Os 50 Melhores Discos Internacionais de 2021

/ Por: Cleber Facchi 16/12/2021

Do momento em que teve início, com os trabalhos de Jazmine Sullivan e The Weather Station, passando pelo aparecimento de novatos como Parannoul, Magdalena Bay e Olivia Rodrigo, ao retorno de gigantes da indústria, caso de Adele, Lana Del Rey e Billie Eilish, 2021 acabou se revelando um período bastante produtivo e repleto de grandes lançamentos. Depois de selecionar os 50 melhores discos brasileiros apresentados entre janeiro e dezembro deste ano, é hora de olhar para o cenário internacional e catalogar algumas das obras mais expressivas do período.


#50. Danny L Harle
Harlecore (2021, Mad Decent)

Junto de A. G. Cook e SOPHIE, Danny L Harle foi um dos responsáveis por moldar a cara da música pop na última década. Conhecido pelas criações como colaborador de diferentes nomes da PC Music, o artista londrino passou os últimos anos se revezando em uma série de composições ao lado de Charli XCX, Rina Sawayama, Clairo e outros personagens importantes do gênero. São canções marcadas pelo caráter referencial dos temas, uso estilizado das vozes, sintetizadores e batidas que apontam para diferentes campos da produção eletrônica, proposta que ganha ainda mais destaque no material entregue em Harlecore, primeiro álbum de estúdio do produtor.Conceitualmente dividido em quatro blocos específicos de canções, um para cada identidade adotada por Harle, o registro parte de uma abordagem própria do produtor britânico, porém, estabelece no curioso diálogo com um time seleto de colaboradores o principal componente criativo para o fortalecimento da obra. São personagens como DJ Mayhem, concebido em parceria com o também produtor Hudson Mohawke; MC Boing, ao lado do conterrâneo Lil Data, e DJ Ocean, pseudônimos em que estreita a relação com a cantora e compositora norte-americana Caroline Polachek, com quem tem colaborado em estúdio desde a entrega do elogiado Peng (2019). Leia o texto completo.

.

#49. Porter Robinson
Nurture (2021, Mom + Pop)

Em 2015, consumido pela depressão e outros problemas relacionados à própria saúde mental, Porter Robinson, então com 23 anos, uma carreira bem-sucedida e apresentações espalhadas por diversos festivais, decidiu se distanciar os palcos e estúdio em busca de tratamento. Salve criações aleatórias, como Shelter, parceria com o amigo e também produtor Madeon, pouco foi apresentado pelo artista da Carolina do Norte após o lançamento de Worlds (2014). Vem justamente desse período de forte instabilidade emocional, recolhimento e busca por novas abordagens criativas que o músico norte-americano encontrou as bases para o delicado Nurture, trabalho em que desenvolve lírica e musicalmente parte das experiências sentimentais vividas nos últimos anos. “Quando a glória tenta te seduzir / Pode parecer o que você necessite / Mas se a glória te faz feliz / Por que você está tão quebrado?“, questiona em Get Your Wish, uma das primeiras composições produzidas pelo artista após o longo período de hiato e uma síntese conceitual de tudo aquilo que Robinson busca desenvolver ao longo do disco. “Quando comecei a escrever esse álbum, estava lutando com algumas questões pesadas: por que estou me matando por isso? O que eu espero que aconteça que ainda não aconteceu? Por que eu preciso me provar novamente? A resposta que cheguei você pode ouvir nessa música“, comentou em entrevista. Declaradamente inspirada pelas criações de Bon Iver, em 22, a Million (2016), a canção estabelece na manipulação das vozes e uso delicado dos sintetizadores a base para tudo aquilo que o produtor apresenta ao longo do registro. Instantes de maior instabilidade, porém, pontuados por momentos de maior comoção e entrega. Leia o texto completo.

.

#48. Black Country, New Road
For the First Time (2021, Ninja Tune)

De tempos em tempos, a cena britânica oferece ao público algum novo exemplar que preserva a essência de outros registros próximos, mas que parece seguir por uma trilha pouco convencional. Foi assim com Go Tell Fire to the Mountain (2011), do Wu Lyf, The Ooz (2017), do King Krule e, mais recentemente, Schlagenheim (2019), do Black Midi. Trabalhos que apontam para a obra de veteranos como Public Image Ltd. e Wire, porém, utilizam de uma linguagem completamente anárquica, conceito que acaba se refletindo com bastante naturalidade no primeiro álbum de estúdio do coletivo Black Country, New Road, For the First Time. Hoje formado por Isaac Wood (voz, guitarras), Tyler Hyde (baixo), Lewis Evans (saxofone), Georgia Ellery (violino), May Kershaw (teclados), Charlie Wayne (bateria) e Luke Mark (guitarras), o grupo londrino lançou há dois anos a extensa Sunglasses, faixa que não apenas reflete parte da identidade criativa da banda inglesa, como orienta a experiência do ouvinte durante toda a execução da presente obra. São canções que se espalham em uma medida própria de tempo, sem pressa, estrutura que oferece ao coletivo a chance de brincar com as possibilidades dentro de estúdio e fazer de cada composição a passagem para um ambiente deliciosamente torto e imprevisível. Leia o texto completo.

.

#47. Sofia Kourtesis
Fresia Magdalena (2021, Technicolour)

De origem peruana, porém, residente em Berlim, na Alemanha, Sofia Kourtesis tem feito dessas diferentes vivências a base para o próprio trabalho. São canções que utilizam de elementos da cultura latina, mas que há todo momento estreitam a relação com os mais variados nomes da produção eletrônica, como a produtora colombiana Ela Minus e a artista inglesa Kelly Lee Owens. Composições que transitam por entre gêneros de forma essencialmente detalhista, tratamento que ganha ainda mais destaque com a chegada de Fresia Magdalena, registro em que confessa algumas de suas próprios referências criativas, contudo, preservando tudo aquilo que tem sido produzido desde os primeiros registros autorais, caso do ainda recente Sarita Colonia EP (2020).E essa riqueza no processo de composição se reflete logo nos primeiros minutos do trabalho, em La Perla. Inaugurada em meio a camadas de sintetizadores, melodias discretas e batidas cuidadosamente encaixadas pela artista peruana, a canção pouco a pouco se transforma em um colorido mosaico de pequenos detalhes e elementos extraídos do mais variados campos da música. São fragmentos de vozes cantadas em espanhol, ruídos e captações que se revelam ao público em uma medida própria de tempo, sem pressa. Instantes em que Kourtesis mergulha nas ambientações etéreas de Owens e outros nomes próximos, porém, utiliza do mesmo caráter abrasivo que aponta para diferentes realizadores da produção latina, vide os temas incorporados em Pop Negro (2010), de El Guincho. Leia o texto completo.

.

#46. Laura Mvula
Pink Noise (2021, Atlantic)

Quantos trabalhos recentes você ouviu que foram diretamente influenciados pelo pop dos anos 1980? Somente no último ano, nomes como The Weeknd, Jessie Ware e Dua Lipa fizeram desse curioso olhar para o passado a base para uma seleção de músicas adornadas pelo uso de sintetizadores e melodias nostálgicas. Canções que, mesmo sem grandes pontos de transformação, reforçaram o impacto e relevância artística do período, há mais de duas décadas sendo revisitado por diferentes nomes da indústria. E é partindo justamente desse resgate conceitual e estético que a cantora e compositora britânica Laura Mvula rompe com o hiato vivido desde The Dreaming Room (2016) para dar vida ao terceiro e mais recente álbum de estúdio da carreira, Pink Noise.Inspirado de forma confessa pela música produzida há quatro décadas, o registro de essência nostálgica passeia em meio a incontáveis camadas de sintetizadores, batidas que parecem saídas de algum disco de Phill Collins e estruturas deliciosamente dançantes que ora apontam para a obra de Michael Jackson, ora fazem lembrar da boa fase de Diana Ross. “Esse é o disco que eu sempre quis fazer. Cada canto é aquecido com tons de pôr-do-sol dos anos 80. Eu nasci em 1986. Saí do útero usando ombreiras. Eu absorvi o dinamismo da estética dos anos 80 desde meus primeiros momentos neste planeta. A luta pela identidade parece ser um dos ritos de passagem do artista consagrado“, comentou Mvula no texto de apresentação do trabalho, detalhando o fascínio pelo período. Leia o texto completo.

.

#45. Lingua Ignota
Pink Noise (2021, Sargent House)

Os versos lançados logo nos primeiros minutos da extensa The Order of Spiritual Virgins, música de abertura em Sinner Get Ready, novo álbum de Lingua Ignota, dizem muito sobre a teatralidade e forte carga emocional que orienta as criações da cantora, compositora e multi-instrumentista Kristin Hayter. “Escondam seus filhos, escondam seus maridos / Eu sou implacável, sou incessante, sou o oceano / E todos os que se atrevem a olhar para mim juram devoção eterna“, anuncia em meio a vozes ora berradas, ora cantadas. São movimentações lentas e densas, como se pensadas para sufocar o ouvinte, conceito que tem sido explorado pela musicista californiana desde a produção do introdutório Let the Evil of His Own Lips Cover Him (2017).A principal diferença em relação aos antigos trabalhos da cantora, principalmente o antecessor Caligula(2019), está na forma como Hayter potencializa o uso de temas religiosos, direcionamento que vai da construção das letras ao uso deturpado da música sacra, com seus órgãos soprados de forma melancólica e coros de vozes tratados como um instrumento complementar. Exemplo disso acontece na já conhecida Perpetual Flame Of Centralia, música que vai do céu ao inferno em meio a fragmentos bíblicos e momentos de maior vulnerabilidade, como se a artista transportasse para dentro de estúdio parte das experiências, angústias e dores vividas nos últimos meses. Leia o texto completo.

.

#44. William Doyle
Great Spans of Muddy Time (2021, Tough Love Records)

Great Spans of Muddy Timeé um produto da catástrofe. Durante o processo de gravação do trabalho, o cantor e compositor William Doyle viu grande parte do registro se perder em um acidente que deu fim ao disco rígido do computador onde armazenava as composições. Com o material parcialmente salvo apenas em uma fita cassete, o músico inglês se viu forçado a remontar as peças da novo álbum de forma torta, rompendo com o habitual preciosismo explícito no processo de gravação de Total Strife Forever (2014) e Culture of Volume (2015), quando ainda se apresentava como East India Youth, e Your Wilderness Revisited (2019), registro que levou quase quatro anos até ser finalizado.O resultado desse inusitado processo de composição está na entrega de uma obra essencialmente contida, mas não menos detalhista. Longe das habituais camadas de sintetizadores e temas eletrônicos que marcam a sequência de obras entregues pelo compositor ao longo da última década, Doyle se concentra na entrega de um material reducionista. São guitarras enevoadas, melodias tecidas com evidente sutileza e vozes que se projetam como um instrumento complementar, ocupando as pequenas brechas do registro. Instantes em que o artista parece encolher quando próximo de som psicodélico de canções como Millersdale e todo o fino repertório lançado como East India Youth, porém, cresce na forma como os sentimentos e versos ganham ainda mais destaque. Leia o texto completo.

.

#43. Arooj Aftab
Vulture Prince(2021, New Amsterdam)

Feche os olhos por alguns segundos e deixe que Arooj Aftab conduza sua experiência. Cantora e compositora que nasceu no Paquistão, mas hoje reside na região do Brooklyn, em Nova Iorque, a multi-instrumentista faz de cada fragmento da atmosférica Baghon Main, composição de abertura em Vulture Prince, um precioso exercício de apresentação e domínio criativo. São incontáveis camadas instrumentais que ora transportam o ouvinte para o ambiente à meia-luz de um clube de jazz, efeito direto de contrabaixo destacado de Petros Klampanis, ora apontam para um território de essência transcendental, produto direto das orquestrações pontuadas por motivos orientais e paisagens minimalistas que se revelam ao público em uma medida própria de tempo.É partindo desse mesmo direcionamento estético que Aftab, dona de outros dois ótimos trabalhos de estúdio, Bird Under Water (2014) e Siren Islands (2018), conduz a experiência do ouvinte até o fechamento da obra. E isso fica ainda mais evidente na segunda composição do disco, Diya Hai. Acompanhada do dedilhado labiríntico de Badi Assad, proposta que faz lembrar de nomes como Yasmin Williams e William Tyler, a canção adota uma atmosfera essencialmente densa e poucas vezes antes vista nos antigos registros da artista. São movimentos instrumentais que surgem e desaparecem durante toda a execução da faixa, sempre acompanhados pelos versos cantados em urdu, como uma ponte entre as vivências recentes da musicista e a própria herança cultural e familiar. Leia o texto completo.

.

#42. Faye Webster
I Know I’m Funny haha(2021, Secretly Canadian)

Reverenciar o passado, porém, preservando a própria essência. Esse parece ser o direcionamento criativo de Faye Webster em I Know I’m Funny haha. Fortemente influenciado pelo cancioneiro norte-americano, o sucessor do elogiado Atlanta Millionaires Club (2019) busca inspiração no som empoeirado de veteranos como Neil Young, Loretta Lynn e outros nomes de peso do gênero, porém, estabelece na poesia urbana e deliciosamente sarcástica e estímulo para um repertório próprio da artista de Atlanta. São canções que partem de experiências mundanas, combinam relacionamentos fracassados e inquietações em meio a arranjos cuidadosos, produto do completo domínio da musicista, sempre inclinada a testar os próprios limites em estúdio.E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos do disco, em Better Distractions. Enquanto guitarras slide se espalham em meio a pianos nostálgicos, Webster utiliza de um romance instável para refletir sobre o período de isolamento e mudanças causadas durante a pandemia de Covid-19. “Eu tentei comer, tentei dormir, mas tudo me parece chato / Não sei o que fazer / Tenho dois amigos que pude ver, mas eles têm dois empregos e um bebê“, canta. São escolhas criativas e temáticas que talvez passassem despercebidas nas mãos de outros compositores, mas que ganham novo significado nas experiências detalhadas pela artista ao longo da obra. Exemplo disso acontece na própria faixa-título do trabalho, em quediscute de forma cômica conflitos vividos com a família do próprio namorado (“Eu acho suas irmãs tão bonitas / Elas ficaram bêbadas e esqueceram que me conhecem“). Leia o texto completo.

.

#41. Nick Cave & Warren Ellis
Carnage(2021, Golith)

Poucos artistas têm vivido um período tão fértil e bem-sucedido quanto Nick Cave. Passado o breve tropeço no mediano Nocturama (2003), o cantor e compositor norte-americano vem se revezando em uma sequência de obras marcadas pela força das canções, versos detalhistas e profunda entrega sentimental. Um evidente exercício de domínio criativo vai da dobradinha composta pelo paralelo Grinderman à trilogia apresentada em colaboração com os parceiros de banda no Bad Seeds, caso de Push the Sky Away (2013), Skeleton Tree (2016) e, mais recentemente, Ghosteen (2019), trabalho que revelou músicas importantes como Bright Horses, Night Raid e Hollywood.Esse mesmo refinamento pode ser percebido nas canções de Carnage. Sequência ao material entregue pelo cantor no ainda recente Idiot Prayer (2020), registro em que se apresenta de forma solitária no Alexandra Palace, em Londres, o trabalho concebido em parceria com Warren Ellis, principal parceiro de composição de Cave há mais de duas décadas, concentra o que há de melhor na obra de cada colaborador. São letras existencialistas que se espalham em meio a camadas de sintetizadores e orquestrações sublimes, como uma extensão natural de tudo aquilo que os dois artistas têm incorporado desde a mudança de sonoridade em Skeleton Tree. Leia o texto completo.

.

#40. Illuminati Hotties
Let Me Do One More(2021, Hopeless / Snack Shack Tracks)

Slowdive, Porches, Weyes Blood, Tim Heidecker e Pom Pom Squad, esses foram alguns dos artistas com quem Sarah Tudzin colaborou em estúdio nos últimos. Cantora, compositora, engenheira de som e produtora, a multi-instrumentista de Los Angeles se transformou em um dos nomes mais requisitados da cena californiana. E não poderia ser diferente. Capaz de transitar por entre estilos de forma essencialmente versátil, a musicista estadunidense costuma fazer de cada novo registro um precioso exercício imaginativo, proposta que fica ainda mais evidente nas composições apresentadas sob o título de Illuminati Hotties. Principal identidade criativa de Tudzin, o projeto fundado há quatro anos alcança sua melhor forma nas canções de Let Me Do One More. Mais recente criação da artista californiana, o registro que sucede o elogiado Kiss Yr Frenemies (2018), de onde vieram músicas como (You’re Better) Than Ever e Pressed 2 Death, nasce como uma soma natural de tudo aquilo que a cantora tem produzido ao longo da carreira. Composições regidas em essência pela urgência das guitarras, batidas e vozes, porém, completas pelo lirismo bem-humorado que orienta com frescor a formação do trabalho. Leia o texto completo.

.

#39. Arca
KiCk iii(2021, XL)

Terceiro capítulo da série iniciada no último ano, KiCk iii mostra a capacidade de Arca em transformar caos em música. E isso fica bastante evidente na introdutória Bruja. São pouco menos de quatro minutos em que a produtora, cantora e compositora venezuelana lida com a fragmentação dos elementos. Ruídos e quebras bruscas que se completam pelo uso torto das vozes. Um misto de canto e rima que ganha ainda mais destaque na canção seguinte, a já conhecida Incendio, composição que sintetiza o que há de mais inventivo e delirante no material que tem sido produzido pela artista nascida em Caracas.Esse mesmo direcionamento frenético fica ainda mais evidente na composição seguinte, Morbo. São fragmentos de vozes, ruídos e pequenas sobreposições sintéticas que apontam diretamente para o material apresentado nos primeiros trabalhos da artista, Xen (2014) e Mutant (2015). Nada que Fiera, minutos à frente, não dê conta de potencializar. Inaugurada em meio a sintetizadores carregados de efeitos e batidas sempre irregulares, a faixa encanta pela capacidade da artista em tensionar os próprios limites, percepção reforçada no hyperpop de Skullqueen, música que soa como um encontro entre SOPHIE e Aphex Twin. Leia o texto completo.

.

#38. Fred Again..
Actual Life (April 14 – December 17 2020)(2021, Again Records)

Nos últimos meses, não foram poucos os artistas que buscaram encapsular as angústias vividas durante o período de isolamento social em seus trabalhos. Do enclausuramento temático proposto por Charli XCX, em How I’m Feeling Now (2020), passando pela atmosfera densa de Great Spans of Muddy Time (2021), de William Doyle, sobram registros que propõe discussões importantes sobre o impacto da Covid-19 nas relações pessoais, dores, romances e experiências vividas por indivíduos espalhados pelos quatro cantos do planeta. Entretanto, mesmo nesse cenário tão prolífico, poucos parecem ter explorado essa mesma temática com tamanha naturalidade quanto o produtor britânico Fred Again.. nas canções de Actual Life (April 14 – December 17 2020).Conhecido pelas criações em parceria com nomes importantes da cena inglesa, como Stormzy e Ed Sheeran, Fred John Philip Gibson, verdadeiro nome do produtor que lançou há poucos meses o colaborativo Gang (2020), trabalho com Headie One que ainda contou com FKA Twigs, Sampha e Jamie XX, faz do presente álbum uma espécie de diário do caos vivido desde o último ano. São canções produzidas a partir de mensagens de áudio enviadas pelo celular, cenas do cotidiano e experiências pessoais registradas pelo artista desde que a Inglaterra se fechou para conter o avanço da pandemia. Um exercício puramente pessoal, direcionamento que vai da selfie que ilustra a imagem da capa ao tratamento dado às batidas, melodias e fragmentos de vozes que recheiam o disco. Leia o texto completo.

.

#37. Xenia Rubinos
Una Rosa(2021, ANTI-)

Poucas vezes antes Xenia Rubinos pareceu tão liberta criativamente quanto nas composições de Una Rosa. Sequência ao material entregue em Black Terry Cat (2016), de onde vieram faixas como Lonely Lover e Don’t Wanna Be, o trabalho mostra uma artista completamente transformada. Inspirada por memórias da infância ao lado da avó e outros objetos bastante pessoais, como uma lâmpada de fibra ótica que tocava uma versão de Una Rosa, de Jose Enrique Pedreira, a artista de ascendência porto-riquenha decidiu incorporar parte desses elementos em um registro que muda de direção a todo instante.Muito desse resultado vem justamente do esforço da artista em perverter a própria obra. Foram mais de dois anos de experimentações em que Rubinos, sempre acompanhada pelo baterista e co-produtor Marco Buccelli, decidiu recortar e remontar os vocais de forma propositadamente irregular, torta. São bases atmosféricas e estruturas rítmicas que se conectam diretamente aos versos lançados pela cantora. Canções que vão de um canto a outro da música pop, porém, livres de qualquer traço de comodidade, proposta que potencializa tudo aquilo que a musicista tem produzido desde a estreia com Magic Trix (2013).

.

#36. Lost Girls
Menneskekollektivet(2021, Smalltown Supersound)

Transcendental, The Practice of Love (2019), quinto álbum de Jenny Hval em carreira solo, serviu de passagem para um novo território criativo na carreira da cantora e compositora norueguesa. Inspirada pelo texto existencialista deA Hora da Estrela (1977), de Clarice Lispector (1920 – 1977), e os delírios fantasiosos de Alice no País das Maravilhas (1865), do escritor britânico Lewis Carroll (1832 – 1898), a artista foi de encontro às pistas, incorporado elementos que passeiam pela obra de Björk, Kylie Minogue e Madonna. Um colorido catálogo de ideias e referências conceituais que ganham novo resultado nas canções de Menneskekollektivet, primeiro registro de inéditas no paralelo Lost Girls, projeto dividido com o multi-instrumentista Håvard Volden.Parceiros de longa data, Hval e Volden seguem de onde pararam há três anos, durante a produção do colaborativo Feeling (2018). São cinco composições extensas em que a dupla norueguesa se concentra na montagem de um registro que avança em uma medida própria de tempos. São incontáveis camadas de sintetizadores, guitarras atmosféricas, batidas eletrônicas e vozes que preservam parte da essência criativa detalhada durante a entrega de The Practice of Love, porém, se permitem trilhar por novos campos criativos, conceito reforçado pelos poemas contemplativos da artista. “Eu penso sobre isso enquanto converso com as testemunhas de Jeová – elas estão na porta / O que é ‘humano? Seria um humano, um ‘eu’?“, questiona de forma provocativa logo nos primeiros minutos da obra, apontando a direção que embala a experiência do ouvinte até a derradeira Real Life. Leia o texto completo.

.

#35. Helado Negro
Far In(2021, 4AD)

Desde que deu vida ao delicado Private Energy (2016), Roberto Carlos Lange tem se especializado na produção de obras marcadas pelo forte teor atmosférico e profunda sensibilidade na construção dos versos. Composições ancoradas em memórias da infância, momentos de maior vulnerabilidade e versos sempre afetuosos, como a passagem para um ambiente de acolhimento e doce contemplação. Exemplo disso fica bastante evidente em Far In (2021, 4AD), mais recente criação do músico estadunidense como Helado Negro e uma extensão natural de tudo aquilo que tem produzido ao longo da última década.Sequência ao material entregue em This Is How You Smile (2019), o trabalho segue exatamente de onde Lange parou há dois anos, porém, estabelece na construção dos versos um precioso componente de mudança e renovação. Enquanto no disco anterior o músico nascido na Flórida parecia flutuar em meio a arranjos eletroacústicos e recordações da comunidade de imigrantes equatorianos onde cresceu, em Far In, o multi-instrumentista vai além. São canções marcadas pelo forte aspecto sentimental, confissões românticas e inquietações que funcionam como um delicado passeio pela mente do próprio compositor. Leia o texto completo.

.

#34. Adele
30(2021, Columbia)

Poucas vezes antes Adele pareceu tão exposta quanto nas canções de 30. Quarto e mais recente álbum de estúdio da cantora e compositora britânica, o trabalho de essência confessional parte do recente divórcio vivido pela artista e Simon Konecki, porém, consegue ir além de um previsível registro de separação. Trata-se de uma obra sobre solidão. “Acho que hoje é o primeiro dia desde que o deixei que me sinto sozinha. E eu nunca me sinto sozinha. Eu amo estar sozinha“, detalha em meio a lágrimas na dolorosa My Little Love, composição em que utiliza de mensagens de voz trocadas com amigos e diálogos o próprio filho, Angelo, para sintetizar a melancolia e permanente sensação de abandono que consome o disco.Entretanto, assim como o registro que o antecede, 25 (2015), de onde vieram músicas como When We Were Young e Send My Love (To Your New Lover), 30 está longe de parecer uma obra excessivamente melodramática. De fato, poucas vezes antes a artista inglesa pareceu tão liberta criativamente quanto nas canções do presente álbum. E isso fica bastante evidente na sequência composta por Oh My God e Can I Get It. São pouco mais de sete minutos em que a cantora preserva o lirismo confessional, porém, se permite transitar por entre estilos e fórmulas pouco usuais, proporcionando maior dinamismo e força ao trabalho. Leia o texto completo.

.

#33. Spellling
The Turning Wheel (2021, Sacred Bones Records)

Em um cenário historicamente dominado por mulheres brancas, como Julia Holter, Jenny Hval e Kate NV, Chrystia Cabral, junto de outros nomes recentes, como Kelsey Lu e Serpentwithfeet, tem proporcionado uma visão diferente ao pop em seu estado mais transgressor. E isso fica bastante evidente em toda a série de discos apresentados pela cantora e compositora norte-americana ao longo da última década. São registros, como o introdutório Pantheon of Me (2017), de onde vieram faixas como Black Waxe Choke Cherry Horse, e o sucessor, Mazy Fly (2019), em que busca por novas possibilidades dentro de estúdio, conceito bastante evidente em toda a série de composições que embalam o trabalho, como Haunted Water, Afterlife e a estrutura delirante de Under The Sun.Sem necessariamente se repetir, porém, ainda imersa no mesmo território criativo desbravado em Mazy Fly, Cabral revela ao público o terceiro e mais recente trabalho de estúdio como Spellling. Intitulado The Turning Wheel, o registro estabelece no lento desvendar de cada elemento a passagem para um território próprio da instrumentista norte-americana. São canções que exigem tempo até se revelar por completo. Canções marcados pelo uso de temas orquestrais e momentos de maior imersão, proposta que vai do uso instrumental das vozes, como em Sweet Talk, ao minucioso tratamento dado aos arranjos, estrutura que resulta na construção de faixas essencialmente extensas, como se feitas para serem absorvidas aos poucos, sem pressa. Leia o texto completo.

.

#32. Spirit of the Beehive
Entertainment, Death (2021, Saddle Creek)

Perturbadora, a ilustração produzida pela baixista Rivka Ravede para a capa de Entertainment, Death, quarto álbum de estúdio do Spirit of the Beehive, funciona como uma estranha representação visual e passagem para o delirante território criativo explorado pelo grupo de Filadélfia, Pensilvânia. Sequência ao material entregue em Hypnic Jerks (2018), o trabalho produzido durante o período de isolamento social, evidencia o esforço do trio completo pelo guitarrista Zack Schwartz e o multi-instrumentista Corey Wichlin em testar os próprios limites dentro de estúdio. Composições que preservam a identidade psicodélica que tem sido explorada desde os primeiros registros da banda, porém, partindo de uma abordagem deliciosamente torta e imprevisível.E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos da obra, na introdutória Entertainment. São pouco menos de três minutos em que o trio norte-americano passeia em meio a microfonias, camadas de ruídos e melodias que ora apontam para o rock submerso do Deerhunter, ora fazem lembrar do pop psicodélico de bandas como MGMT e Neon Indian. Um criativo cruzamento de ideias que muda de direção a todo instante, jogando com a interpretação do público, porém, de forma sempre convidativa. São camadas e mais camadas, vozes tratadas como instrumentos e pequenas sobreposições estéticas que não apenas confessam algumas das principais referências do grupo, como distanciam conceitualmente o Spirit of the Beehive de qualquer outro projeto em atuação. Leia o texto completo.

.

#31. Lana Del Rey
Blue Banisters (2021, Polydor / Interscope)

Perto de completar dez anos de lançamento de Born to Die (2012), Lana Del Rey parece cada vez mais distante da imagem de cantora pop a que foi condicionada em início de carreira para assumir uma identidade cada vez mais contemplativa, como a de uma poetisa. E isso fica bastante evidente no processo de transição iniciado durante o lançamento de Norman Fucking Rockwell (2019), de onde vieram algumas de suas criações mais complexas. São composições que passeiam em meio a versos sempre descritivos e intimistas, proposta que volta a se repetir com a chegada de Blue Banisters.Contraponto ao repertório entregue no enevoado Chemtrails Over The Country Club (2021), apresentado há poucos meses, Blue Banisters cresce como uma obra essencialmente densa e soturna. Livre das batidas eletrônicas e melodias comercialmente arquitetadas dentro dos primeiros registros autorais, a cantora se concentra na produção de um material reducionista, estrutura que garante maior destaque ao uso das vozes e construção dos versos. São poemas musicados que se revelam ao público em uma medida própria de tempo, proposta que preserva a essência da artista californiana, porém, aponta com naturalidade para a obra de Nick Cave, Lonard Cohen e outros nomes dotados de uma identidade criativa bastante similar. Leia o texto completo.

.

#30. Mdou Moctar
Afrique Victime (2021, Matador)

O canto de um galo ecoando ao longe, o barulho de insetos e o som de passos em um ambiente desértico. Antes mesmo que as primeiras notas da guitarra de Mahamadou Souleymane sejam tocadas, o músico original de Agadez, em Níger,parece ambientar o ouvinte no cenário empoeirado que funciona como pano de fundo para o novo álbum de Mdou Moctar, Afrique Victime. São canções de essência psicodélica, porém, essencialmente sóbrias, produto direto do lirismo contestador que não apenas resgata, como potencializa tudo aquilo que o artista e seus parceiros de banda, o guitarrista Ahmoudou Madassane, o baterista Souleymane Ibrahim e o baixista Mikey Coltun têm produzido desde a formação do grupo, na segunda metade dos anos 2000.“A África é vítima de tantos crimes / Se ficarmos em silêncio será o nosso fim / Por que isso está acontecendo? Qual é a razão por trás disso?“, questiona Souleymane na faixa-título do trabalho. São pouco mais de sete minutos em que o músico tuaregue não apenas estabelece parte dos elementos que servem de sustento ao registro, utilizando de uma série de fatos recentes para cantar sobre as feridas abertas do continente africano, com carrega na fluidez das guitarras parte da estrutura base que ganha diferentes variações e prova de novas possibilidades ao longo do disco. São incontáveis camadas de guitarras que ora apontam para as criações de veteranos como Tony Iommi e Jimmy Page, ora parecem dialogar com as composições de outros nomes recentes da produção psicodélica. Leia o texto completo.

.

#29. Little Simz
Sometimes I Might Be Introvert (2021, Age 101 / AWAL)

Sometimes I Might Be Introverté a passagem para um universo particular de Little Simz. Retroacrônimo do verdadeiro nome da compositora inglesa, Simbi, o registro de essência grandiosa nasce como um acumulo natural de tudo aquilo que a artista descendente de nigerianos vem produzido em mais de uma década de carreira. São composições que resgatam parte expressiva dos sentimentos, medos e inquietações vividas pela rapper, porém, partindo de uma abordagem que não apenas referencia o próprio trabalho, como dialoga de maneira expressiva com as criações de nomes importantes que a influenciaram, caso de Busta Rhymes, Nas e Ms. Lauryn Hill.“As pessoas pensam que sou rude, anti-social ou estranha porque não sou tagarela. Sou uma pessoa introvertida, que tem todos esses pensamentos malucos, ideias e teorias na minha cabeça, e nem sempre sinto que sou capaz de expressá-los se não for por meio da minha arte“, comentou em entrevista ao The Guardian. Vem justamente desse desejo em explorar os próprios pensamentos e conflitos internos o estímulo para grande parte das composições que embalam o presente álbum. São fragmentos sentimentais, autobiográficos e intimistas, porém, espalhados sem ordem aparente, rompendo com a forte homogeneidade explícita nas canções do antecessor Gray Area (2019). Leia o texto completo.

.

#28. The Bug
Fire (2021, Ninja Tune)

Incêndios, incêndios por toda parte. Em Fire, mais recente criação de Kevin Martin como The Bug, o produtor londrino traz de volta a essência colaborativa do cultuado London Zoo (2008), porém, partindo de uma abordagem totalmente pós-apocalíptica. Imerso em um ambiente pandêmico e futurístico, como uma metáfora para o presente cenário, o artista se divide na construção de música essencialmente brutais e sufocantes. São blocos imensos de ruídos que se espalham em meio a momentos de maior experimentação e quebras bruscas, estrutura que se completa pela interferência direta de diferentes compositores e entidades do grime que funcionam como porta-vozes desse cenário caótico.Passado o material entregue na introdutória The Fourth Day, em que o poeta Roger Robinson detalha o cenário consumido pela miséria, fome, robôs e doenças incuráveis que orientam a formação do disco, Firecai como um peso na cabeça do ouvinte. Em Pressure, segunda composição do disco, Martin apresenta parte das regras, ritmos e conceitos que serão explorados até o encerramento da obra. Poucos mais de três minutos em que sintetizadores acinzentados se entrelaçam em meio a batidas fragmentadas, pano de fundo atmosférico para a rima suja de Flowdan, parceiro em outras duas canções que abastecem o trabalho. Leia o texto completo.

.

#27. Grouper
Shade(2021, Kranky)

O processo criativo de Liz Harris é bastante singular. Mesmo em constante produção, parte expressiva das obras apresentadas pela cantora, compositora e produtora norte-americana costumam ser reveladas ao público após um longo período de gestação. São composições imersas em incontáveis camadas de ruídos e captações caseira, porém, gravadas anos ou mesmo décadas antes de serem organizadas dentro de um trabalho específico. Exemplo disso fica bastante evidente no hoje cultuado Ruins (2014), álbum concebido de forma totalmente espaçada, em diferentes locações dentro de um intervalo de quase dez anos.Esse mesmo resultado acaba se refletindo nas canções de Shade. Sequência ao material entregue em Grid of Point (2018), o trabalho conta com nove composições gravadas por Harris nos últimos 15 anos. São fragmentos sentimentais e poéticos, momentos de maior experimentação e faixas regidas pelo dedilhado acústico, sempre ruidoso, como um complemento aos versos marcados pela força dos sentimentos e histórias vividas pela artista. Instantes em que a cantora preserva a essência dos antigos registros como Grouper, porém, de forma ainda mais sensível, melancólica e deliciosamente reducionista. Leia o texto completo.

.

#26. MIKE
Disco!(2021, 10k)

É impressionante como MIKE, mesmo imerso em um território bastante particular, tem feito de cada novo trabalho de estúdio um importante ponto de renovação dentro da própria carreira. Entre batidas tortas, ruídos e melodias empoeiradas, o artista, nascido Michael Jordan Bonema, brinca com as possibilidades enquanto versos marcados pelo forte caráter sentimental se aprofundam em conflitos existencialistas, medos e versos consumidos em essência pela dor. São recordações da infância tumultuada, com passagens por diferentes cidades, e permanente sensação de deslocamento, direcionamento que se reflete em alguns dos principais registros do rapper, como May God Bless Your Hustle (2017) e Tears of Joy (2019), mas que ganha ainda mais destaque com Disco.Feito para ser absorvido aos poucos, como tudo aquilo que MIKE tem produzido desde os primeiros registros autorais, o sucessor de Weight of the World (2020), lançado há poucos meses, nasce como um produto do isolamento, inquietações e parte das experiências vividas pelo artista hoje residente em Nova Iorque. Canções que costuram passado e presente de forma sempre contemplativa e melancólica, como um passeio torto pela mente do próprio rapper. E isso fica bastante evidente logo na música de abertura, Evil Eye, em que utiliza de de memórias descritivas e recortes temporais, porém, sempre apontando para o presente, celebrando conquistas e a forte relação familiar. “É para minha mãe quando faço rap, quando rezo / Porque eu sei que ela vai rezar por mim“, rima. Leia o texto completo.

.

#25. Eris Drew
Quivering in Time (2021, T4T LUV NRG)

Eu acho que já ouviu isso antes“. Esse é o pensamento que ronda a experiência do ouvinte durante toda a execução de Quivering in Time. Estreia da produtora norte-americana Eris Drew, artista que ficou conhecida por conta de uma série de apresentações sempre intensas durante o período de isolamento social, o trabalho que transita por entre estilos costura quatro ou mais décadas de referências de forma particular. São fragmentos de música eletrônica que vão do hardcore ao techno, das raves aos clubes noturnos em um delirante combinação de elementos que convidam o ouvinte a dançar.Síntese dessa criativa sobreposição de elementos fica bastante evidente nos primeiros minutos, em Time To Move Close. São pouco menos de sete minutos em que Drew, uma das idealizadoras do selo T4T LUV NRG e parceira de longa data de Octo Octa, com quem mantém um relacionamento, vai de um canto a outro sem necessariamente fazer disso o estímulo para uma criação confusa. São ecos da cena de Chicago, fragmentos da cultura de ballroom e vozes que continuam a reverberar na cabeça do ouvinte mesmo após o encerramento da canção. Ideias e atravessamentos ritmos que ganham ainda mais destaque na música seguinte, Pick ‘Em Up, faixa que evoca a urgência da cena inglesa, como se saída de uma rave enlamaçada. Leia o texto completo.

.

#24. Snail Mail
Valentine(2021, Matador)

Valentineé uma obra de sentimentos bastante aparentes. Concebido durante um período de forte instabilidade emocional de Lindsey Jordan, o segundo álbum de estúdio de Snail Mail estabelece na completa vulnerabilidade da cantora e compositora norte-americana um estímulo natural para cada uma das dez faixas que abastecem o registro. “Agora eu não posso te odiar / Eu me arruinei para você / Culpe-me se precisar / Mas eu te adoro“, detalha na introdutória faixa-título, música que sintetiza parte da poesia instável, evidente melancolia e completa entrega da artista durante toda a execução do material.Parte desse resultado vem do próprio processo de criação do trabalho. Passado o período de divulgação do elogiado Lush (2018), do onde vieram músicas como Pristine e Heat Wave, Jordan passou por um período de depressão e isolamento que resultou em uma internação de 45 dias em uma clínica de reabilitação. Vem justamente desse momento de maior instabilidade emocional o estímulo para algumas das principais faixas do disco, como a já conhecida Ben Franklin. “Pós-reabilitação, tenho me sentido tão pequena / Estou com saudades da sua atenção, gostaria de poder ligar“, confessa em meio a arranjos sempre reducionistas. Leia o texto completo.

.

#23. Leon Vynehall
Rare, Forever (2021, Ninja Tune)

Quem há tempos acompanha as criações de Leon Vynehall, produtor britânico que tem chamado a atenção da imprensa desde o início da década passada, sabe que o artista costuma se dividir entre registros de essência atmosférica e obras que parecem apontar para as pistas de dança. Exemplo disso fica bastante evidente no contraste entre os temas tropicais abordados em Rojus (2016) e o minimalismo de Nothing Is Still (2018), esse último, trabalho em que se aprofunda conceitualmente na história dos próprios avós que deixaram o Reino Unido de navio para viver em Nova York. Interessante notar nas canções de Rare, Forever, recente lançamento do compositor, um precioso exercício criativo que combina o que há de melhor nesses dois opostos.Marcado pela sobreposição das texturas eletrônicas, ruídos e batidas assíncronas, o trabalho de dez faixas serve de passagem para um território desvendado em essência por Vynehall. Discípulo confesso de veteranos como Aphex Twin e DJ Shadow, o produtor britânico entrega ao público um álbum que pode ser absorvido superficialmente, porém, oculta um universo de pequenos detalhes, quebras e ambientações tortas que exigem ser desvendadas pelo ouvinte. São incontáveis camadas instrumentais e vozes picotadas que se escondem por entre as brechas do registro, conceito bastante evidente no também minucioso Music for the Uninvited (2014), obra que apresentou o artista a uma parcela ainda maior do público, mas que ganha ainda mais destaque com o presente disco. Leia o texto completo.

.

#22. Iceage
Seek Shelter (2021, Mexican Summer)

Pare por alguns minutos e ouça os dois primeiros trabalhos do Iceage, New Brigade (2011) e You’re Nothing (2013). Você consegue acreditar que o mesmo grupo responsável por composições tão raivosas como Coalition e New Brigade seria capaz de uma mudança tão grande na própria sonoridade? Sem necessariamente perder o peso e a potência das próprias criações, Elias Bender Rønnenfelt e seus parceiros de banda, os músicos Johan Surrballe Wieth (guitarra), Jakob Tvilling Pless (baixo), Dan Kjær Nielsen (bateria) e Casper Morilla (guitarra) passaram os últimos anos testando os próprios limites dentro de estúdio. Um processo criativo que teve início em Plowing Into the Field of Love (2014), mas que alcança melhor resultado nas canções de Seek Shelter. Sequência ao material entregue no também maduro Beyondless (2018), o trabalho de nove faixas preserva a essência dos últimos registros da banda original de Copenhague, na Dinamarca, porém, se permite provar de novas possibilidades e direções criativas totalmente inesperadas. E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos do disco, na introdutória Shelter Song. Entre guitarras que evocam obras icônicas como Beggars Banquet (1968) e Let It Bleed (1969), dos Rolling Stones, e vozes em coro que parecem saídas de algum disco do Primal Scream, o quinteto continua a apontar para o passado, conceito também explícito no disco anterior, contudo, de forma sempre particular, efeito direto da poesia intimista Rønnenfelt e uso calculado de cada mínimo fragmento instrumental. Leia o texto completo.

.

#21. Erika de Casier
Sensational (2021, 4AD)

Nascida em Portugal, porém, residente em Copenhague, na Dinamarca, Erika de Casier passou os últimos anos refinando a própria estética. Passado o lançamento do introdutório, Essentials (2019), obra que revelou músicas como Little Bit e Do My Thing, a cantora, compositora e produtora portuguesa mergulhou em estúdio com Natal Zaks, parceiro de longa data, para investir na construção de um novo registro de inéditas. O resultado desse processo está nas canções do delicado Sensational, trabalho em que preserva a essência minimalista do material entregue há dois anos, porém, alcança um evidente ponto de amadurecimento lírico e instrumental, cuidado que embala com naturalidade a experiência do ouvinte até a canção de encerramento, Call Me Anytime.Conceitualmente inspirado pelo R&B produzido entre o final da década de 1990 e início dos anos 2000, o registro de essência nostálgica confessa algumas das principais referências criativas da artista portuguesa. São ecos de Aaliyah, Mônica, Brandy e outros nomes importantes que surgiram durante o período. Canções que estabelecem no reducionismo das batidas um estímulo natural para a construção dos versos, sempre íntimos das experiências mais intimistas vividas pela cantora. “Eu te escrevi duas vezes noite passada / Gostaria de poder retroceder / Retirar tudo o que eu disse / Mas eu não posso fazer isso“, confessa na introdutória Drama, música que se espalha em meio a memórias de um passado recente, proposta que ecoa de forma ainda mais sensível ao longo da obra. Leia o texto completo.

.

#20. Magdalena Bay
Mercurial World(2021, Luminelle Recordings)

Memórias empoeiradas de um passado distante, fragmentos de cultura de internet, referências nostálgicas e letras sempre pegajosas. Em Mercurial World, primeiro álbum de estúdio do Magdalena Bay, dupla californiana formada por Mica Tenenbaum (voz) e Matthew Lewin (produção), cada elemento parece pensado de forma a transportar o ouvinte para um mundo de sensações e estímulos audiovisuais. Do uso das vozes à escolha dos sintetizadores, da identidade visual ao material de divulgação, inspirado em sites do início dos anos 2000, tudo cumpre uma função dentro do universo mágico da banda.Parte desse evidente domínio criativo e maior consistência na montagem do álbum vem de um longo processo de preparação e amadurecimento técnico por parte da dupla. Muito embora Mercurial World seja apresentado como o primeiro disco da banda, Tenenbaum e Lewin estão longe de parecer iniciantes. São mais de cinco anos de atuação e um vasto catálogo de lançamentos autorais que transitam por diferentes campos da música de forma sempre curiosa. Registros como o ainda recente A Little Rhythm and a Wicked Feeling (2020), que funciona como um laboratório para o material agora finalizado pelos dois artistas. Leia o texto completo.

.

#19. Olivia Rodrigo
Sour(2021, Geffen)

Um dos grandes méritos de Olivia Rodrigo em Sour, primeiro álbum da cantora e compositora norte-americana, não está necessariamente na capacidade da artista em transportar para dentro de estúdio as próprias inquietações e conflitos intimistas de forma transparente, mas em estabelecer um precioso diálogo com o que há de mais doloroso nas experiências de qualquer indivíduo. “Eu sinto que ninguém me quer / E eu odeio a maneira como sou vista / Eu só tenho dois amigos verdadeiros / E ultimamente, estou uma pilha de nervos“, confessa na introdutória Brutal, música que parece encapsular todo um sentimento de adolescência e deslocamento que passeia por diferentes gerações, proposta que embala a experiência do ouvinte durante toda a execução da obra.Nesse sentido, o trabalho catapultado pelo sucesso de Drivers License pode não apresentar nada de exatamente novo quando próximo de outros exemplares do gênero, como o cultuado Jagged Little Pill(1995), de Alanis Morissette, ou Speak Now (2010), de Taylor Swift, porém, lida de forma inteligentíssima com a construção dos versos. São gatilhos emocionais que revivem sensações, cenas e sentimentos que povoam o imaginário de qualquer indivíduo que tenha passado pela adolescência ou vivido um simples caso de amor. Da solidão impressa na já citada composição que alavancou a artista (“Acho que você não quis dizer o que escreveu naquela música sobre mim / Porque você disse para sempre, agora eu passo sozinho pela sua rua“), passando pelo egoísmo que consome Happier (“Então encontre alguém ótimo, mas não encontre ninguém melhor / Espero que você esteja feliz, mas não seja mais feliz“), difícil não se identificar com os temas e histórias abordadas por Rodrigo. Leia o texto completo.

.

#18. The War On Drugs
I Don’t Live Here Anymore(2021, Atlantic)

Embora localizada no encerramento do trabalho, Occasional Rain funciona como uma síntese clara de tudo aquilo que Adam Granduciel e seus parceiros de banda buscam desenvolver ao longo de I Don’t Live Here Anymore. Enquanto camadas de sintetizadores e guitarras deliciosamente melódicas se revelam ao público em uma medida própria de tempo, versos consumidos pelos sentimentos apontam a trilha melancólica seguida pelo grupo da Filadélfia durante toda a execução do registro. “E agora que meu coração está vazio / Para onde devo ir?“, questiona enquanto estreita a relação com o próprio ouvinte.Concebido em um intervalo de quase três anos, o trabalho gravado em sete estúdios diferentes, incluindo os cultuados Electric Lady, em New York, e Sound City, em Los Angeles, nasce como uma combinação dos sentimentos mais profundos e honestos do músico estadunidense. São canções ancoradas em amores passageiros, medos, romances fracassados e momentos de maior vulnerabilidade, como se a jornada romântica iniciada em Wagonwheel Blues (2008) estivesse longe de chegar ao fim. Composições que mesmo particulares, utilizam de temas e conceitos universais, prova do completo domínio de Granduciel. Leia o texto completo.

.

#17. Cassandra Jenkins
An Overview on Phenomenal Nature (2021, Ba Da Bing)

O brilho cintilante que flutua pela delicada imagem de capa de An Overview on Phenomenal Nature, segundo e mais recente disco de Cassandra Jenkins, funciona como uma representação do som atmosférico que embala a experiência do público durante toda a execução da obra. São delicadas paisagens instrumentais, vozes econômicas e instantes em que a cantora e compositora nova-iorquina parece envolver o ouvinte, convidado a se perder em um território dominado pela poesia descritiva da musicista que estreou há quatro anos com Play Till You Win (2017), registro que segue uma trilha completamente distinta em relação ao material incorporado no presente álbum.A exemplo do que Tamara Lindeman busca desenvolver no quinto e mais recente álbum como The Weather Station, Ignorance (2020), Jenkins e seus parceiros de estúdio, entre eles o produtor e multi-instrumentista Josh Kaufman (The National, Muzz), se concentram na produção de uma obra que se revela ao público em uma medida própria de tempo. São incontáveis camadas de guitarras, pianos e metais que surgem e desaparecem durante toda a execução do registro, como um complemento aos poemas ora mergulhados em experiências reconfortantes, ora consumidos pela dor da artista. Leia o texto completo.

.

#16. 파란노을 (Parannoul)
To See the Next Part of the Dream (2021, Independente)

Quando lançado, em fevereiro deste ano, no Bandcamp, To See the Next Part of the Dream, segundo e mais recente álbum de estúdio do misterioso guitarrista Parannoul, rapidamente caiu nas graças do público e da imprensa especializada, figurando em uma posição de destaque em alguns dos principais fóruns e plataformas de música espalhadas pela internet. “Cada música é seu próprio exercício de catarse, uma base instrumental que dá ao Parannoul a liberdade de afogar sua voz em meio ao barulho“, escreveu o jornalista Grant Sharples, do Consequence of Sound, no texto em que analisa com cuidado todas as dimensões do elogiado registro. Mas o que torna um trabalho inteiramente cantado em coreano, imerso em ruídos e captações caseiras tão atrativo?A resposta talvez esteja na atmosfera e temas explorados pelo artista anônimo. São memórias da infância, citações a animes, como Neon Genesis Evangelion, e conflitos típicos de um jovem adulto. “Apenas reclamações sobre esses sentimentos são deixadas neste álbum, e não existem quaisquer formas de superá-los. Eu não posso te dar uma doce palavra de consolo. Eu não posso dizer ‘Vai ficar tudo bem algum dia’. Só espero que existam mais perdedores ativos como eu no mundo“, comentou o músico no texto de apresentação do trabalho. Canções que parecem encapsular a sensação de deslocamento vivida por qualquer indivíduo, proposta que transcende a barreira linguística e se materializa de maneira bastante evidente nas vozes tortas, ruídos e cada mínimo fragmento da obra. Leia o texto completo.

.

#15. Indigo de Souza
Any Shape You Take (2021, Saddle Creek)

Classificar o som produzido por Indigo de Souza está longe de parecer uma tarefa simples. Mesmo guiada pela potência das guitarras, a cantora e compositora norte-americana tem feito de cada novo registro de inéditas um precioso exercício criativo. São canções ancoradas em temas existencialistas e conflitos sentimentais, porém, sempre adornadas pela colorida sobreposição de ritmos, uso inusitado dos arranjos e elementos que passeiam por diferentes campos da música. Um vasto catálogo de ideias que parece bem-resolvido no introdutório I Love My Mom (2018), mas que ganha ainda mais destaque no fino repertório que embala o melancólico Any Shape You Take. Menos urgente em relação ao trabalho que o antecede, o registro de dez faixas estabelece no uso calculado de cada de cada elemento um valioso alicerce conceitual para os versos e sentimentos expressos pela artista original de Asheville, na Carolina do Norte. “Querida, se você precisar de mim / Eu estarei bem aqui / Eu vim para te resgatar“, detalha na introdutória 17, música em que resgata memórias de um passado recente, dialoga com uma versão mais jovem de si mesma e ainda estreita a relação com o ouvinte. É como uma reinterpretação consciente das angustias vividas em I Love My Mom, porém, partindo de um ponto de vista totalmente reformulado e maduro da compositora. Leia o texto completo.

.

#14. Dry Cleaning
New Long Leg(2021, 4AD)

A grande beleza do som produzido pelo Dry Cleaning sempre esteve na linguagem contrastante que marca as criações do grupo inglês. São guitarras e ruídos metálicos que se espalham em meio a batidas essencialmente tortas, como um contraponto à voz sóbria e quase inalterada de Florence Shaw. Instantes em que o quarteto, completo pelos músicos Nick Buxton (bateria), Tom Dowse (guitarra) e Lewis Maynard (baixo), vai de encontro ao som produzido por veteranos como Sonic Youth, Pixies e Television, porém, preservando a própria identidade criativa, conceito bastante explícito durante o lançamentos dos introdutórios Sweet Princess (2019) e Boundary Road Snacks and Drinks (2019), mas que ganha ainda mais destaque com a chegada de New Long Leg. Regido em essência pela poesia descritiva de Shaw, o primeiro álbum de estúdio do Dry Cleaning passeia pela noite, incorpora o tédio do cotidiano e discute as angústias vividas pela compositora inglesa de forma tão intimista quanto provocativa e sarcástica. Canções quase imagéticas, como se a cantora detalhasse desde a textura das paredes ao cheiro de perfume das pessoas com quem esteve envolvida. “Braços fracos não podem abrir a porta, cancelar o Kung Fu / Vai ficar tudo bem, só preciso estranhar e me esconder um pouco e comer um sanduíche velho da minha bolsa“, canta na introdutória Scratchcard Lanyard, música que reflete a sensação de deslocamento do eu lírico, proposta que embala a experiência do ouvinte até a canção de encerramento, Every Day Carry. Leia o texto completo.

.

#13. The Armed
Ultrapop(2021, Sargent House)

Não se deixe enganar pela colorida imagem de capa e título sugestivo: Ultrapopconcentra o que há de mais caótico na música. Recente lançamento do misterioso e sempre mutável coletivo The Armed, grupo que tem como um de seus principais idealizadores Kurt Ballou, produtor e guitarrista do Converge, a banda formada na região de Detroit, Michigan, segue de onde parou há três anos, durante o desenvolvimento de Only Love (2018). São guitarras colossais, batidas e blocos de ruídos que se espalham em meio a métricas pouco usuais e vozes sobrepostas. Um delirante cruzamento de informações e captações sujas que costuram décadas de referências e elementos extraídos de cada colaborador, porém, partindo de uma abordagem deliciosamente anárquica.E isso fica bastante evidente logo nos primeiros minutos do disco. Passada a introdutória música de abertura, com seus sintetizadores cósmicos e melodias eletrônicas que parecem apontar para a obra do A Sunny Day In Glasgow, o ouvinte é instantaneamente soterrado por uma avalanche de ruídos e vozes berradas. Do ritmo frenético dado à bateria, passando pelo desenho irregular das guitarras e vozes que se entrelaçam de maneira desconcertante, All Futures revela parte dos elementos que serão aprimorados até o último segundo do álbum. Instantes em que a banda potencializa tudo aquilo que foi apresentado no registro anterior, conceito que vai da construção dos arranjos à montagem dos versos. “Humor honesto / Graças imorais / Chupar você / Te puxar mais fundo“, cresce a letra da canção. Leia o texto completo.

.

#12. Tirzah
Colourgrade (2021, Domino)

Batidas esqueléticas, ruídos, fragmentos de vozes e quebras conceituais. Quem há tempos acompanha o trabalho de Tirzah Mastin sabe que a cantora, compositora e produtora britânica costuma seguir uma trilha criativa bastante particular. É como se a artista, sempre acompanhada pela produtora e multi-instrumentista Mica Levi, se despisse de possíveis excessos para investir na produção de um som totalmente reducionista. São canções que partem de uma base retorcida, torta, porém, estranhamente hipnótica, produto dos sentimentos e confissões românticas ancoradas em experiências e conflitos reais.E isso fica ainda mais evidente em Colourgrade. Segundo e mais recente trabalho de estúdio da artista inglesa, o registro de dez faixas segue exatamente de onde Tirzah parou no álbum anterior, o atmosférico Devotion (2018), porém, partindo de uma abordagem deliciosamente inexata. São ambientações sujas e vozes tratadas de forma quase claustrofóbica, cercando e sufocando o ouvinte. Uma permanente sobreposição de ideias, ritmos e referências que utiliza de elementos do R&B tradicional, mas que em nenhum momento tende ao óbvio, tornando a experiência de ouvir o disco sempre inquietante. Leia o texto completo.

.

#11. Black Midi
Cavalcade (2021, Rough Trade)

Os últimos meses foram bastante tumultuados para os integrantes do Black Midi. Enquanto a banda se preparava para trabalhar na divulgação do introdutório Schlagenheim (2019), o avanço da pandemia de Covid-19 fez com que todas as apresentações do quarteto fossem canceladas, incluindo duas performances na capital paulista. Nesse meio tempo, Matt Kwasniewski-Kelvin, guitarrista e um dos vocalistas do grupo, decidiu se distanciar para tratar da própria saúde mental, reservando aos membros remanescentes, Geordie Greep (voz e guitarra), Cameron Picton (baixo, sintetizadores e vozes) e Morgan Simpson (bateria) a difícil tarefa de produzir o segundo disco de inéditas, feito consolidado com brilhantismo e fino toque de delírio nas canções de Cavalcade. Verdadeiro abalroamento conceitual, rítmico e estético, proposta reforçada logo na imagem de capa do disco, o trabalho que conta com co-produção de Marta Salogni (The xx, Sampha) e John ‘Spud’ Murphy, nasce como um avanço frenético em relação ao material entregue durante o lançamento do primeiro álbum de estúdio do Black Midi. São estruturas fermentadas que escorrem por entre as brechas do registro. Massas tortas de ruídos e improvisos desconcertantes, estrutura que tende ao jazz, mas em nenhum momento se fecha em um espaço hermético e inacessível, efeito direto do completo domínio de Greep em não apenas conduzir, com manipular a audiência, convidada a se perder em um território que alterna entre momentos de maior calmaria e doce experimentação. Leia o texto completo.

.

#10. Billie Eilish
Happier Than Ever (2021, Darkroom / Interscope)

Billie Eilish parece ter encontrado um lugar que pertence somente a ela. Utilizando de um som completamente torto, versos murmurados e momentos de maior experimentação, a cantora e compositora californiana segue o caminho oposto ao que tantos nomes da música pop decidiram explorar nas últimas duas décadas. Um exercício autoral, ainda que intimamente conectado às principais influências da artista, como Justin Bieber e Lana Del Rey, mas que em nenhum momento se permite provar do maximalismo e fórmulas prontas de veteranos como Max Martin e Greg Kurstin. São momentos de maior vulnerabilidade e corrupções estéticas que poderiam isolar a jovem de 19 anos, porém, como indicado durante o lançamento de When We All Fall Asleep, Where Do We Go?(2019), fizeram de Eilish um dos nomes mais interessantes e cultuados do presente cenário. Em Happier Than Ever, segundo e mais recente trabalho de estúdio, Eilish reflete sobre o impacto desse sucesso, o peso da fama e outras transformações pessoais vividas após o lançamento do trabalho que rendeu à ela quatro prêmios Grammy, incluindo o tão cobiçado título de álbum do ano. São canções marcadas pelo forte aspecto confessional dos versos, como se artista fizesse dos próprios conflitos um precioso componente de diálogo com o ouvinte, conceito reforçado logo na introdutória Getting Older. “Estou ficando velha, tenho mais sobre meus ombros / Mas estou ficando melhor em admitir quando estou errada“, detalha em meio a sintetizadores ruidosos, típicos da produção de Finneas O’Connell, irmão e principal parceiro de criação da cantora. Leia o texto completo.

.

#9. Turnstile
Glow On (2021, Roadrunner)

Você não precisa ter escutado qualquer outro trabalho produzido pelo Turnstile para se sentir atraído pelas canções de Glow On. Terceiro e mais recente álbum de estúdio da banda original de Baltimore, Maryland, o sucessor de Time & Space (2018), lançado há três anos, mostra o completo amadurecimento e busca por novas possibilidades do grupo formado por Brendan Yates, Franz Lyons, Daniel Fang, Brady Ebert e Pat McCrory. São composições que preservam a essência dos antigos registros do quinteto estadunidense, com suas quebras rítmicas e linhas de vozes deliciosamente melódicas, porém, adornadas pela inserção de diferentes gêneros e saídas criativas totalmente inusitadas.Inaugurado em meio a camadas de sintetizadores e melodias cósmicas, marca da introdutória Mystery, o trabalho rapidamente desemboca em uma colisão de vozes berradas, guitarras e batidas fortes, lembrando as criações de artistas apresentados pela Epitah Records no final dos anos 1990. O mesmo direcionamento criativo acaba se refletindo na música seguinte, Blackout, composição que ora aponta para as criações de veteranos como Refused e Millencolin, ora faz lembrar do som produzido por outros nomes recentes do pós-hardcore, como Touché Amoré e Joyce Manor. Um permanente cruzamento de informações que combina mais de três décadas de referências de forma sempre urgente. Leia o texto completo.

.

#8. L’Rain
Fatigue(2021, Mexican Summer)

A imprevisibilidade talvez seja a principal marca do som produzido em Fatigue. Produto das inquietações vividas por Taja Cheek nos últimos meses, o registro de essência delirante mostra a capacidade da cantora, compositora e multi-instrumentista nova-iorquina em jogar com os instantes, prendendo a atenção do ouvinte em uma obra que acolhe e provoca na mesma proporção. São incontáveis atravessamentos rítmicos, quebras e sobreposições conceituais, estrutura que naturalmente preserva tudo aquilo que a artista havia testado durante o lançamento do primeiro trabalho como L’Rain, há quatro anos, porém, partindo de uma abordagem ainda menos convencional, torta, tratamento que se reflete mesmo nos momentos de maior leveza da obra.“Esse álbum é uma exploração da simultaneidade das emoções humanas. A audácia da alegria na esteira da tristeza, a decepção diante da realização. A abrangência dessa camada de emoções pode ser surpreendente, fortalecedora e desanimadora. Essas sobreposições acontecem a cada momento, o tempo todo”, comentou Cheek no texto de apresentação do trabalho. São justamente essas quebras propositais e incontáveis rupturas criativas que tornam a experiência de ouvir Fatigue tão satisfatória. É como trilhar um caminho consumido pela escuridão, porém, pontuado por explosões luminosas que evidenciam formas, cores e paisagens pouco usuais. Um ziguezaguear de ideias e variações rítmicas em que a musicista norte-americana parece testar os próprios limites dentro de estúdio. Leia o texto completo.

.

#7. The Weather Station
Ignorance (2021, Fat Possum)

Ignorance é um registro diferente de tudo aquilo que Tamara Lindeman tem produzido desde o início da carreira. Distante da atmosfera empoeirada que marca os primeiros trabalhos de estúdio como The Weather Station, caso de All of It Was Mine (2011) e Loyalty (2015), a cantora e compositora canadense se concentra na entrega de um material essencialmente grandioso, ainda que sóbrio. São incontáveis camadas instrumentais, arranjos de cordas, sopros e ambientações minimalistas que correm em paralelo aos versos detalhados pela artista. Um universo de pequenos detalhes que, longe de garantir possíveis respostas, serve de sustento à poesia enigmática que pouco a pouco toma conta do disco.E é exatamente isso que a cantora busca desenvolver logo nos primeiros minutos da obra, em Robber. Livre dos temas acústicos que embalam o homônimo disco que o antecede, o registro chama a atenção pelo uso calculado da bateria, guitarras e arranjos minuciosos, como se Lindeman apresentasse as regras do trabalho. São frações instrumentais que se conectam diretamente aos versos, sempre centrados em questões que vão do domínio branco em relação às terras indígenas do Canadá e o peso do capitalismo. “Eu nunca acreditei no ladrão / Quando eu era jovem, aprendi a fazer amor com o ladrão / Para dançar com o outro / Para arrancar de sua mão o toque de um amante“, canta em um misto de angústia e libertação. Leia o texto completo.

.

#6. Jazmine Sullivan
Heaux Tales (2021, RCA)

Na contramão de outros nomes importantes do R&B/soul estadunidense, interessados no contínuo lançamento de obras, Jazmine Sullivan sempre seguiu uma medida própria tempo. Perto de completar duas décadas de carreira, a artista original de Filadélfia, Pensilvânia, acumula um repertório ainda enxuto. São três álbuns de estúdio, Fearless (2008), Love Me Back (2010) e Reality Show (2015), sempre apresentados de forma espaçada, em uma medida própria de tempo. Entretanto, o mesmo não pode ser dito sobre a extensa seleção de músicas compostas para outros artistas, como Jennifer Hudson e Fantasia, ou mesmo colaborações com Frank Ocean, Kendrick Lamar e um seleto grupo de vozes negras da cena norte-americana.Satisfatório perceber nas canções de Heaux Tales, primeiro registro de inéditas da cantora em seis anos, uma delicada transposição desse mesmo aspecto colaborativo que paralelamente abasteceu a carreira de Sullivan. De essência conceitual, o trabalho que discute empoderamento feminino e funciona como uma celebração às mulheres negras, se abre para a chegada de diferentes colaboradores, vozes, produtores e interferências criativas que ampliam os limites da obra, como uma busca declarada da artista por novas possibilidades dentro de estúdio. Leia o texto completo.

.

#5. Low
Hey What (2021, Sub Pop)

Em atuação desde o início dos anos 1990, Alan Sparhawk e Mimi Parker pareciam ter alcançado o apogeu criativo do Low no começo da década seguinte, quando obras como Things We Lost in the Fire (2001) e a coletânea A Lifetime of Temporary Relief: 10 Years of B-Sides and Rarities (2004) serviram para consolidar tudo aquilo que a banda de Duluth, Minnesota, vinha testando desde a estreia com I Could Live in Hope(1994). Entretanto, longe de qualquer traço de conforto, o casal estadunidense passou parte expressiva dos últimos anos se reinventando em estúdio, exercício reforçado durante o lançamento de C’Mon (2011), porém, potencializado com a entrega de Ones and Sixes (2015) e o ainda espantoso Double Negative (2018).Essa mesma força criativa de Sparhawk e Parker acaba se refletindo nas canções de Hey What (2021, Sub Pop). Mais recente trabalho de estúdio da dupla norte-americana, o registro de dez faixas segue exatamente de onde o casal parou no disco anterior, porém, de forma ainda mais impactante, torta e brutalmente imprevisível. Do momento em que tem início, em White Horse, cada mínimo fragmento da obra ganha forma a partir do uso contrastado das microfonias e vozes cuidadosamente encaixadas. São blocos colossais de ruídos e quebras bruscas que parecem pensadas para confundir a experiência do ouvinte, como uma interpretação ampliada do material entregue anteriormente em Dissaray e Dancing and Blood. Leia o texto completo.

.

#4. Nala Sinephro
Space 1.8 (2021, Warp)

Feche os olhos por alguns instantes e deixe que a música produzida por Nala Sinephro transporte a sua mente. Multi-instrumentista, compositora e produtora belgo-caribenha que hoje reside em Londres, na Inglaterra, Sinephro estabelece no primeiro trabalho em carreira solo, Space 1.8, a passagem para um território mágico. São canções de essência cósmica que partem de uma base de sintetizadores enevoados, porém, assumem novos contornos e direções criativas à medida em que a musicista estreita a relação com um time seleto de colaboradores que vêm movimentando a cena britânica nos últimos anos.São improvisos completos pela presença de nomes como James Mollison, do Ezra Collective, a sempre requisitada Nubya Garcia, a guitarrista Shirley Tetteh e uma frente de outros artistas, em sua maioria negros, filhos de imigrantes, que fizeram da cidade de Londres um importante epicentro criativo ao longo da última década. Entretanto, diferente de outros nomes da cena local, em essência guiados pela fluidez dos ritmos afro-caribenhos, Sinephro segue uma trilha particular. Do momento em que tem início, em Space 1, cada fragmento da obra se espalha em meio a captações totalmente abstratas, etéreas, mirando a produção transcendental de Alice Coltrane e outros nomes do jazz espiritual dos anos 1960 e 1970. Leia o texto completo.

.

#3. Tyler, The Creator
Call Me If You Get Lost (2021, Columbia)

Desde que alcançou a maturidade artística, com o lançamento do elogiado Flower Boy (2017), Tyler, The Creator tem feito de cada novo trabalho de estúdio um verdadeiro espetáculo. Muito além do tratamento dado às rimas e batidas, o artista que estreou no final dos anos 2000, como parte do coletivo Odd Future, se concentra na produção de um repertório marcado pelo evidente refinamento estético, argumentos pouco usuais e precioso cruzamento de informações. São canções que partem de uma base tradicional, porém, crescem na permanente fragmentação de estilos, conceito bastante evidente durante a produção de IGOR (2019), vencedor na categoria de Melhor Álbum de Rap no Grammy de 2020, mas que ganha ainda mais destaque em Call Me If You Get Lost. Ponto de equilíbrio entre o estranhamento proposto nos primeiros registros autorais – Goblin (2011), Wolf(2013) e Cherry Bomb (2015) –, e o envelopamento melódico adotado em Flower Boy, o trabalho de essência caótica transita por entre ritmos, rimas e colaboradores sem necessariamente fazer disso o estímulo para uma obra confusa. Parte desse resultado vem do esforço claro do rapper, representado pelo pseudônimo de Tyler Baudelaire, referência ao poeta francês Charles Baudelaire (1821 – 1867) e uma de suas inúmeras personalidades, em homenagear algumas das grandes mixtapes produzidas nos anos 2000. Trabalhos apresentados por veteranos como Pharrell Williams, Clipse e principalmente Lil Wayne, na série intitulada Dedication, que se estende até os dias de hoje. Leia o texto completo.

.

#2. Floating Points / Pharoah Sanders
Promises (2021, Luaka Bop)

Quem há tempos acompanha o trabalho de Sam Shepherd, o Floating Points, sabe do fascínio do produtor britânico pela obra de veteranos do jazz e da música produzida nos campos mais remotos do planeta. Mesmo conhecido pelas composições e temas dançantes, como em Crush (2019), e colaborações com nomes importantes da cena eletrônica, caso de Caribou e Four Tet, foi em busca desses momentos de maior experimentação, tratamento evidente em Marhaba (2015) e Elaenia (2015), que o artista inglês deu vida a algumas de suas principais criações. São registros marcados pela colorida colagem de ritmos e minucioso processo de pesquisa, mas que hoje se revelam como meros esboços quando próximos do material cuidadosamente apresentado em Promises. Registro mais ambicioso da carreira de Shepherd, Promises preserva a essência do produtor britânico, principalmente quando lembramos dos temas atmosféricos de Reflections – Mojave Desert (2017), porém, estabelece na sonoridade cósmica de Pharoah Sanders, principal parceiro de composição, um importante elemento de ruptura e busca por novas possibilidades. Conhecido pelo trabalho como colaborador de John e Alice Coltrane, Sun Ra e Don Cherry, o músico de 80 anos passou as últimas cinco décadas imerso na produção de obras essencialmente transcendentais e contemplativas. São preciosidades como Ascension (1966) e Journey in Satchidananda (1970) em que não apenas interfere criativamente, como incorpora uma série de componentes que seriam melhor explorados no jazz espiritual que embala os autorais Karma (1969) e Thembi (1971). Leia o texto completo.

.

#1. Japanese Breakfast
Jubilee (2021, Dead Oceans)

Não se deixe enganar pela colorida imagem de capa de Jubilee. Por trás da fina estética e tons amarelados que emanam da fotografia de Peter Ash Lee, sobrevive uma obra ainda acinzentada. São faixas que, mesmo distantes da temática do luto incorporada aos antecessores Psychopomp(2016) e Soft Sounds from Another Planet (2017), dois primeiros trabalhos de estúdio de Japanese Breakfast, evidenciam as angústias e a forte relação de Michelle Zauner com a morte da própria mãe, vítima de um câncer no pâncreas, em 2014. Canções ainda consumidas pela dor e permanente sensação de sufocamento da multi-instrumentista de origem sul-coreana, porém, ampliadas de forma a incorporar diferentes temáticas e conflitos sentimentais vividos pela artista. Entretanto, a grande beleza de Jubilee, assim como o material apresentado em Soft Sounds from Another Planet, está na forma como Zauner brinca com os contrastes. São canções que preservam o lirismo melancólico da artista, porém, estabelecem no completo refinamento dos arranjos e melodias ensolaradas um importante elemento de contraposição. Exemplo disso acontece logo nos primeiros minutos do disco, em Paprika. Enquanto os versos discutem o isolamento vivido pela cantora – “Mas sozinha pareço estar morrendo” –, musicalmente a instrumentista investe em temas orquestrais. São cordas, metais e a bateria marcial que ora aponta para a parada onírica da animação de Satoshi Kon que da título à faixa, ora evoca a grandiosidade de coletivos como Broken Social Scene. Leia o texto completo.

.

Veja também: Os 50 Melhores Discos Brasileiros de 2021

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.

Jornalista, criador do Música Instantânea e integrante do podcast Vamos Falar Sobre Música. Já passou por diferentes publicações de Editora Abril, foi editor de Cultura e Entretenimento no Huffington Post Brasil, colaborou com a Folha de S. Paulo e trabalhou com Brand Experience e Creative Copywriter em marcas como Itaú e QuintoAndar. Pai do Pudim, “ataca de DJ” nas horas vagas e adora ganhar discos de vinil de presente.