three Dimensions Deep (2022, PMR)

Filha de pai jamaicano e mãe alemã, Amber Mark nasceu no Tennessee, porém, passou grande parte da infância e adolescência viajando pelo mundo. Foram diferentes países, incluindo um longo período de habitação em um monastério em Darjeeling, na Índia, onde se envolveu fortemente com a cultura local. Desse permanente cruzamento de fronteiras e contato direto com outros povos veio a relação da artista com a música, sempre diversa, pluralidade que acaba se refletindo de forma bastante sensível em cada uma das canções que abastecem o primeiro trabalho da cantora Three Dimensions Deep. Produto final de um lento processo de amadurecimento artístico que teve início há meia década, quando deu vida ao bem-sucedido 3:33am (2017), Mark faz do presente disco uma criativa combinação de ideias e referências que apontam para os mais variados campos da música. São canções que costuram passado e presente da produção negra, porém, de forma sempre particular, direcionamento explícito durante o lançamento do EP Conexão (2018), de onde vieram faixas como Love Me Righte a versão para Love Is Stronger Than Pride, de Sade, mas que ganha novo e delicado tratamento no fino repertório que embala a experiência do ouvinte até a composição de encerramento do trabalho, a atmosférica Event Horizon. Leia o texto completo.


#34. Billy Woods
Aethiopes (2022, Backwoodz Studioz)

Seja nos trabalhos em carreira solo, encontros com diferentes parceiros e incontáveis projetos paralelos, Billy Woods em nenhum momento parece seguir pelo caminho mais fácil. Perto de completar duas décadas de carreira, o rapper nova-iorquino continua a tensionar os limites da própria obra em busca de um resultado marcado pela provocação e permanente senso de ruptura. Canções que partem sempre de uma estrutura conceitual pré-estabelecida pelo artista em estúdio, mas que seguem por vias pouco usuais, proposta que vai da construção das rimas ao sempre inusitado uso das batidas e temas instrumentais. Primeiro trabalho de Woods em carreira solo desde a sequência formada por Hiding Places (2019) e Terror Management (2019), Aethiopes é um bom exemplo desse resultado. Tendo como ponto de partida o conceito de negritude, o rapper estadunidense atravessa séculos de conteúdo historiográfico em uma minuciosa análise sobre a diáspora das comunidades africanas e a forma como os colonizadores europeus moldaram a ideia sobre o que é ser uma pessoa preta. O próprio título da obra vem do termo empregado pelos gregos ao se referir aos povos do Alto Nilo e agrupamentos subsaarianos. Leia o texto completo.


#33. Animal Collective
Time Skiffs (2022, Domino)

Se levarmos em consideração o vasto repertório apresentado pelo Animal Collective nos anos 2000, difícil não pensar na última década como uma fase pouco proveitosa para a banda de Baltimore. Passado o lançamento do divisivo Centipede Hz (2012), o quarteto formado por Avey Tare (David Portner), Panda Bear (Noah Lennox), Deakin (Josh Dibb) e Geologist (Brian Weitz) deu vida a uma série de outros registros menores ou mesmo esquecíveis quando próximos do material entregue nos cultuados Strawberry Jam (2007) e Merriweather Post Pavilion (2009). É como se os quatro integrantes estivessem muito mais interessados nos próprios trabalhos em carreira solo do que na relação como grupo, vide o aparecimento de obras bastante significativas, caso de Panda Bear Meets the Grim Reaper (2015) e Sleep Cycle (2016). Prazeroso perceber em Time Skiffs, mais recente lançamento do quarteto, a passagem para uma obra tão provocativa quanto o material entregue na boa fase do Animal Collective. Primeiro trabalho de estúdio com os quatro integrantes reunidos desde Centipede Hz, o sucessor do mediano Painting With (2015) preserva a busca do grupo por uma sonoridade cada vez mais acessível, porém, pontuada por momentos de maior delírio que tensionam a experiência do ouvinte. Um misto de conforto permanente agitação criativa que acaba se refletindo em cada mínimo fragmento instrumental e poético do registro. Leia o texto completo.


#32. Ravyn Lenae
Hypnos (2022, Atlantic)

Há quatro anos, quando Ravyn Lenae deu vida ao último registro de inéditas, Crush EP (2018),o R&B vivia um de seus períodos mais férteis. Enquanto SZA ganhava o mundo com o ainda recente Ctrl (2017), nomes como Teyana Taylor, Jorja Smith, Tierra Whack e Kali Uchis brilhavam com uma seleção de outros lançamentos que proporcionaram ainda mais destaque ao estilo. Porém, na contramão dessas mesmas artistas, que seguiram em uma sequência de grandes registros e outras parcerias esporádicas, Lenae se manteve bastante discreta. Salve raras aparições, como em Rewind, produzida especialmente para a trilha sonora da quarta temporada de Inscure, pouco foi apresentado pela cantora e compositora de Chicago. A justificativa para tamanha discrição e afastamento do público? “Eu queria me desafiar vocalmente e desafiar minha caneta. Esse era meu objetivo principal. Acho que é fácil para mim cair nessa zona de conforto que é boa“, disse em entrevista ao The Recording Academy. Vem justamente desse esforço em buscar por novas possibilidades e testar os próprios limites o estímulo para o primeiro álbum de estúdio da artista estadunidense, o aguardado Hypnos. São canções que preservam tudo aquilo que a cantora tem produzido desde os primeiros registros autorais, porém, de forma sempre imprevisível. Leia o texto completo.


#31. Soul Glo
Diaspora Problems (2022, Epitah)

Diaspora Problemsé um desses trabalhos que acertam o ouvinte logo na primeira música. Passada a cômica introdução que emula por meio de um bong a vinheta da 20th Century Fox, o vocalista Pierce Jordan questiona aos berros: “Eu posso viver?“. É partindo desse direcionamento angustiado que o grupo, completo pelos músicos Ruben Polo (guitarras), GG (baixo) e TJ Stevenson (bateria), orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução do material. São canções ancoradas em conflitos raciais, críticas ao capitalismo e violências vividas pelos próprios integrantes do grupo original da Filadélfia. Entretanto, para além do evidente aprofundamento político e vivências expostas de forma sempre visceral, sobrevive no humor torto adotado pela banda um importante componente criativo para o fortalecimento de Diaspora Problems. “Olhos abertos e novamente estou inseguro / Olhos abertos e novamente estou no dia 15, vendo 20 policiais correrem em minha direção para proteger um banco“, brinca na descritivaJohn J, colaboração com Kathryn Edwards e Zula Wildheart, em que reflete de maneira bastante sóbria, ainda que leve e bem-humorada, sobre todas as implicações de ser um homem negro vivendo nos Estados Unidos. Leia o texto completo.


#30. Perfume Genius
Ugly Season (2022, Matador)

Ugly Season talvez seja o trabalho mais complexo já apresentado por Perfume Genius. Originalmente pensado por Mike Hadreas como parte do espetáculo The Sun Still Burns Here, criação da coreografa Kate Wallich e que contou com a participação do músico, o registro teve duas de suas faixas reveladas ao público há três anos, Eye In The Wall ePop Song, porém, acabou deixado de lado para que Hadreas pudesse se dedicar ao quinto álbum de estúdio carreira, Set My Heart on Fire Immediately (2020). Foi somente durante o período de isolamento social que o artista, mais uma vez acompanhado pelo produtor Blake Mills (Fiona Apple, Laura Marling), regressou ao projeto. E o resultado final surpreende. Diferente de tudo aquilo que Perfume Genius já havia testado anteriormente, Ugly Season é um trabalho muito mais orientado à construção dos arranjos do que necessariamente ao lirismo confessional que tanto caracteriza as criações do artista. E isso fica bastante evidente logo na música de abertura do disco, Just a Room. Soterrada em meio a orquestrações densas, a voz de Headres se projeta como um respiro sufocado. “Nenhum padrão / Sem flor / Onde estou te levando / Plano e estático / Apenas um quarto“, detalha o compositor, tateando poeticamente as paredes do estranho território criativo que se apresenta ao ouvinte. Leia o texto completo.


#29. The Weeknd
Dawn FM (2022, XO / Republic)

Em outubro de 2020, poucos meses depois de trabalhar na produção do bem-recebido After Hours (2020), de The Weeknd, Daniel Lopatin decidiu investir em um novo registro de inéditas como Oneohtrix Point Never, identidade assumida desde o início dos anos 2000. Durante o processo de criação do material, o produtor de Wayland, Massachusetts, encontrou em antigas estações de rádio da década de 1980 o estímulo para a formação de um repertório tão misterioso quanto hipnótico, conceito que se reflete em parte expressiva das composições de Magic Oneohtrix Point Never (2020), obra em que estreita a relação com Caroline Polachek (Long Road Home), Arca (Shifting) e o próprio Abel Tesfaye (No Nightmares). Embora siga por um caminho completamente distinto em relação ao material entregue em Dawn FM, quinto e mais recente trabalho de estúdio de The Weeknd, difícil não pensar nas canções de Oneohtrix Point Never como um esboço para o som incorporado pelo cantor e compositor canadense. Do uso caricatural dos sintetizadores às vinhetas que se completam pela inusitada participação do ator e comediante Jim Carrey, vizinho do artista, tudo contribui para o ambiente nostálgico e conceitual do registro. Entretanto, enquanto Lopatin segue no que parece ser uma estação de rádio pirata, talvez captada de algum universo paralelo, Tesfaye investe no que há de mais pop e convidativo em uma obra do gênero. Leia o texto completo.


#28. Fontaines D.C.
Skinty Fia (2022, Partisan)

Se você fizer o exercício de ouvir os três álbuns de inéditas do Fontaines D.C. em sequência, Dogrel (2019), A Hero’s Death (2020) e o recente Skinty Fia, irá perceber uma obra bastante consistente, ainda que cada registro entregue pela banda irlandesa aponte para uma direção completamente distinta. Em uma tentativa clara de testar os próprios limites dentro de estúdio, o grupo formado por Grian Chatten (voz), Conor Deegan III (baixo), Carlos O’Connell (guitarra), Conor Curley (guitarra) e Tom Coll (bateria) utiliza desse permanente tensionar das informações, temáticas e formas poucos usuais como estímulo natural para a montagem de um repertório que parece maior e mais instigante a cada novo movimento. Longe da crueza e evidente aceleração expressa no primeiro registro de inéditas, o quinteto de Dublin tem investido na produção de obras cada vez mais atmosféricas, soturnas e imersivas. E isso fica bastante evidente na mudança de rumo iniciada em A Hero’s Death e potencializada com a chegada do presente álbum. Do uso destacado das vozes ao tratamento dado aos arranjos, cada composição parece trabalhada em um medida própria de tempo, reforçando a densidade dos temas que se aprofundam em questões delicadas como a morte, relacionamentos fracassados, isolamento e a herança cultural dos integrantes. Leia o texto completo.


#27. Destroyer
Labyrinthitis (2022, Merge)

Sequência ao material entregue pelo Destroyer em Have We Met (2020), de onde vieram preciosidades como Cue Synthesizer e It Just Doesn’t Happen, Labyrinthitis funciona como uma criativa combinação de ideias que sintetiza a produção de Dan Bejar ao longo da última década. São canções que preservam o refinamento estético alcançado pelo cantor e compositor canadense em obras como Kaputt (2011) ePoison Season (2015), porém, partindo de uma abordagem essencialmente dinâmica, sempre pontuada pelo uso de referências eletrônicas aprimoradas pelo artista durante o lançamento de Ken (2017). A principal diferença em relação aos trabalhos que o antecedem, principalmente Have We Met, está na forma como Labyrinthitis encontra nas pistas um importante componente de inspiração. Com referências que vão de New Order à música produzida no final da década de 1970, Bejar convida o ouvinte a dançar. Exemplo disso fica bastante evidente em Eat The Wine, Drink The Bread. Uma das primeiras composições do disco a serem apresentadas ao público, a faixa captura a atenção do ouvinte pela intensa combinação entre batidas rápidas, camadas de sintetizadores e guitarras sempre marcadas pela fluidez dos elementos. Leia o texto completo.


#26. Mitski
Laurel Hell (2022, Dead Oceans)

Havia uma sensação de dever cumprido quando Mitski deu vida ao elogiadíssimo Be The Cowboy (2018). Depois de uma sequência da álbuns em busca da própria identidade, caso de Lush (2012) e Retired from Sad, New Career in Business (2013), e do início da parceria com o co-produtor Patrick Hyland, que resultou em trabalhos como Bury Me at Makeout Creek (2014) e o maduro Puberty 2 (2016), a japonesa naturalizada estadunidense parecia pronta para enfrentar os próprios conflitos e se assumir como protagonista em uma obra marcada pela ressignificação de sentimentos e temas historicamente associados a homens brancos. Não por acaso, passado o intenso processo de divulgação do trabalho, que contou com uma série de apresentações lotadas, a artista desativou os próprios canais oficiais e desapareceu. “É hora de ser humana novamente. E ter um lugar para morar”, escreveu em um comunicado divulgado à imprensa. Afinal, que direção seguir após o lançamento de uma obra tão significativa? A resposta para essa pergunta talvez seja encontrada nadas canções de Laurel Hell, primeiro trabalho de estúdio de Mitski em quatro anos e princípio de uma nova identidade artística que vai da construção dos arranjos aos versos. Leia o texto completo.


#25. Rachika Nayar
Heaven Come Crashing (2022, NNA Tapes)

Rachika Nayar é uma compositora que reside na região do Brooklyn, em Nova Iorque, mas que parece sintonizada com o cosmos. Depois de estrear com Our Hands Against The Dusk (2020), trabalho em que utiliza da sobreposição de guitarras para produzir delicadas paisagens instrumentais, a musicista decidiu ampliar o próprio campo de atuação e investir em um repertório marcado pelo criativo diálogo com a produção eletrônica. Depois de um ensaio com o material entregue em Fragments (2021), a artista retorna com sua maior e mais complexa criação, o transcendental Heaven Come Crashing. Marcado pelo refinamento dos arranjos e minucioso processo de criação da artista, o trabalho de dez faixas parte de uma abordagem reducionista, porém, cresce na utilização de pequenos acréscimos. São incontáveis camadas de sintetizadores, texturas e vozes. Mesmo as guitarras, sempre incorporadas de forma labiríntica, ganham novo tratamento ao longo do álbum. Instantes em que Nayar evoca o som ruidoso de veteranos como Fennesz eTim Hecker, mas em nenhum momento rompe com a própria identidade criativa, flutuando em meio a ambientações celestiais que parecem pensadas para envolver o ouvinte. Leia o texto completo.


#24. Soccer Mommy
Sometimes, Forever (2022, Loma Vista)

Mesmo partindo de um direcionamento criativo bastante específico, sempre centrado em memórias de um passado ainda recente e incontáveis desilusões sentimentais, Sophie Allison tem se forçado a testar os próprios limites como Soccer Mommy. E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos de Sometimes, Forever, terceiro e mais recente álbum de estúdio da compositora norte-americana. Enquanto os versos da introdutória Bones evidenciam o que há de mais doloroso no som produzido pela artista, camadas de guitarras, efeitos e ruídos ocasionais parecem pensados de forma a tensionar a experiência do ouvinte e reforçar a dor expressa em cada mínimo fragmento da composição. Parte desse resultado vem do esforço de Allison em estreitar a relação com o sempre inventivo Daniel Lopatin, oOneohtrix Point Never, produtor do álbum e artista que já colaborou com nomes como The Weeknd e FKA Twigs. O resultado desse processo está na entrega de uma obra que preserva tudo aquilo que a artista de Nashville havia testado durante o lançamento do disco anterior, Color Theory (2020), porém, utilizando de um novo desdobramento estético. São canções marcadas pelo uso de texturas e camadas de sintetizadores que vão de ambientações oníricas a momentos de maior experimentação. Leia o texto completo.


#23. Björk
Fossora (2022, One Little Independent)

Fossora, como tudo aquilo que Björk tem produzido desde os primeiros trabalhos em carreira solo, nasce como exercício criativo marcado pelo forte aspecto documental e vulnerabilidade dos temas. Composições que seguem por vias pouco convencionais, mas que ao serem organizadas, funcionam como um registro da vida sentimental da cantora, compositora e produtora islandesa. São histórias de amor, versos que tratam sobre o prazer feminino, rupturas e, no caso do presente álbum, uma reflexão sobre a inevitabilidade da morte, luto e a necessidade de seguir em frente. Contraponto aos temas celestiais e doce romantismo que marca o registro anterior, Utopia (2017), Fossora, como o próprio título aponta – do latim, “escavadora” –, é um álbum terroso. São canções que destacam o uso quase industrial das batidas e estabelecem em raízes emocionais, sempre profundas, a base para parte expressiva do repertório apresentado pela artista. Parte desse resultado vem do processo de isolamento vivido pela cantora durante o período pandêmico, o retorno ao país de origem após décadas de incursão por diferentes localidades e principalmente a morte da própria mãe, a ativista Hildur Rúna Hauksdóttir. Leia o texto completo.


#22. Nilüfer Yanya
Painless (2022, ATO)

Em se tratando dos próprios sentimentos, Nilüfer Yanya sempre foi bastante direta. Livre de possíveis metáforas e curvas poéticas, cada verso tecido pela cantora e compositora inglesa se revela ao público em uma abordagem essencialmente crua e confessional. “Lembro de tudo / Então eu não posso pegar nada de volta“, detalha em Midnight Sun, música que não apenas sintetiza a honestidade e firmeza no processo de criação da artista de Londres, com condensa de maneira expressiva parte dos temas incorporados em cada mínimo fragmento de Painless, segundo e mais recente trabalho de estúdio da musicista. Sequência ao material entregue no conceitual Miss Universe (2019), obra que funciona como uma central de atendimento em uma clínica fictícia para o tratamento de doenças mentais, o registro produzido durante o período de isolamento social reflete o que existe de mais doloroso e honesto na obra de Yanya. São canções consumidas pela permanente sensação de abandono vivido pela artista, como um produto natural das experiências acumuladas desde o início da pandemia. “A tristeza te pega até os ossos?“, questiona na introdutória The Dealer, música que aponta a direção seguida até a faixa de encerramento, Anotherlife. Leia o texto completo.


#21. Beach House
Once Twice Melody (2022, Sub Pop)

Existem artistas com obras inteiras que parecem incapazes de replicar aquilo que Victoria Legrand e Alex Scally apresentam em Once Twice Melody. Sequência ao material entregue no psicodélico 7 (2018), registro que contou com a produção de Sonic Boom (Panda Bear, MGMT), o novo álbum do Beach House encanta pelo intenso processo criativo e volume despejado pelos dois instrumentistas. São pouco mais de 80 minutos em que a dupla original de Baltimore, Maryland, confessa sentimentos e utiliza do maior refinamento dado às melodias como estímulo para a formação de um repertório que sintetiza de forma bastante expressiva tudo aquilo que a banda têm produzido em quase duas décadas de carreira. Entretanto, longe de parecer uma simples coletânea de ideias, o trabalho que, pela primeira vez, conta com produção assinada pelos próprios integrantes, abre passagem para um universo de novas possibilidades. Como indicado logo na autointitulada música de abertura do disco, Once Twice Melody cresce em meio a arranjos de cordas e inserções que potencializam o som produzido pela dupla. São incontáveis camadas instrumentais, melodias e vozes sobrepostas que garantem maior profundidade ao material, criando pequenas brechas para o experimentalismo de faixas como a eletrônica Masquerade e Over and Over. Leia o texto completo.


#20. MJ Lenderman
Boat Songs (2022, Dear Life)

Cantor e compositor original de Asheville, na Carolina do Norte, MJ Lenderman passou os últimos anos atuando como integrante do Wedensday, grupo comandado por Karly Hartzman e um dos nomes mais promissores da cena norte-americana. Entretanto, é nas horas vagas e nas criações em carreira solo que o guitarrista realmente diz a que veio. Do autointitulado registro de estreia, passando pelo ainda recente Ghost of Your Guitar Solo (2021), sobram momentos em que o músico brinca com as possibilidades em estúdio, direcionamento que ganha ainda mais destaque com as canções de Boat Songs. Terceiro e mais recente trabalho de estúdio do músico estadunidense, o registro de dez faixas concentra o que há de melhor e mais característico no som produzido por Lenderman. Estão lá as guitarras sempre carregadas de efeitos, a poesia alucinante que faz lembrar de nomes como Stephen Malkmus e o fino toque de descompromisso que tinge com incerteza a experiência do ouvinte durante toda a execução do material. Canções que vão do cancioneiro norte-americano ao rock de garagem, como um produto das influências e temas que tem sido incorporados pelo artista desde as primeiras criações em carreira solo. Leia o texto completo.


#19. Jockstrap
I Love You Jennifer B (2022, Rough Trade)

I Love You Jennifer Bé um trabalho completamente estranho. E isso está longe de parecer um problema. Aguardada estreia da dupla britânica Jockstrap, o registro concebido em um intervalo de quase três anos nasce como uma combinação das ideias, delírios e pequenas inquietações compartilhadas entre a cantora e compositora Georgia Ellery e o multi-instrumentista e produtor Taylor Skye. São canções que começam pequenas, assumem formas pouco usuais e não apenas tencionam a experiência do ouvinte, como tingem com incerteza o desenvolvimento da obra durante toda sua execução. Claro que isso está longe de parecer uma surpresa para quem há tempos acompanha o trabalho da dupla inglesa. Desde os primeiros registros autorais, no fim da década passada, Ellery e Skye tem investido na formação de um repertório que parte de uma abordagem íntima da música pop tradicional, porém, de maneira essencialmente fragmentada, torta. É como se os dois artistas, mesmo dotados de evidente domínio técnico, seguissem por um caminho nada convencional, proposta que faz de I Love You Jennifer B um campo aberto às possibilidades, busca por novas direções criativas e momentos de maior experimentação. Leia o texto completo.


#18. Gilla Band
Most Normal (2022, Rough Trade)

O ruído ensurdecedor logo nos primeiros minutos de Most Normalé apenas uma mostra de tudo aquilo que os integrantes do Gilla Band buscam desenvolver no terceiro e mais recente trabalho de estúdio. Sequência ao material entregue em The Talkies (2019), quando o grupo ainda se apresentava com o título de Girl Band, o registro mostra o que há de mais caótico e imprevisível no tipo de som produzido por Dara Kiely (voz), Alan Duggan (guitarras), Daniel Fox (baixo) e Adam Faulkner (bateria). Canções que parecem desabar como uma pilha de escombros e metais retorcidos na cabeça do ouvinte. Desafiador, como tudo aquilo que o quarteto de Dublin tem produzido desde o introdutório Holding Hands With Jamie (2015), Most Normal traz de volta uma série de conceitos testados nos dois primeiros trabalhos de estúdio, porém, partindo de uma abordagem essencialmente irregular, torta. São composições montadas a partir da fragmentação dos elementos, como estilhaços reorganizados de maneira desordenada. É como um campo aberto às possibilidades, proposta que parte da natureza inquieta do grupo, mas que acabou estabelecendo no período de isolamento social um espaço de maior efervescência e fina experimentação. Leia o texto completo.


#17. Special Interest
Endure (2022, Rough Trade)

Em um cenário de incertezas vivido durante a pandemia de Covid-19, os integrantes do Special Interest trouxeram algumas respostas. Utilizando de uma poesia combativa e batidas bem direcionadas, Alli Logout (vozes e letras) e seus parceiros de banda, Ruth Mascelli (produção eletrônica), Maria Elena (guitarras) e Nathan Cassiani (baixo), fizeram do segundo álbum de estúdio do grupo de Nova Orleães, The Passion Of (2022), um exercício criativo que não apenas bateu de frente com a política negligente de Donald Trump, então presidente dos Estados Unidos, como momentaneamente parecia convidar o ouvinte a dançar. Dois anos após o lançamento do trabalho que revelou preciosidades como Street Pulse Beat e Don’t Kiss Me In Public, satisfatório perceber em Endure, terceiro álbum de estúdio da banda da Louisiana, uma obra que preserva a potência das batidas e vozes, porém, se permite provar de novas possibilidades e diferentes direções criativas. São composições que estreitam a relação do quarteto com a música pop, conceito evidente durante toda a execução do registro, mas que em nenhum momento tendem ao óbvio, como uma simplificação banal e comercialmente viável para atender uma fatia maior do público. Leia o texto completo.


#16. Beth Orton
Weather Alive (2022, Partisan)

Embora resolvido na econômica combinação de oito composições, Weather Alive nasce como o produto final de um lento processo de aprimoramento artístico que já dura quase três décadas. Do uso calculado da vozes ao refinamento dado aos arranjos, cada elemento do registro evidencia o domínio criativo e entrega sentimental de Beth Orton, cantora e compositora inglesa que colaborou com nomes importantes como The Chemical Brothers e William Orbit, mas que regressa agora com uma obra em que cada mínimo fragmento instrumental e poético parece pensado e executado de forma sempre minuciosa. Sequência ao material entregue em Kidsticks (2016) e primeiro registro produzido integralmente pela artista que já trabalhou em estúdio com Ben Watt (Everything But The Girl), Jim O’Rourke e Andrew Hung (Fuck Buttons), Weather Alive concentra o que há de melhor e mais característico no som de Orton. São vozes enevoadas que se espalham em um labirinto de sensações, ritmos e sobreposições instrumentais que ora utilizam de ambientações acústicas, ora esbarram em experimentações com a música eletrônica. Canções que mais ocultam informações do que necessariamente atendem ao imediatismo do público. Leia o texto completo.


#15. Kendrick Lamar
Mr. Morale & the Big Steppers (2022,pgLang / Top Dawg / Aftermath / Interscope)

Mr. Morale & the Big Steppers não é apenas um disco. É uma verdadeira jornada pela mente, traumas, medos e inquietações de Kendrick Lamar. Do momento em que tem início, na voz do cantor Sam Dew (“Espero que você encontre alguma paz de espírito nesta vida“), cada fragmento do disco se projeta de forma expositiva e dolorosa. São canções que tratam sobre desenvolvimento pessoal, porém, consumidas por anos de repressão. É como se o rapper, agora pai de dois filhos, buscasse exorcizar os próprios demônios de forma a pavimentar um caminho seguro para o futuro. Conceitualmente dividido em dois blocos específicos de nove canções, totalizando 18 faixas e mais de 70 minutos de duração, o sucessor de DAMN (2017) sustenta na porção inicial a passagem para o lado mais frenético e atormentado da obra. Do ritmo imposto à introdutória United in Grief, com suas batidas e pianos entrelaçados, passando construção de músicas como N95 e Worldwide Steppers, tudo parece pensado para sufocar o ouvinte. São rimas tratadas de maneira urgente e movimentos rápidos que funcionam como uma representação do turbulento fluxo de pensamento que parece consumir a mente do próprio artista. Leia o texto completo.


#14. Alex G
God Save the Animals (2022, Domino)

O vocal altamente distorcido, quase irreconhecível, arranjos que oscilam entre formatações acústicas e diálogos com a produção eletrônica, ruídos e captações caseiras. Você não precisa ir além de After All, música de abertura em God Save the Animals para ser prontamente transportado para o mais novo álbum de Alex G. Sequência ao material entregue pelo cantor, compositor e produtor norte-americano em House of Sugar (2019), o novo disco oscila entre momentos de maior experimentação e faixas que parecem capturar a atenção do ouvinte logo em uma primeira audição, como um acumulo natural de tudo aquilo que o artista da Pensilvânia tem incorporado em mais de uma década de carreira. Propositadamente instável, como tudo aquilo que caracteriza as criações de Alexander Giannascoli, o registro produzido em parceria com o multi-instrumentista e velho colaborador Jacob Portrait, do Unknown Mortal Orchestra, mostra o artista em sua melhor forma. São composições que parecem extraídas de uma estranha estação de rádio. Canções que fazem lembrar as criações de veteranos dos anos 1980 e 1990, porém, totalmente fragmentadas, tortas, como se adaptadas ao estranho universo criativo do compositor que costuma se dividir entre estúdios profissionais e espaços improvisados de gravação. Leia o texto completo.


#13. Yaya Bey
Remember Your North Star (2022, Big Dada)

Desde que deu vida ao primeiro trabalho de estúdio, o delicado The Many Alter-Egos of Trill’eta Brown (2016), Yaya Bey tem feito das vivências como mulher negra, sonhos e desilusões um estímulo natural para a montagem de cada nova composição. Porém, mesmo nesse universo de pequenos acertos que ainda resultou em obras como This Too… (2019) e Madison Tapes (2020), nunca antes a cantora e compositora nova-iorquina pareceu tão madura e ainda vulnerável quanto no fino repertório que embala as canções de Remember Your North Star, quarto e mais recente álbum de inéditas revelado pela artista. Marcado pelo reducionismo dos arranjos e forte aspecto confessional dos versos, Remember Your North Star é uma obra que exige uma audição atenta, contudo, gratifica o público durante todo o processo de imersão. São canções que se aprofundam em temas como misoginia, empoderamento feminino, amor próprio ou mesmo simples romances passageiros. Frações poéticas e sentimentais que partem de acontecimentos reais vividos pela cantora, mas que em nenhum momento ecoam de maneira hermética. É como a passagem para um território tão particular e intimista que parece pertencer ao próprio ouvinte. Leia o texto completo.


#12. Charlotte Adigéry & Bolis Pupul
Topical Dancer (2022, Deewee / Because Music)

A mensagem de Charlotte Adigéry em Topical Dancer não poderia ser mais clara. Acompanhada pelo parceiro de produção Bolis Pupul, a artista de origem belga se concentra na montagem de um repertório marcado pelo forte discurso político, debates sobre xenofobia, sexismo e pós-colonialismo, porém, sempre pontuados pelo caráter dançante. São canções que atravessam as pistas e sustentam na construção dos versos um precioso exercício de formação da própria identidade artística, direcionamento que embala com naturalidade a experiência do ouvinte até a derradeira Thank You. E isso fica bem representado logo na sequência de abertura do disco. Passada a introdutória Bel Deewee, em que Adigéry busca se comunicar por meio de um interfone, Esperanto aponta a direção seguida pela dupla durante toda a execução do registro. São pouco mais de três minutos em que a cantora utiliza de uma série de conceitos falsamente progressistas de forma quase educacional, desmistificando termologias e trazendo provocações de forma bem-humorada. “Você é um agressor ou uma vítima? / Você carrega o fardo desse privilégio? / Você vê essa culpa como uma alavanca?“, questiona ao longo da canção. Leia o texto completo.


#11. Angel Olsen
Big Time (2022, Jagjaguwar)

Os meses que antecedem as gravações de Big Time, sexto e mais recente trabalho de estúdio de Angel Olsen, foram bastante turbulentos para a cantora e compositora norte-americana. Em um intervalo de poucos dias, a artista que havia acabado de se revelar como homossexual, foi surpreendida com a notícia do falecimento do próprio pai, que morreu durante o sono, aos 89 anos, e, semanas depois, com a partida da mãe, vítima de insuficiência cardíaca, aos 78 anos. Mesmo consumida pela dor, Olsen decidiu não adiar as sessões que já havia agendado e fez disso um melancólico estímulo para o material. Não por acaso, parte expressiva das canções que embalam o sucessor de All Mirrors (2019) giram em torno de temas como saudade, partida e separação. A diferença em relação a outros trabalhos revelados pela artista, como os também dolorosos Burn Your Fire for No Witness (2014) eMy Woman (2016), está na forma como Olsen parece aceitar a própria condição. “Acho que é hora de acordar desta viagem em que estivemos … Obrigado pela carona / E todos os bons momentos“, canta logo nos primeiros minutos do disco, na já conhecida All The Good Times, composição que aponta a direção seguida ao longo do registro. Leia o texto completo.


#10. Sudan Archives
Natural Brown Prom Queen (2022, Stone Throw Records)

Sudan Archives, assim como Jamila Woods, Solange, L’Rain e YaYa Bey, é parte importante de uma frente de mulheres negras que não apenas abandonaram a posição de intérpretes, como assumiram um papel dominante no processo de composição e produção de seus próprios trabalhos. Dessa forma, ao mergulhar nas canções Natural Brown Prom Queen, temos acesso não apenas a um novo e importante capítulo na obra da cantora e compositora estadunidense, mas o produto final de um lento processo de amadurecimento pessoal e transformação criativa que teve início ao longo da última década. Desde que foi oficialmente apresentada, com um autointitulado registro de inéditas, Brittney Denise Parks, verdadeiro nome da musicista, tem investido na construção de um repertório que aponta para diferentes direções criativas e perverte cada uma delas. E isso ficou ainda mais evidente em toda a sequência de obras reveladas pela artista, como no posterior Sink EP (2018), em que estreita relações com a música africana, e principalmente com o lançamento de Athena (2019), primeiro álbum de estúdio e uma tentativa, por vezes torta, de organizar parte desses elementos, ritmos e conceitos que vinham sendo explorados. Leia o texto completo.


#9. Chat Pile
God’s Country (2022, The Flenser)

Denso, ruidoso e truculento,God’s Country ecoa como se uma pilha de escombros desabasse sobre o ouvinte. Estreia do quarteto norte-americano Chat Pile, o trabalho de nove faixas estabelece nas inquietações vividas por Raygun Busch (voz), Luther Manhole (guitarras), Stin (baixo) e Captain Ron (bateria) um estímulo natural para a construção do repertório que contesta o modo de vida estadunidense. São canções marcadas pelo forte discurso político e permanente sensação de decadência, estrutura que ultrapassa o limite dos versos e acaba se refletindo em cada mínimo fragmento instrumental. “Por que as pessoas têm que viver lá fora? / Em tendas, sob pontes / Vivendo sem nada e sofrendo / Por quê?“, questiona Busch em Why, música que não apenas evidencia a potência do som produzido pelo grupo de Oklahoma, como apresenta parte dos elementos que serão explorados ao longo da obra. “Por que as pessoas têm que viver lá fora? / Temos os recursos / Nós temos os meios“, reforça o vocalista em uma angustiada reflexão sobre oaumento no número de pessoas desabrigadas em diferentes cidades dos Estados Unidos, algumas delas, como Los Angeles e a cosmopolita Nova Iorque, as mais ricas do país. Leia o texto completo.


#8. SZA
SOS (2022, Top Dawg / RCA)

SOSé um delicado estudo a solidão. E se a imagem de capa, inspirada em um melancólico registro da Princesa Diana, bem como o título do trabalho não dão conta de traduzir isso, SZA faz questão de reforçar esse direcionamento temático durante toda a execução do material. “Como lidar com a rejeição? Estou lidando com muita rejeição agora. Isso me faz sentir pequena“, confessa logo nos minutos iniciais de Far, uma das diferentes composições que se aprofunda na mente, tormentos e conflitos sentimentais da artista que foi alavancada por conta do sucesso do disco anterior, o delicado Ctrl (2017). Adiado por conta de uma série de desentendimentos com a própria gravadora e dificuldades da artista em entender como promover o registro, SOS é um trabalho que foi gestado de maneira lenta, porém, se apresenta ao público em sua melhor forma. Embora exageradamente extenso, do momento em que tem início, na autointitulada composição de abertura, difícil não se deixar conduzir pelo delicado exercício emocional proposto pela cantora. São canções ancoradas em memórias de um passado ainda recente, fresco, mas que parecem moldadas de forma a dialogar com as angústias vividas por qualquer ouvinte. Leia o texto completo.


#7. The Smile
A Light for Attracting Attention (2022, XL)

De tempos em tempos, Thom Yorke costuma se distanciar das criações do Radiohead para mergulhar em um novo registro em carreira solo ou mesmo abraçar diferentes projetos paralelos. Entretanto, ao investir no colaborativo The Smile, o cantor e compositor britânico decidiu manter a relação com a antiga banda, pelo menos em partes, estreitando a relação com o velho parceiro, o multi-instrumentista e compositor Jonny Greenwood. O resultado desse processo, que ainda conta com a presença do baterista Tom Skinner, integrante do Sons of Kemet, um dos coletivos de jazz mais importantes da cena inglesa, está nas canções de A Light for Attracting Attention, primeira e bem-sucedida empreitada assumida pelo trio. Com produção assinada pelo experiente Nigel Godrich (Paul McCartney, Arcade Fire), “sexto membro” do Radiohead, o trabalho inaugurado pela crescenteThe Same, com seus sintetizadores e costuras eletrônicas, segue exatamente de onde Yorke parou há três anos, durante a montagem do último álbum em carreira solo, ANIMA (2019). São inserções minuciosas, texturas e sobreposições que, pouco a pouco, ampliam os horizontes do trio. É como um campo aberto às possibilidades, estrutura reforçada com a chegada da música seguinte, The Opposite, faixa que destaca o uso dos instrumentos e a presença de Greenwood, convidando o ouvinte a se perder em um labirinto de sons e efeitos pouco usuais, sempre imprevisíveis. Leia o texto completo.


#6. Weyes Blood
And in the Darkness, Hearts Aglow (2022, Sub Pop)

Com os versos lançados logo nos minutos iniciais de And in the Darkness, Hearts Aglow, Natalie Mering não apenas introduz o público ao melancólico território criativo explorado no mais recente trabalho como Weyes Blood, como estabelece um precioso senso de cumplicidade e diálogo com o ouvinte. “Não sou só eu, é todo mundo“, reflete. Segundo capítulo da trilogia iniciada com Titanic Rising (2019), o álbum marcado pela vulnerabilidade das canções é, como qualquer obra posicionada no meio de um conteúdo seriado, um material consumido pela herança do registro que o antecede e a expectativa do que ainda está por vir. E é nesse cenário de incertezas que Mering faz nascer um de suas maiores criações. Embora produzido e fortemente inspirado pelo período pandêmico, And In The Darkness, Hearts Aglow é um trabalho que parece sobreviver para além de um momento historiográfico específico. Trata-se de uma obra marcada pelo sentimento de estagnação. Composições que flutuam em um ambiente sombrio, por vezes livres de qualquer traço de perspectiva, porém, iluminadas pela esperança internalizada que pouco a pouco invade a construção dos versos. “Não sabemos para onde vamos / Apenas ficamos cada vez mais altos / Corações brilhando“, canta em Hearts Aglow, música que sintetiza parte dessa direcionamento. Leia o texto completo.


#5. Black Country, New Road
Ants From Up There (2022, Ninja Tune)

Poucas coisas são tão satisfatórias quanto perceber o processo de transformação de um artista ou coletivo em um curtíssimo intervalo de tempo. E é exatamente isso que você encontra nas canções de Ants From Up There. Sequência ao material entregue no ainda recente For the First Time (2021), revelado há poucos meses, o segundo álbum do Black Country, New Road encanta não somente pela capacidade da banda encabeçada por Isaac Wood em preservar tudo aquilo que foi apresentado no disco anterior, como em expandir estruturas e conceitos de forma ainda mais impactante. Da construção dos versos ao acabamento dado aos arranjos, tudo parece pensado para representar a potência do grupo. Entretanto, diferente de outros trabalhos regidos pelo mesmo caráter orquestral e criativa combinação de ideias, típica de um segundo disco, o álbum de dez faixas encanta justamente pelo equilíbrio alcançado pela banda que se completa pelos músicos Tyler Hyde (baixo), Lewis Evans (saxofone), Georgia Ellery (violino), May Kershaw (teclados), Charlie Wayne (bateria) e Luke Mark (guitarras). São momentos de calmaria e caos que garantem maior dinamismo ao registro, fazendo desse permanente cruzamento de informações e quebras ocasionais o estímulo para a formação de um material sempre exploratório. Leia o texto completo.


#4. Alvvays
Blue Rev (2022, Polyvinyl / Transgressive)

Quem ouve as canções de Blue Rev não imagina o quão caótico foi o processo de criação do terceiro álbum de estúdio do Alvvays. Poucas semanas após o lançamento de Antisocialites (2017), segundo registro de inéditas da banda, a cantora, compositora e guitarrista Molly Rankin deu início ao processo de gravação de um novo repertório. Entretanto, parte expressiva das composições tiveram de ser refeitas quando um ladrão invadiu o apartamento da musicista canadense e roubou o gravador onde vinha registrando o material. Soma-se a isso uma inundação que quase destruiu os equipamentos do grupo e a impossibilidade de excursionar por conta da pandemia de Covid-19. Era como se tudo contribuísse para o que o disco simplesmente não existisse ou fosse abandonado pela artista. De um jeito ou de outro, Rankin, que ainda viveu uma forte crise emocional, soube como transportar para dentro de estúdio parte dessas experiências e imprevisível processo de criação. E isso se reflete não apenas no forte aspecto melancólico das letras, conceito que tem sido explorado desde oautointitulado registro de estreia da banda, mas no uso ruidoso dos elementos e fluidez desordenada do material. Não por acaso, Pharmacist foi a canção escolhida para anunciar a chegada do disco. Pouco mais de dois minutos em que versos consumidos pelos sentimentos se espalham em meio a guitarras carregadas de efeitos, quebras e sobreposições, lembrando as criações do My Bloody Valentine no barulhento Loveless (1991). Leia o texto completo.


#3. Big Thief
Dragon New Warm Mountain I Believe in You (2022, 4AD)

Não existem artistas hoje que deem conta de replicar o mesmo volume de entrega e qualidade explícita no material produzido por Adrianne Lenker. Em um intervalo de pouquíssimos anos, a cantora, compositora e produtora norte-americana não apenas deu vida a uma série de obras importantes em carreira solo, caso de Abysskiss (2018), Songs (2020) e Instrumentals (2020), como fez do Big Thief, grupo formado em parceria com Buck Meek, Max Oleartchik e James Krivchenia, um dos mais importantes da cena norte-americana, feito reforçado com a chegada de Dragon New Warm Mountain I Believe in You. Sequência ao material entregue em Two Hands (2019), o trabalho de 20 faixas e pouco mais de 80 minutos de duração se revela ao público como uma obra viva. Assim como havia testado em U.F.O.F. (2019), Lenker e seus parceiros de banda se concentram na produção de um repertório totalmente imersivo e orgânico, fazendo de cada mínimo fragmento que surge por entre as brechas do disco um precioso componente criativo. Da corda estridente, meio bamba, utilizada como elemento rítmico em Time Escaping, aos estalos com os dedos que atravessam o coro de vozes e flautas em No Reason, todo e qualquer ruído, mesmo o mais discreto, exerce uma função específica dentro do ambiente proposto pelo quarteto norte-americano. Leia o texto completo.


#2. Rosalía
Motomami (2022, Columbia)

Passado o lançamento de El Mal Querer (2018), Rosalía simplesmente não descansou. Aproveitando da atenção recebida pelo público e imprensa, a cantora e compositora espanhola mergulhou em uma sequência de colaborações com diferentes nomes da música pop. Da parceria com J Balvin, em Con Altura, passando pelo encontro com Travis Scott, Arca, Ozuna, James Blake, Bad Bunny, Tokischa e Billie Eilish, sobram momentos em que a artista parecia testar os próprios limites em estúdio. Isso sem mencionar a frente de outras composições assumidas de forma independente, caso de Fucking Money Man, A Palé, Aute Cuture, Juro Que e demais registros sempre marcados pelo evidente refinamento estético e entrega. Sobrevive justamente nessa insana combinação de ideias, encontros e colaborações com diferentes artistas o estímulo para o terceiro trabalho de estúdio da cantora, Motomami. Nascido de um período de forte instabilidade emocional e bloqueio criativo que resultou na mudança para o apartamento de Frank Ocean, em Nova Iorque, onde finalizou parte das canções, o sucessor de El Mal Querer encanta pela capacidade de Rosalía em perverter a homogeneidade proposta no disco anterior. São composições marcadas pela fragmentação dos elementos e uso da aceleração como importante componente criativo. Leia o texto completo.


#1. Beyoncé
Renaissance (2022, Parkwood / Columbia)

Em 2019, quando subiu ao palco do GLAAD Awards, para receber um prêmio pela contribuição na luta pela comunidade LGBTQIA+, Beyoncé, acompanhada pelo marido, o rapper Jay-Z, se mostrou bastante emocionada durante a fala em que agradecia ao “tio Johnny”, um sobrinho de sua mãe, Tina Knowles, que veio a falecer em decorrência de HIV. “Quero dedicar este prêmio ao meu tio Johnny, o gay mais fabuloso que já conheci, que ajudou a criar a mim e minha irmã”, disse a cantora. Há poucos dias, às vésperas do lançamento Renaissance, sétimo álbum em carreira solo, a memória de Johnny mais uma vez foi citada no texto de apresentação do material. “Ele foi minha madrinha e a primeira pessoa a me expor a muita música e cultura que servem de inspiração para esse trabalho“, escreveu. É partindo desse olhar melancólico para um passado ainda recente, porém, exaltando as histórias, ritmos e vivências de indivíduos marginalizados, que Beyoncé abre passagem para um novo e delicado capítulo dentro da própria discografia. Deliciosamente nostálgico, ainda que atual, Renaissance segue uma trilha particular em relação a tantos outros registros marcados pelo aspecto revivalista, como em What’s Your Pleasure? (2020), de Jessie Ware, eRóisín Machine (2020), de Roisín Murphy. Mais do que emular a estética de um período específico, a artista faz de cada composição um objeto de estudo e delicada homenagem. Leia o texto completo.


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Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.